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Alunos de escola pública não aprendem História da África

Consulta em três capitais mostra que a formação de professores para essa área continua ineficiente quase quatro anos após a aprovação da lei que inclui no currículo escolar o ensino de história e cultura africana

Criança participa de ato em São Paulo no Dia da Consciência Negra (Foto: Iberê Thenório) 

A sanção da lei 10.639 – que inclui a temática História e Cultura Afrobrasileira e Africana no currículo escolar – foi uma das primeiras medidas do governo Lula, em janeiro de 2003. Quase quatro anos depois, no entanto, organizações envolvidas com educação e igualdade racial avaliam que, apesar dos avanços, ainda é necessário mais empenho para superar as barreiras de "500 anos de história equivocada."

Embora altere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a lei 10.639 ainda não é conhecida por muitas escolas, fato admitido pelo próprio diretor de ações afirmativas da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) do governo federal, Jorge Carneiro. "O governo assumiu essa agenda, da promoção social. É uma agenda histórica, que enfrenta dificuldades. São 500 anos de dívida cultural", justifica. Segundo ele, estão atualmente em discussão maneiras de levar a lei para todos os municípios do Brasil, através de avanços na sua divulgação e implementação.

Em fase de finalização, uma consulta realizada pela ONG Ação Educativa nas séries de Educação Infantil e Fundamental II de 15 escolas públicas revela que, apesar de já haver material sobre o tema e de ele ser conhecido por professores e funcionários – como bibliotecários, por exemplo -, ainda não há impacto sobre os alunos.

"A formação do educador não pode contemplar só a questão dos conteúdos, mas discutir como o racismo se manifesta na escola, os conceitos de discriminação e racismo, além de procurar abordar valores", propõe Camilla Croso, coordenadora pela Ação Educativa da consulta. Só assim, ela defende, será possível preparar devidamente os professores para abordar o tema em sala de aula. A pesquisa foi aplicada em Salvador (BA), Belo Horizonte (BH) e São Paulo (SP) em parceria com Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceafro-UFBA), Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e Movimento Interforuns de Educação Infantil do Brasil (Mieib).

Maria Luiza Passos, educadora do Ceafro que acompanhou a consulta em Salvador, ressalta que a maioria dos professores não teve acesso a um conteúdo aprofundado sobre África nas escolas e faculdades, fato que dificulta a aplicação do tema. "Até há pouco tempo, nós estudávamos Egito como se fosse fora da África", lembra. "Queremos uma formação de qualidade em todos os níveis, que traga a percepção de África enquanto berço civilizatório da humanidade. Não é só para falar do continente pela musicalidade e culinária, porque no Brasil isso vem sendo feito há quase 500 anos…"

A equipe que está analisando os resultados da consulta – que envolveu professores, funcionários, estudantes e pais – também percebeu um grande potencial de aplicação do assunto na sala de aula. Em relação à pergunta do questionário "o que você gostaria de saber sobre história e cultura africana?", as crianças deram respostas variadas, demonstrando curiosidade por rituais, pela arte, pela maneira como as crianças brincam na África, como lidam com a morte etc. "Isso é incrível, revela que elas estão abertas para saber mais sobre o tema e que existem diferentes maneiras de abordá-lo", analisa Camilla Croso.

Um terceiro dado da consulta já identificado é a grande distância dos pais em relação à escola, algo que dificulta a implementação de políticas educacionais. Os questionários aplicados incluíam uma pergunta sobre a vivência de situações de preconceito ou de conflito racial na escola. Cerca de dois terços dos professores e a mesma parcela dos alunos disseram que sim, que já haviam vivenciado situações desse tipo. Já os pais, por sua vez, responderam não ter conhecimento de situações do gênero no ambiente escolar. Para Croso, isso mostra uma lacuna na comunicação entre pais, filhos e escola. "É importante que o debate das diretrizes e das problemáticas dessas questões também envolva os pais."

A pesquisa está sendo finalizada e seu lançamento está previsto para março de 2007. Serão abordados pontos como a diferença entre as três capitais no tratamento da questão racial e uma análise mais profunda sobre as possibilidades e os limites para a implementação da lei 10.639.

Séculos de dívida
Para Maria Luiza Passos, houve investimento governamental para viabilizar a implementação da lei, mas é preciso mais. "Ela entrou em vigor em 2003 e observamos que alguns livros didáticos ainda tratam a História de forma equivocada, a partir do ponto de vista do colonizador", analisa. Ela cita como exemplo a abordagem da Abolição da Escravatura e do aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, transformado em Dia da Consciência Negra. Por outro lado, a educadora pondera que "coisas bacanas aconteceram, como a publicação de livros e da diretriz nacional da lei, que está sendo distribuída gratuitamente".

"O absurdo do Brasil é isso: tivemos que criar uma lei para que as crianças pudessem ter acesso à sua história", expõe Jorge Carneiro, do Seppir. Passos afirma que os estereótipos sobre a África só vão sumir quando houver conhecimento sobre o continente e suas influências. "O conhecimento faz com que educadores, jovens e crianças possam perceber que sua identidade existe para além do processo de escravidão", diz. "Isso pode gerar uma mudança de auto-estima importante. Esses outros olhares sobre a cultura africana precisam ser despertados."


