Volta à esquerda

Organizações sociais serão mais rígidas com Lula

Em 2001, Encontro Nacional do PT defendeu que Lula deveria trazer a "ruptura necessária", mas decisão foi atropelado pela "Carta ao Povo Brasileiro". Agora, movimentos sociais tentam retomar as armas abandonadas pelo partido
Por Daniel Merli
 23/04/2006

Recife – No último dia do II Fórum Social Brasileiro (FSB) em Recife, após cinco anos os atores sociais preocupados com a mudança do país voltam a pensar na eleição presidencial. Em dezembro de 2001, o Partido dos Trabalhadores (PT) reunia-se para seu XII Encontro Nacional na capital pernambucana. O documento final do evento de então, "A Ruptura Necessária", serviria de "Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil". O texto era claro em afirmar que, em um futuro governo petista, seria "preciso ousar, rompendo com o conformismo fatalista" da política econômica.

Meses depois, já durante a campanha, o mercado financeiro temia que a "ruptura necessária" representasse uma revisão dos contratos de dívida pública. A candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva saiu com a "Carta ao Povo Brasileiro", que expressamente defendia que a transição do modelo econômico seria marcada pelo "respeito aos contratos e obrigações do país".

Neste domingo (23), outra vez em Recife, ocorreu nova tentativa de exigir uma ruptura durante as próximas eleições presidenciais. Organizações civis reuniram-se em uma plenária, convocada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e produziram um documento que deixa claro a demanda dos militantes: "Avançar na mudança – Contra o retorno da direita neoliberal".

Como em 2001, o centro das reivindicações dos movimentos é uma mudança da política econômica, mas também são abordados temas até então secundários, como a democratização do Estado brasileiro, com ampliação das formas de participação dos movimentos na democracia, a democratização dos meios de comunicação e o desenvolvimento da infra-estrutura do país. O documento também pede o fortalecimento das políticas públicas de saúde e educação, a reforma urbana e a reforma agrária.

Apesar de apresentar uma espécie de plataforma política, o documento da CMS não representará o apoio formal a nenhuma candidatura, garante Gilson Reis, diretor-executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT). "Esse é o nosso programa de governo e será nossa referência independente de quem seja o presidente em 2007", diz. "Qualquer um que faça menos do que está no documento, nos levará para mobilizações na rua".

Gílson admite que a postura dos movimentos este ano deve ser totalmente diferente da última disputa presidencial. "A campanha de 2002 foi totalmente despolitizada, na linha 'paz e amor'. Não queremos que este ano fique só na questão Lula contra anti-Lula, sem mostrar qual a diferença essencial entre os dois candidatos".

"Dar nitidez às diferenças que existem" entre os dois principais candidatos também é uma das preocupações de Gustavo Petta, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Na melhor das hipóteses, ele acredita que o documento elaborado este domingo pode servir para que a esquerda "influencie em um possível segundo mandato de Lula". Mas destaca que isso não representa uma adesão formal. Petta lembra que, no Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb) da UNE, realizado no último final de semana em Campinas (SP), a organização estudantil decidiu não apoiar formalmente nenhum candidato no primeiro turno. A postura deve ser seguida pela CUT, em seu congresso anual, no próximo junho, segundo Gilson.

A preocupação em não apoiar formalmente qualquer candidato também está na cabeça de João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). "A Coordenação dos Movimentos Sociais tem de ter autonomia política para tocar esse debate", defendeu, durante a plenária. Para João Paulo, os próximos meses serão duros para a esquerda brasileira. "Teremos de fazer o debate político necessário sobre as posições que defendemos para o país e, ao mesmo tempo, partir para a mobilização".

A segunda parte já tem agenda marcada. Em junho, a CMS deve convocar um ato político, em Brasília ou São Paulo, para difundir a carta aprovada esta manhã. As propostas de reformulação do texto apresentadas neste domingo, durante a plenária, serão redigidas até a próxima terça-feira (25), quando a CMS fará uma divulgação formal do documento na capital paulista.

Da Agência Carta Maior

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