Recife – Na edição do Diário de Pernambuco de 23 de dezembro de 2000, em matéria intitulada “Nordeste tem fornecimento de energia garantido”, o então diretor-presidente da Operadora Nacional do Sistema Elétrico, Mário Santos, afirmou que o reservatório equivalente do Nordeste (somatório da capacidade energética de todas as unidades geradoras da região) estava com 32% de seu volume preenchido. Isso afastaria o fantasma do racionamento de energia nos estados nordestinos ao longo de 2001. Mário Santos chegou mesmo a afirmar que, se necessário, a energia gerada no Nordeste naquele período poderia ser exportada a outros estados.
Para surpresa de todos os nordestinos, passados três meses, o próprio Mário Santos voltou à região para anunciar o racionamento de energia não só no Nordeste, mas em todo o território nacional. No dia 27 de março de 2001, o Jornal do Comércio do Recife divulgava a matéria “Setor Público fará racionamento”. E a coisa aconteceu para valer.
Ficou claro que os nossos dirigentes apostaram todas as suas fichas nas chuvas que não caíram – fé que resultou na mais séria crise energética de nossa história.
Passados dois anos da crise energética de 2001, o fantasma do racionamento volta a assustar. A Gazeta Mercantil, na edição do dia 21 de outubro de 2003, em matéria intitulada “Falta de chuva não afeta geração de energia”, levanta novamente as questões da situação hídrica das represas responsáveis pela geração de energia do Nordeste e nas demais regiões brasileiras, dando por afastado, após breve análise, o perigo de racionamento no Nordeste ao longo de 2004.
Segundo a matéria, apesar de a região ser uma das mais afetadas pela seca, a situação é considerada confortável, uma vez que o atual índice de 22,4% no seu reservatório equivale ao dobro da curva de aversão ao risco para a região no mês de outubro (10,29%) e, embora a expectativa seja a de que esse percentual desça ainda mais no mês de novembro, ficando por volta de 14%, é nesse momento que costuma terminar a seca na região.
A matéria foi publicada com quatro gráficos, mostrando a situação volumétrica dos reservatórios das hidrelétricas, por região, no período compreendido entre janeiro e outubro de 2003. A região Sudeste/Centro-Oeste, por exemplo, em janeiro de 2003 apresentava um volume de 60%; houve um acréscimo no mês de abril, passando para 80% e, em seguida, um decréscimo para 40%, no mês de outubro. Por sua vez, a região Nordeste, a mais crítica delas, em janeiro apresentava 33%, chegou a 55% no mês de abril e no mês de outubro encontra-se com 22,4%. A região Sul apresentava 80% em janeiro, decresceu para 55% no mês de maio, subiu um pouco, para 65%, no mês de junho e voltou a decrescer no mês de outubro, estando com 30,52%. Finalmente, a região Norte apresentava 40% em janeiro, em maio chegou a 100% e em outubro encontra-se com 38,96%.
Esses resultados são preocupantes, pois demonstram claramente que o país passa por um período de seca em praticamente todo o seu território. Essas informações, aliadas às apostas do governo de um bom período chuvoso a iniciar-se no mês de novembro, parecem voltar aos erros do passado. O filme está sendo o mesmo. Os índices volumétricos das represas estão em franco processo de declínio e o governo volta a acenar com as precipitações salvadoras.
Fazendo-se uma análise hidrológica comparativa entre os anos de 2001 e 2003, iremos observar que, mesmo com os racionamentos, o ano de 2001 apresentou melhores condições hídricas do que aquelas atualmente existentes em 2003. Essa evidência é facilmente percebida comparando-se o percentual volumétrico do reservatório nordestino em dezembro de 2001, que era de 36%, com o de 2003, com previsão de atingir 14% no mesmo mês.
Para nós, cidadãos nordestinos, a notícia mostra-se preocupante, pois trouxe em seu conteúdo as mesmas questões existentes na matéria de dezembro de 2000, não havendo, portanto, pelo menos de forma aparente, nenhuma justificativa mais convincente que venha a garantir a não adoção de novos racionamentos em 2004. No caso específico do Nordeste, por exemplo, com a existência de degradação ambiental calamitosa na bacia do rio São Francisco, seu maior potencial hidrelétrico, uma análise criteriosa sobre a demanda energética da região poderá evidenciar um agravamento dessa situação.
Com a demanda energética no Nordeste em franca expansão, com cerca de 5,3% ao ano, e com o potencial gerador do rio praticamente esgotado, com cerca de 10 mil MW, perguntamos: uma vez mantidos esses percentuais de demanda nos patamares atuais, de onde virá a energia necessária para o desenvolvimento da região na próxima década? A resposta a esse tipo de questionamento é dificultada ainda mais se levarmos em consideração a situação de penúria hídrica existente em boa parte das bacias nacionais e de ser calcada em hidreletricidade as características da nossa matriz energética. A esse respeito, o país tem acompanhado de perto, através da mídia televisiva, situações claras de falta de água em todo o país, a exemplo, entre outros, do recente colapso hídrico divulgado, há cerca de dois meses, na bacia do rio Paraíba do Sul, com dificuldades de abastecimento das populações de vários municípios fluminenses; o racionamento de água na cidade de São Paulo; o vale do rio Jequitinhonha (MG) seco; municípios de Pernambuco, Paraíba e Ceará em estado de calamidade pública decretado; os vários focos de queimadas no estado de Minas Gerais e os sinais de secura na atmosfera mineira (as chuvas do estado de Minas têm importância significativa na geração de energia do Nordeste). O fato é que ainda estamos nas mão de São Pedro para resolvermos as questões energéticas nacionais.
Tudo isso evidencia que o prognóstico de novos racionamentos de energia não pode e nem deve ser descartado. É nesse cenário que o governo terá que se envolver para solucionar as questões energéticas da nossa região. Cremos que, mesmo com todos os problemas hídricos existentes, existem alternativas que podem trazer um certo alento para a população. O país conta com um programa de geração termelétrica (38 unidades, considerada a redução de 20% do programa previsto) que poderá ser acionado em algumas regiões, caso seja necessário, além da possibilidade da compra de volumes significativos de energia das regiões Sudeste e Norte do país. Contudo, o sucesso dessas alternativas estará sempre na dependência da melhoria volumétrica do reservatório de todo o país.
Enquanto isso não acontece, a distribuição
de velas e caixas de fósforos em pontos estratégicos das casas já ajuda.
João Suassuna , engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, é considerado um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.