Carta da sociedade civil contra a Emenda 3

 23/03/2007

Senhor (a) Parlamentar (a),

As entidades abaixo, representativas dos trabalhadores, dos juízes, dos membros do Ministério Público, dos advogados e da sociedade civil, solicitam a Vossa Excelência que, por inconstitucionalidade e por contrariedade ao interesse público, seja mantido o veto ao art. 9º do Projeto de Lei n. 6.272/2005, que cria a Receita Federal do Brasil, na parte que inclui o § 4º no art. 6º da Lei n. 10.593/2002 (Emenda Aditiva n. 3), pelas razões a seguir expostas.

DA INCONSTITUCIONALIDADE

A emenda é, flagrantemente, inconstitucional, ofendendo a cláusula pétrea da separação dos poderes (CF, art. 2º c/c o art. 60, § 4º) ao condicionar a fiscalização, típico exercício de poder de polícia a cargo do Executivo, à decisão prévia do Poder Judiciário.

O dispositivo em tela afronta também o art. 21, XXIV, da Carta, uma vez que impede o Poder Executivo de "executar a inspeção do trabalho" nas atividades corriqueiras de fiscalização. O ordenamento protetivo trabalhista conta com dupla proteção: a administrativa, exercida pela inspeção do trabalho no âmbito do poder de polícia; e a jurisdicional, exercitada pelo Poder Judiciário. Uma não exclui a outra, antes se completam.

Na medida em que afasta a proteção administrativa dos diretos trabalhistas, a emenda ainda viola o art. 7º da Constituição, ao qual se deve dar máxima efetividade.

Do mesmo modo, tal artigo, não tendo qualquer afinidade, pertinência ou conexão com objeto do Projeto de Lei em questão, fere o art. 7º, inciso II, da Lei Complementar n. 95, que dispõe sobre a elaboração das leis, e também o art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal, integrado por esta Lei Complementar.

No plano internacional, contraria o Tratado de Versalhes, a Convenção n. 81 e a Recomendação n. 198 da OIT, que determina aos Estados membros "lutar contra as relações de trabalho encobertas, no contexto, por exemplo, de outras relações que possam incluir o recurso a formas de contratos que ocultem a verdadeira situação jurídica, entendendo-se que existe uma relação de trabalho encoberta quando um empregador considera um empregado como se não o fosse, de uma maneira que oculta sua verdadeira condição jurídica, e que possa produzir situações nas quais os contratos dão lugar para que os trabalhadores se vejam privados da proteção a que têm direito".

DA CONTRARIEDADE AO INTERESSE PÚBLICO

A emenda na prática impede a fiscalização de fiscalizar, retirando do trabalhador o direito de ser protegido pelo Estado contra a prática de contratação sob formas precarizantes, disfarçadas de trabalho autônomo, eventual ou sem vínculo de emprego.

Pretende-se que empregados possam ser contratados como pessoas jurídicas (as PJs), fugindo, assim, dos direitos trabalhistas e encargos sociais, o que é, reconhecidamente, fraude, conforme reconheceu, em 14/2/2007, o TST no RR 554/2004-023-04-00.0.

Ao contrário do que se alega, não teremos a criação de empregos, mas a substituição destes por falsas pessoas jurídicas, cooperativas de trabalho, parcerias e representações comerciais. A imunidade à fiscalização do trabalho vai estimular maus empresários a aumentar, vertiginosamente, tais simulacros, jogando com a demora do Judiciário, que será ainda mais congestionado.

Será, pois, o estímulo legal à fraude, porquanto o empregador poderá trocar empregados por falsos autônomos e, mesmo em fraude à lei, não sofrer qualquer ação administrativa do Estado. Assim, não haverá como exigir férias, FGTS, 13º salário, normas de segurança e saúde, pagamento de horas extras, aposentadoria, licença-maternidade, entre outros. Ou alguém acha que o empregado espoliado vai ingressar na Justiça para ser demitido?

A fiscalização do trabalho será, duramente, afetada – se não extinta -, podendo ser impedida por qualquer simulacro de ato jurídico que afaste a relação de trabalho, uma vez que a emenda acrescenta dispositivo na Lei n. 10.593/2002, que trata de todas as carreiras fiscais, incluindo a de Auditor-Fiscal do Trabalho. Prejudicará, em cheio, o combate ao trabalho escravo, esforço reconhecido internacionalmente, pois um simples contrato de parceria ou empreitada falso – tão comum de se encontrar nas operações do Grupo Móvel de Fiscalização – impedirá a exigência de pagamento dos direitos trabalhistas e a autuação do criminoso.

A falácia de que a emenda apenas explicita uma impossibilidade já decorrente do sistema também não se sustenta. Os Tribunais têm reconhecido, unanimemente, a possibilidade de a fiscalização desconsiderar ato jurídico e reconhecer o vínculo trabalhista (V.g. Resp 236.279, Min. Garcia Vieira, DJ 20/3/2000; Resp 515.821/RJ, Min. Franciulli Netto, DJ 25/4/2005; Resp 837.636, Min. José Delgado, DJ 14/9/2006; TRT-3ª Região-RO-01281-2005-011-03-00-8, Juíza Mônica Sette Lopes, DJ 19/7/2006). Obviamente, os autos de infração estão sujeitos ao controle jurisdicional, posterior, nunca anterior.

Por todas essas razões, apelando ao espírito público de Vossa Excelência, as entidades abaixo solicitam a manutenção do veto à Emenda Aditiva n. 3.

ABRAT – Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
AJUFE – Associação dos Juízes Federais
ALAL – Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas
ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social
AMPDFT – Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
ANMPM – Associação Nacional do Ministério Público Militar
ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República
ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
CAT – Central Autônoma de Trabalhadores
CGT – Confederação-Geral dos Trabalhadores
CGTB – Central-Geral dos Trabalhadores Brasil
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CUT – Central Única dos Trabalhadores
FENAFISP – Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social
FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
Força Sindical
GPTEC – Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo
Grupo Expedito Solidariedade
Grupo Rio Maria Solidariedade
JUTRA – Associação Luso-Brasileira dos Juristas Trabalhistas
MUhD – Movimento Humanos Direitos
NCST – Nova Central Sindical de Trabalhadores
Repórter Brasil
SDS – Social Democracia Sindical
SINAIT – Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho
SINDILEGIS – Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do TCU
UNAFISCO – Sindic
ato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal

 

 

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