EXCELENTÍSSIMO SENHOR
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
As entidades abaixo assinadas solicitam a Vossa Excelência que seja vetado, por inconstitucionalidade e por contrariedade ao interesse público, o art. 9º do Projeto de Lei n. 6.272/2005, que cria a Receita Federal do Brasil, na parte que inclui o § 4º no art. 6º da Lei n. 10.593/2002 (Emenda Aditiva n. 3), pelas razões a seguir expostas.
DA INCONSTITUCIONALIDADE
O texto da emenda propõe condicionar a atuação fiscalizadora do Ministério do Trabalho, quando constatada relação de trabalho fraudulenta, ao prévio exame da situação pela Justiça do Trabalho, introduzindo o seguinte parágrafo no art. 6º da Lei n. 10.593/2002:
"§ 4º. No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser sempre precedida de decisão judicial."
Em primeira análise, destaca-se a inconstitucionalidade do dispositivo por violar o princípio da separação dos poderes, abrigado no art. 2ª da Constituição Federal. É evidente que, ao submeter a atuação do Poder Executivo – o exercício do poder de polícia inerente à inspeção do trabalho – à decisão prévia do Poder Judiciário, o Projeto de Lei está atentando contra a separação dos poderes, erigida à cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, da Constituição.
O dispositivo em tela afronta também o art. 21, inciso XXIV, da Carta Magna, uma vez que impede a União, em típica atividade do Poder Executivo, de "executar a inspeção do trabalho" nas atividades corriqueiras de fiscalização.
No Estado Democrático de Direito (art. 1º. da Constituição da República), a todos os poderes são dadas atribuições para a preservação da "res publica" (modelo republicano adotado constitucionalmente). Assim, a Administração Pública tem como dever a manutenção da legalidade por atuação "ex officio" (sem necessitar de ser provocada para tanto). O Estado de Direito pressupõe que todos busquem a preservação das disposições previstas em lei.
É evidente que a análise do ato ilegal e a sua punição não são prerrogativas exclusivas do Judiciário, havendo a fiscalização, em sentido amplo, justamente para tornar efetiva a ordem jurídica.
Do mesmo modo, tal artigo, não tendo qualquer afinidade, pertinência ou conexão com objeto do Projeto de Lei em questão, fere o art. 7º, inciso II, da Lei Complementar n. 95, que dispõe sobre a elaboração das leis, e também o art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal, integrado por esta Lei Complementar.
O dispositivo ainda contraria diversos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em especial o Tratado de Versalhes, na parte XIII, art. 427, item 9: "cada Estado deverá organizar um serviço de inspeção, dele participando as mulheres, a fim de assegurar a aplicação das leis e regulamentos de proteção aos trabalhadores".
DA CONTRARIEDADE AO INTERESSE PÚBLICO
O dispositivo em questão na prática impede a fiscalização de fiscalizar, retirando do trabalhador o direito de ser protegido pelo Estado contra a prática de contratação sob formas precarizantes, disfarçadas de trabalho autônomo, eventual ou sem vínculo de emprego.
Os prejuízos dessa medida são imensuráveis para a classe trabalhadora. O primeiro efeito prático será, de imediato, a suspensão de toda legislação que protege o empregado. Isso porque todo o ato praticado pelo empregador e empregado terá validade jurídica, mesmo que contrário aos princípios básicos do direito trabalhista. A medida prevê o afastamento de qualquer agente estatal, deixando a possível sanção apenas após provimento judicial que venha reconhecer o trabalhador como empregado.
Haverá o estímulo legal à fraude, porquanto o empregador poderá trocar empregados por autônomos e, mesmo em fraude à lei, não sofrer qualquer ação administrativa do Estado brasileiro. Assim, não haverá como exigir férias, FGTS, 13º salário, normas de segurança e saúde, pagamento de horas extras, aposentadoria, licença-maternidade, entre outros.
A fiscalização do trabalho será, duramente, afetada – se não extinta -, podendo ser impedida por qualquer simulacro de ato jurídico que afaste a relação de trabalho. Prejudicará, em cheio, o combate ao trabalho escravo, esforço reconhecido internacionalmente, pois um simples contrato de parceria ou empreitada falso – tão comum de se encontrar nas operações do Grupo Móvel de Fiscalização – impedirá a exigência de pagamento dos direitos trabalhistas e a autuação do criminoso.
Teremos também graves conseqüências de ordem fiscal. A falsa pessoa jurídica – mesmo constatado os elementos da relação de emprego – prevalecerá, resultando em recolhimento a menor de imposto de renda e das contribuições previdenciárias.
Por todas essas razões, demonstrada a inconstitucionalidade e a contrariedade ao interesse público, as entidades abaixo solicitam o veto ao art. 9º do Projeto de Lei n. 6.272/2005, que cria a Receita Federal do Brasil, na parte que inclui o § 4º no art. 6º da Lei n. 10.593/2002 (Emenda Aditiva n. 3).
Brasília, 15 de fevereiro de 2007.
Luiz Salvador
Presidente
ABRAT – Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
Luis Carlos Moro
Presidente
ALAL – Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas
Cláudio Montesso
Presidente em exercício
ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
Ovídio Palmeira Filho
Presidente
ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social
Walter Nunes da Silva Júnior
Presidente
AJUFE – Associação dos Juízes Federais
Alexandre Fernandes Gonçalves
Presidente
AMPDFT – Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Marcelo Weitzel Rabello de Souza
Presidente
ANMPM – Associação Nacional do Ministério Público Militar
Nicolao Dino
Presidente
ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República
Sebastião Vieira Caixeta
Presidente
ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
Manoel José dos Santos
Presidente
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Renato Albano Júnior
Presidente
FENAFISP – Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social
Nilton Correa
Presidente
JUTRA – Associação Luso-Brasileira dos Juristas Trabalhistas
Raimundo Cézar Britto Aragão
Presidente
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal
Leonardo Moretti Sakamoto
Presidente
REPÓRTER BRASIL
Rosa Maria Campos Jorge
Presidente
SINAIT – Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho
Carlos André Soares Nogueira
Presidente
UNAFISCO – Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal
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