Movimentos sociais e parlamentares aproveitaram o espaço aberto pelas dificuldades conjunturais vividas no meio rural para reinserir o debate estrutural da reforma agrária. Acompanhados de um grupo de deputados, representantes do Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA) estiveram, nesta quinta-feira (25), no Congresso Nacional para apresentar quatro projetos de lei que visam atualizar a base legal do processo de reforma agrária e a proposta de criação de uma comissão permanente para tratar do tema.
Um dos projetos de lei apresentados ao presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), pela comitiva composta pelo deputado João Alfredo (PSol-CE), pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), e pelo deputado Jamil Murad (PCdoB-SP), além dos representantes do Fórum, propõe a revogação de determinações impostas pela Medida Provisória 2.183/2004. O novo projeto quer revogar as normas assinadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que proíbem a vistoria de áreas ocupadas por famílias sem-terra por um período de dois anos e ainda excluem os nomes de pessoas envolvidas em ocupações coletivas de terras da relação de beneficiários dos programas de reforma agrária.
Além disso, a mesma proposta de ajustes da Lei 9629/1993 estabelece regras para a atualização regular – de cinco em cinco anos – com base em parâmetros técnicos dos índices de produtividade (que vigoram com base em dados de 30 anos atrás e, apesar das longas e árduas negociações internas, ainda não foram revistas por falta de decisão do Poder Executivo) e para garantir a integridade das áreas de preservação permanente e de reserva legal, com vistas à proteção do meio ambiente.
Outros dois projetos propõem mudanças no Código de Processo Civil no que se refere ao processo de concessão de ações da reintegração de posse (exigindo a presença do juiz na área de conflito antes de apreciar liminar e a avaliação prévia do Ministério Público antes da decisão judicial, além de oitiva dos órgãos fundiários federal e estadual) e alterações na Lei de Desapropriação para Fins de Reforma Agrária, com o intuito para impedir o pagamento de indenizações supervalorizadas.
A quarta proposta apresentada pelo grupo sugere que ações discriminatórias para facilitar a arrecadação de hectares de terras devolutas (públicas) propostas pelos Estados tenham caráter preferencial e prejudicial em relação às ações em andamento referentes a domínio ou posse de imóveis.
“A entrega desse conjunto de projetos faz parte de uma mobilização bem mais ampliada. A partir de agora, nós vamos marcar conversas com os ministros Tarso Genro (Relações Institucionais), Luiz Dulci (Secretaria-Geral da República) e também com a Casa Civil”, anunciou Gilberto Portes, secretário-geral do FNRA, que congrega 45 organizações ligadas ao campo. Além da agenda com as autoridades do Palácio do Planalto, a entidade também pretende organizar manifestações para exigir um posicionamento mais decisivo do Executivo, principalmente com relação aos índices de produtividade.
A cesta de projetos foi inicialmente elaborada por João Alfredo como parte das recomendações do relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra. O parecer do relator, no entanto, foi preterido na votação final da CPMI ocorrida no ano passado por um relatório paralelo apresentado pelo deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), representante ativo da chamada bancada ruralista.
“Esses projetos já deveriam ter sido apresentados quando o II Plano Nacional de Reforma Agrária foi apresentado [no final de 2003]”, comentou Dom Tomás Balduíno, vice-presidente da Comissão Pastoral da Terra, presente na atividade do FNRA. Ele lembrou que uma população tradicional do Maranhão foi desalojada de forma brusca nos últimos dias de um quilombo centenário. “Enquanto o governo está apresentando um pacote em favor do agronegócio. Nós estamos apresentando medidas favoráveis à reforma agrária e ao combate à violência no campo”, diferenciou Balduíno, na saída da audiência em que entregou documento formulado por bispos de diferentes Igrejas a Rebelo.
Além da CPT, estiveram representados a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e as organizações não-governamentais (ONGs) Instituto Socioambiental (Inesc) e Terra de Direitos.
A representante do MST, Marina dos Santos, cobrou ainda a votação em 2º turno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do trabalho escravo, que prevê o confisco de terras em que for constatada a utilização de trabalhadores em regime de escravidão e está parada no plenário da Câmara. Já o representante da ONG Terra de Direitos, Darci Frigo, pediu a análise da representação pedindo a abertura de processo disciplinar no Conselho de Ética contra o deputado Lupion, hoje presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, acusado de utilizar o mandato para nutrir relações escusas com as empresas Monsanto e Nortox, que atuam no ramo do agronegócio. O FNRA e os congressistas também protocolaram o documento contra Lupion junto à Procuradoria-Geral da República.
Irmã Dorothy
A comitiva do Fórum também visitou o ministro Cezar Peluso, no Supremo Tribunal Federal (STF), para apresentar documentos e fazer ponderações sobre o risco da concessão de habeas corpus a Regivaldo Pereira Galvão, conhecido por “Taradão”, acusado de ter atuado como agenciador no assassinato da missionária Dorothy Stang.
Pereira foi preso em maio de 2005 em Belém, depois de ser delatado por Amair Feijoli da Cunha (Tato), um dos intermediários do crime. Em junho, ele entrou com pedido de habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que foi negado. Ele foi pronunciado no processo e recorreu da sentença, que também foi negada. Agora, tenta habeas corpus junto ao STF, que deve julgar o pedido em breve.