Inclusão digital ameaçada

Assaltos fecham telecentros e fazem jovens caminharem por até meia hora atrás de conexão; idosos são os mais prejudicados
Por Thiago Guimarães
 19/08/2005

A abertura do telecentro Cidade Tiradentes, em junho de 2001, representou o início da política pública de inclusão digital na cidade de São Paulo. A então prefeita Marta Suplicy foi até o bairro, no extremo da zona leste, e inaugurou o telecentro, que logo virou vitrine de sua gestão. Ao tentar a reeleição, Marta chegou a usar imagens daquela unidade na propaganda eleitoral.

Exatamente quatro anos depois, o telecentro Cidade Tiradentes está fechado devido a um assalto e não há previsão para a reabertura, como informa o aviso afixado na porta da unidade. De acordo com estimativa da Secretaria Municipal do Planejamento, o bairro tem 272 mil habitantes. Mais de 9 mil deles mantinham cadastro no telecentro roubado. Foram subtraídos 15 terminais, 12 monitores e outros equipamentos, como uma televisão. De acordo com os funcionários, os ladrões agiram sem pressa e “por falta de espaço na perua” deixaram no telecentro cinco máquinas, das quais duas estão quebradas. O boletim de ocorrência foi aberto no 54º. Distrito Policial, que fica a 800 metros dali.

A coordenadora de inclusão digital da Prefeitura, Adriana Reis, diz que a reabertura do Telecentro Cidade Tiradentes dependerá dos processos administrativos regulares para a compra de novas máquinas e da realização de um estudo sobre a taxa de utilização da unidade.

Outro centro público de acesso à internet, desta vez na zona sul da cidade, foi assaltado em 11 de julho. Estava instalado na Associação de Moradores do Conjunto Habitacional Chico Mendes e fazia parte de um projeto da organização não-governamental Sampa.org em parceria com o Banco do Brasil. Como se trata do segundo assalto em menos de um ano, o banco não deve mais repor as máquinas naquele telecentro. De acordo com os dados da Prefeitura, 266 mil pessoas moram no distrito do Capão Redondo.

30 minutos a pé

Andar mais, pagar para usar um computador ou ficar desconectado? Essa é a dúvida de quem costumava utilizar os computadores de um dos centros de acesso público assaltados nas últimas semanas. Na zona leste, Juliano Ramos de Oliveira, supervisor do Gráficos – telecentro que, devido à proximidade, recebeu o público da unidade de Cidade Tiradentes – observa que cresceu o número de usuários jovens, principalmente pelas manhãs. No entanto, há pessoas com dificuldade de locomoção que sofreram com essa "transferência forçada". “Os mais prejudicados são os adultos e os idosos”, afirma o funcionário.

Por causa do roubo de um centro de acesso no Capão Redondo, os moradores caminham por até 30 minutos para usar os computadores em outro lugar, como no telecentro Parque Fernanda. Dos dez novos usuários que a monitora Flávia Cardoso cadastrou em 21 de julho, quatro moravam na região que deveria ser atendida pela unidade fechada. A supervisora do Telecentro Parque Fernanda, Aline Vitorino, afirma que a unidade nunca teve problemas com segurança por causa da acolhida da comunidade. “É preciso saber entender uma criança que tenha problemas em casa e deixar a comunidade abraçar a causa do telecentro.”

De acordo com um ex-funcionário do centro assaltado, os principais prejudicados são as mulheres e os jovens desempregados que usavam o telecentro para elaborar e enviar currículos. Outros usuários, como Marcelo Silva, de 18 anos, preferem pagar pelo acesso à internet a ir a um telecentro. “Me sinto mais seguro na lan house”, diz o jovem, que verificava seu e-mail no momento do assalto do telecentro Cidade Tiradentes. Marcelo diz que tem usado o computador uma vez por semana para acessar o Orkut e pesquisar traduções de músicas na Internet.

Com medo de novos assaltos, os funcionários e os colaboradores do Telecentro Cidade Tiradentes não querem voltar ao serviço à noite. O voluntário Rodolfo Caliatto, que ministrava o curso de informática no momento do assalto, diz que a região onde o telecentro está localizado fica mais perigosa a partir das 18 horas, quando o comércio local fecha as portas. A coordenadora dos telecentros na Prefeitura de São Paulo, Adriana Reis, diz que é possível negociar novos horários com os trabalhadores, mas esclarece que não há previsão para a reabertura do telecentro – que costumava funcionar nos dias úteis das 9 às 20 horas. Além dos cursos de informática, a unidade organizava eventos e mantinha uma biblioteca.

Bom atendimento dá mais tranqüilidade em telecentro para moradores de rua

Quando a Prefeitura decidiu abrir um telecentro dentro de um centro de atendimento a pessoas em situação de rua, alguns trabalhadores ficaram receosos.

“Estava com medo. Nunca tinha entrado em um albergue antes”, diz a pedagoga Sílvia Mara Marsiglia. Mudou de opinião no primeiro dia de trabalho, ao conversar com uma albergada. Hoje Sílvia continua trabalhando ali e não trocaria seu local de trabalho por outro, mesmo que fosse mais próximo de sua casa. “Quando trabalhava no Ibirapuera, as pessoas me viam, mas não me cumprimentavam. Aqui as pessoas têm tempo para dar um ‘bom dia’, uma palavra, um carinho”, diz ela. Inaugurado em janeiro de 2003, o telecentro da Oficina Boracéia foi aberto à população em setembro daquele ano. Atualmente, funciona como um núcleo de formação dos novos trabalhadores, que atuarão em qualquer unidade da cidade. De acordo com Sílvia Marsiglia, uma das responsáveis pelo treinamento, a correta postura dos funcionários é o principal fator para reduzir problemas de segurança no telecentro. “O funcionário precisa criar vínculos com o usuário, desde o momento do cadastro, e manter abertos os canais de diálogo com a população”, afirma.

O roubo de um videocassete, dos pertences de uma funcionária e de uma cafeteira, em julho passado, surpreende os funcionários que trabalham no telecentro Boracéia. “Nunca cheguei a pensar que haveria muitos problemas desse tipo em virtude das pessoas que freqüentam o lugar. Apesar de o telecentro Boracéia estar dentro de um albergue, em outros telecentros chegaram a levar tudo”, diz a supervisora da unidade, Cristiane de Carvalho. Ela conta que “é normal entrar (no telecentro) gente bêbada e drogada, principalmente no inverno”, mas é preciso manter a calma em situações como essas. Segundo Cristiane, a Guarda Civil Metropolitana foi acionada raras vezes, quando a conversa e a paciência, recomendadas no treinamento, não funcionaram. “Não adianta ser rude, grosso. Eles falam muito de si mesmos: o que tinham, por que perderam tudo. Eles querem desabafar, se abrir às pessoas que (lhes) dão atenção”, afirma.

A coordenadora da Oficina Boracéia, Eliana Loureiro, diz que “pelo número de freqüentadores, o número de encrencas é bem pequena”. Cerca de mil pessoas circulam pelo espaço diariamente, das quais cem passam pelo telecentro. A coordenadora também acredita que o trabalho sócio-educativo é a melhor forma de reduzir problemas de violência. Depois d
e instalar um portão de ferro separando a sala da administração da área de circulação dos albergados, Eliana pretende, em outubro, aumentar o número de oficinas profissionalizantes aos atendidos pelo projeto.

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