Ação na Aracruz

Lideranças da Via Campesina depõem no exterior sobre ação na Aracruz

Estrangeiros depõem nas Justiças do País Basco, República Dominicana e Indonésia sobre suposta participação em ação de mulheres camponesas em área da Aracruz, no RS, em março de 2006. Acusações do MPE são infundadas, diz defesa
Verena Glass
 16/01/2007

Acusados de planejar e participar de uma ação de mulheres da Via Campesina no Horto Florestal da empresa Aracruz Celulose S/A, em Barra do Ribeiro, RS, no dia 8 de março de 2006, os dirigentes internacionais da organização, Henry Saragih, da Indonésia, Paul Nicholson, do País Basco, e Juana Sanchez, da República Dominicana, estão sendo ouvidos pelas Justiças de seus países a pedido da Justiça brasileira.

À época no Brasil para participar da Conferência Mundial sobre Reforma Agrária da FAO/ONU, os três foram arrolados em um processo com outras 34 pessoas em função da destruição de estufas, laboratórios e mudas de eucalipto da Aracruz em uma manifestação contra a monocultura de eucalipto para a produção de papel no Estado (Leia “Em ação nesta madrugada, mulheres destroem viveiro da Aracruz no RS”).

De acordo com a advogada de defesa Claudia Ávila, que acompanha o caso, o procedimento de solicitar à Justiça de outro país que interrogue estrangeiros é normal. Como explica Ávila, mesmo os brasileiros que moram em outras comarcas que não aquela onde está o processo – no caso Barra do Ribeiro – são interrogados em seus próprios municípios.

“O juiz de Barra do Ribeiro manda as perguntas para os colegas onde os réus têm domicílio (as chamadas cartas precatórias). O mesmo ocorre com os estrangeiros através de processo rogatório; existem acordos internacionais com todos os países com quem o Brasil mantém relações diplomáticas neste sentido”, afirma a advogada.

Segundo ela, Juana Sanchez e Nicholson já prestaram depoimento – Nicholson foi interrogado no dia 8 em Guernica –, repetindo o que foi dito no Brasil logo após a ação: não houve participação no ato nem na sua elaboração. “Eles foram processados basicamente por posteriormente terem dado entrevistas apoiando a ação”, considera Ávila.

Acusações infundadas
No processo enviado à Justiça pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, os dirigentes da Via Campesina são acusados de destruição de propriedade privada (mudas, estufas e laboratórios), formação de bando e quadrilha, seqüestrar e manter em cárcere privado funcionários da Aracruz, roubo de um disco rígido da empresa contendo “informações pertinentes à atividade industrial realizada no estabelecimento atacado” e lavagem de dinheiro.

Algumas denúncias, como a de participar no planejamento da ação, carecem de fundamento por razões óbvias, segundo a defesa. De acordo com o MP, “em data não exatamente determinada no inquérito policial, mas notadamente desde meados de dezembro de 2005, em locais diversos, nos municípios de Passo Fundo, Tapes, Porto Alegre e Barra do Ribeiro, de forma permanente, os denunciados (…) associaram-se em quadrilha ou bando armado, para o fim de cometer crimes, a exemplo daqueles versados na presente denúncia”. Nesta época, nenhum dos acusados estrangeiros estava no país.

Sem provas da efetiva participação na ação por parte de Nicholson, Sanchez e Saraghi, as acusações referentes aos danos à empresa e a seqüestrar e manter em cárcere privado funcionários da Aracruz também não procedem.

A denúncia de lavagem de dinheiro, justificada pela apreensão de valores em moeda estrangeira, à epoca feita de forma irregular na secretaria nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), também seria infundada, explicam os advogados da Via Campesina. Segundo o MP, “o recebimento de tais valores decorreu, direta e indiretamente, da ação de organização criminosa, na medida em que os denunciados captavam recursos em nome de quadrilha ou bando por eles integrada (crime antecedente), de forma estável e altamente organizada, com o propósito de financiar as atividades (lícitas e ilícitas) pretendidas pelo grupo”.

Ainda em março, a polícia, com mandado de busca na MMC estadual, apreendeu computadores, dinheiro de projetos de cooperação e os respectivos documentos que comprovam a sua origem e destinação na MMC nacional, que, no processo que deve se seguir, constituem provas ilegais e portanto não poderão ser utilizadas. Já os réus estrangeiros não têm ligação alguma com o procedimento de captação e destinação destes recursos, afirma a defesa.

Segundo a advogada Giane Álvares, assessora jurídica do setor de direitos humanos do MST, “na falta de provas imputa-se levianamente os crimes aos acusados” na intenção de criminalizar os movimentos. Segundo ela, o que existe no caso é uma denúncia coletiva contra vários membros de organizações ligadas à Via Campesina, formulada com informações colhidas nos meios de comunicação e sem fundamento comprovado, para reforçar o entendimento que a organização social é “formação de bando e quadrilha”.

“Formação de bando e quadrilha é um delito grave, por isso esta acusação é feita freqüentemente contra os movimentos sociais. Reunindo todos os crimes constantes na acusação, a pena poderia ser de oito a 30 anos de prisão de acordo com a lei brasileira”, explica.

Segundo os advogados, apesar da rapidez com que o processo contra os militantes da Via Campesina tem sido encaminhado, uma decisão final da Justiça ainda deve demorar, já que faltam ser arrolados parte dos acusados brasileiros e as testemunhas de acusação e defesa. Em relação às oitivas dos estrangeiros, Giane Álvares explica que o governo brasileiro não tem nenhuma obrigação de checar a fundamentação das acusações antes de solicitar a colaboração da Justiça estrangeira – o processo objetiva apenas que os réus tomem conhecimento das acusações -, mas a falta de embasamento acaba sendo um “vexame para o país”.

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