Habitação e saneamento

Inclusão social e questão fundiária são desafios para as medidas PAC

PAC vai injetar R$ 146,3 bilhões em saneamento e habitação. Mas para especialistas consultados pela Carta Maior sem enfrentar o problema da moradia popular e do acesso à terra o efeito pode ser menor que o esperado para as classes mais pobres
Jonas Valente
 24/01/2007

Apesar do foco nas condições para a expansão da atividade industrial e comercial no país, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) buscou legitimar o discurso de “crescimento com distribuição de renda” repetido à exaustão pelo presidente Lula incluindo um eixo que foi apelidado de “infra-estrutura social”, que tem como principal aposta os investimentos nas áreas de habitação e saneamento.

Para habitação serão destinados R$ 106,3 bilhões no quadriênio 2007-2010. Os investimentos diretos a partir do Orçamento Geral da União (OGU) serão de R$ 10,1 bilhões. O restante do montante virá dos financiamentos de pessoas físicas (R$ 32,5 bi) e do setor público (R$ 4 bi) bilhões, dos recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (R$ 42 bi) –destinado às classes média e alta – e das contrapartidas dos contratantes de crédito nestas modalidades (R$ 17,7 bi).

O intuito é ampliar o combate ao déficit habitacional, que atinge hoje 7,9 milhões de pessoas. A expectativa do ministério das cidades é atender 4 milhões de famílias com aquisição de terrenos, construção e reforma de casas, compra de material de construção e urbanização de áreas precárias como assentamentos, favelas e palafitas. Estas duas últimas receberão 11 bilhões nos próximos quatro anos, refletindo a preocupação do governo com o enfrentamento ao problema da habitação nas grandes metrópoles.

“Pelo menos 50% dos recursos do FGTS têm de ser destinado a moradias novas. Em relação aos recursos do OGU, daremos prioridade à construção de casas novas mas também à urbanização principalmente de favelas e palafitas, que inclui melhoria da habitação, saneamento e estrutura elétrica”, destaca o ministro das cidades, Márcio Fortes. Uma dimensão desta preocupação é social, uma vez que parte importante do déficit habitacional está concentrado em regiões metropolitanas. Outra é econômica, já que a construção de casas novas é uma aposta do governo na movimentação do setor de construção civil.

Apesar da preocupação manifesta nos discursos dos ministros de Lula, para defensores da luta pela moradia há diversos poréns no PAC. Na avaliação de Patrícia Cardoso, advogada do Instituto Pólis e integrante do Conselho Nacional das Cidades, o destaque é exatamente uma medida que foi excluída do programa, o uso de parte multa paga ao FGTS por empresários por conta da demissão de trabalhadores para subsídio à aquisição de casas populares por pessoas com renda familiar mensal de até três salários mínimos. “É uma reivindicação histórica do movimento pela reforma urbana que ficou de fora”, reclama.

Segundo o ministro da fazenda, Guido Mantega, a ação não foi incluída por uma pendência na negociação sobre o índice da multa com os empresários. A multa atual é de 50%, mas poderia voltar a 40%, pois o motivo do aumento da alíquota desapareceu – o FGTS já pagou todos os trabalhadores que tiveram perdas decorrentes de planos econômicos passados. Os empresários gostariam que a multa voltasse a ser de 40%, porque ficaria mais barato mandar funcionários embora. Conta com o adicional de 10 pontos percentuais para ter até R$ 15 bilhões e, assim, bancar a fundo perdido dois terços do valor de um imóvel popular – o comprador não precisaria devolver o dinheiro.

Outro pilar da política de habitação popular, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), continua Patrícia, ficou sem uma definição mais concreta. Segundo o PAC o Orçamento Geral da União disporá no próximo ano de R$ 2,6 bilhões mas no Orçamento de 2007 estão reservados apenas R$ 450 milhões para o fundo. Procurada pela reportagem da Carta Maior, a assessoria do ministério informou que está em processo de definição quanto passará será alocado no FNHIS. A preocupação dos movimentos sociais em garantir o aporte de recursos no fundo é que nesta fonte de recursos a distribuição tem de passar por um conselho composto com representação da sociedade civil, o que daria caráter mais democrático à aplicação destes recursos.

Questão fundiária
Ermínia Maricato, professora da USP e ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades na gestão de Olívio Dutra, alerta que se a injeção dos recursos não for acompanhada de políticas que democratizem a questão fundiária no país há o risco do “tiro sair pela culatra”. “Entrar com todo este dinheiro em um mercado patrimonialista, altamente especulativo com terra, pode aumentar o preço da terra, aumentando o preço da moradia e tendo efeito perverso”.

Para isso, continua, é necessária uma estrutura institucional no âmbito de toda a federação, especialmente dos municípios, para implantar tanto as medidas do PAC quanto a democratização fundiária necessária à sua execução. “Temo pela implementação por que o Estado está sucateado, você não tem uma rede de implementação de política habitacional descentralizada. Se não tiver esforço federativo o governo federal não consegue fazer sozinho por que moradia tem localização no espaço e tem muita responsabilidade municipal”, afirma.

Ela defende a criação de órgãos municipais de operação da política habitacional, hoje existente em poucas cidades no País. Mas somente mais estrutura não resolverá se não for quebrada a relação intrínseca entre o poder local e os donos de terras, que mantém uma lógica concentradora da propriedade e do sistema de uso especulativo das áreas urbanas e rurais.

Saneamento
Na área de saneamento a questão federativa parece ter sido um elemento orientador da formatação do PAC. Isso por que a operação dos serviços que compõem este setor se dá principalmente pelos municípios e companhias estaduais. Estão previstos R$ 40 bilhões de reais nos próximos quatro anos. Deste total, R$ 12 bi virão do Orçamento Geral da União em ações com foco nas duas pontas do problema do acesso a este serviço: as grandes aglomerações urbanas em situação precária, como favelas e palafitas, e os municípios pobres com até 50 mil habitantes.

Igual quantia será destinada para o financiamento de contratos de estados, municípios e companhias de saneamento. Para que isso seja executado, o governo atacou o nó do limite de endividam
ento dos estados ampliando-o para 6 bilhões nos próximos dois anos com expectativa de manter o volume no último biênio do segundo mandato de Lula. “Aumentar o limite de endividamento resolve uma parte importante o problema dos estados. Há contratos com bancos parados por conta do limite de endividamento”, comentou a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB).

Estão previstos também mais R$ 8 bilhões para financiamento de operadores privados e esperados mais R$ 8 bilhões de contrapartida dos prestadores do serviço, somando um total de R$ 40 bilhões em aplicações para obras e serviços de saneamento nos próximos quatro anos. O objetivo é recuperar o quadro dramático brasileiro. Hoje, o atendimento nesta área é de 82,3% no provimento de água potável, 48,2% no tratamento de esgoto e 36% na coleta de lixo. A meta do PAC é até 2010 ampliar estes percentuais, respectivamente, para 86%, 55% e 47%.

A ampliação dos percentuais deve vir acompanhada de preocupação qualitativa com os serviços para não manter o quadro de desigualdade no acesso ao saneamento existente no País. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humanos, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em novembro último, “no Brasil, os 20% mais ricos da população desfrutam de níveis de acesso à água e saneamento geralmente comparáveis ao de países ricos”. Enquanto isso, continua o documento, “os 20% mais pobres têm uma cobertura tanto de água como de esgoto inferior à do Vietnã”.

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