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9 Comentários

  1. Adinaldo João Ferreira

    Eu sou aluno deo curso Educação Africannidade Brasil pela UNB na EAD,sou professor de Língua Portuguesa e Filosofia na Rede Pública Estadual de São Paulo,confesso que estou maravilhado com o curso, aprendi muito não sabia nada da África só sobre período escravidão ,cenzala e sofrimento, agora estou capacitado para os esclarecimentos dos meus alunos sobre africano,e afrodescendente. Mais fico muito triste em saber que existe uma lei 10.639 que não garante o meu direito e de meus colegas de grupo a ministrar aulas nesse campo, só poderemos entrar falando sobre esse tema como se ,fosse tema transversal. Que pena que é sempre assim em nosso Brasil e na educação.E A LEI onde fica?

  2. Adinaldo João Ferreira

    O que eu e os meus colegas de curso, gostariamos é que a Lei 10.639 fosse exercida, passando a ser disciplina curricular, fazendo parte da grade de todas as escolas de Brasil. Tanto no ensino fundamental I e II quanto no Ensino médio.Já existem professores na rede habilitados para ministrarem essas aulas sim. Só falta a boa vontade dos governantes que tratam da educação desse país.África tem uma história linda como Continente e o afrodescentes os mesmos direitos de aprender seus mitos,religiões, heróis e heroínas de seus antepassados.

  3. Rosangela candido

    Obrigado pelo espaço para as nossas dúvidas e dificuldades.Eu por exemplo fazem 4 anos que procuro me informar da maneira que posso sobre o assunto da nossa história Africana,e infelizmente nào consigo me aperfeiçoar pornão encontrarlocais próximo da minha região.Sou professora pedagoga e trabalho com meus aluninhos contando com a minha vivencia.Mase fundamental termos um conhecimento coerente com a situação dos alunos.Por isso achona minha opinião que deveria as secretarias de educação ou delegacias de ensino uma avaliação séria para quem realmente deseja colocar em prática tudo de bom que o curso de história tende aoferecer.Digo isso porque as vezesexiste aqueles que não tem interesse.

  4. Juciara Bruno

    Excelente matéria. Realmente é um absurdo que se trabalhe a história de África nas escolas pela força da lei. Mas se não fosse assim esse continente berço da civilização ficaria eternamente esquecido ou trabalhado de forma estereotipada.

  5. Elizabete Cristina da Silva

    Ótima matéria. Sou aluna do 3º período do curso de História do UGB em Barra do Piraí/RJ e este ano temos a disciplina História da África. Confesso que estou estudando sobre África pela primeira vez e estou maravilhada. Eu penso que esta disciplina deveria ser inserida na vida dos alunos, já na pré-escola. Parabêns pela matéria, pois para mim, foi muito enriquecedora.

  6. marco romero

    Sou professor de História, formado pela PUC-Campinas e defensor daquilo que utopicamente podemos chamar de justica racial. So tenho medo de que como tantas iniciativas, isso não seja um "modismo" e a sociedade se aprofunda realmente e se sensibilize com relação a essa tematica. A lei nos considera por direitos iguais, mas e a relação interpessoal?

  7. João Bosco da Silva

    Sou professor de história, neste inicio de ano fui convidado para compor Gerência de Educação da Relações Étnico-Raciais da SEDUC/MT, bem como buscar formas de capacitat professores para implementação de Lei 10.639/03 na escolas do Mato Grosso, e tenho viajado muito pelo interior do estado, e às vezes ainda assusto quando algum professor diz nunca ter ouvido falar da lei, afinal já se passaram quatro anos de sua aprovação. Porém, não desanimo e continuo buscando disseminar a importancia da lei no contexto nacional , bem como toda luta dos MOvimentos Negros nos anos 80 que desenbocou na referida lei. A luta agora é fazer com que a lei não se tranforme em LETRAS MORTAS.

  8. paulo muller

    Algumas iniciativas podem surtir efeito para a efetiva implantação de curriculos previstos na lei 10.639. Umas das principais talvez seja a discussão entre os professores da área de ciências sociais sobre a cultura africana. No entanto, o que percebo é uma burocratização muito grande nas escolas que muitas vezes impede qualquer discussão. Também percebo o quanto desconhecemos o tema África e como a cultura africana se manifesta no Brasil.

  9. Terezinha Auxiliadora Garcia

    quando você fala que na matéria História os alunos não aprendem sobre a África , seria correto dizer nas escolas, pois quando se trata de ensino fala -se no conjunto o professor de História tem um compromisso muito grande com a educação, o que tem que ser cobrado é o conjunto, tive colégas que me questionou o fato de eu desenvolver um trabalho sobre o Egito, por estarmos no início do ano e por não ser o dia da consciencia negra para tanto não só o profissional de História tem responsabilidade com o assunto África mas todos nós é um compromisso sério temos que falar de nossa cultura com seriedade e não jogar cargas nas costas de pequenos grupos deixando outrs grupos alheios as suas responsabi