Por Rosa Maria Campos Jorge
O jornal Estado de Minas (MG) (abaixo) publicou em 02/03/2007 artigo intitulado Super Receita e a Emenda 3, assinado pelos professores de Direito Wagner Balera e Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub, que faz análise, sob o prisma da técnica legislativa quanto à forma, da referida Emenda ao Projeto de Lei 6272/05, que cria a Super Receita. Concluíram, em análise simplista, que a emenda não afeta nem a ação da Fiscalização do Trabalho nem a do Ministério Público do Trabalho.
Entendemos que, mesmo sob o prisma da técnica legislativa de natureza formal, a emenda é um despropósito jurídico, por estar inserida num artigo que trata das competências, e não das incompetências; do que se deve fazer, e não do que não se deve fazer. Mesmo que justa e procedente, a emenda é um estranho no ninho. Esse fato, por si só, invalida, no nosso entender, a eficácia jurídica do dispositivo que não disse a que veio.
A emenda acrescenta o § 4º ao artigo 6º da Lei 10.593/02, para dar-lhe a seguinte redação: "Art. 6º – São atribuições dos ocupantes do cargo de auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil; § 4º – No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial".
Segundo os autores do artigo, "o § 4º trata exclusivamente das atribuições do auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil (receitas Federal e Previdenciária). Nesse sentido, não existe interferência desse dispositivo no papel do auditor-fiscal do trabalho, tampouco sobre o papel do Ministério Público do Trabalho".
Esta afirmação leva-nos a supor que eles não fizeram a leitura completa da Lei 10.593/02, que "dispõe sobre a reestruturação da Carreira Auditoria do Tesouro Nacional, que passa a denominar-se Carreira Auditoria da Receita Federal – ARF, e sobre a organização da Carreira Auditoria-Fiscal da Previdência Social e da Carreira Auditoria-Fiscal do Trabalho". Em seu artigo 9º, esta lei organiza a carreira de Auditoria Fiscal do Trabalho. O § 4º acrescido ao artigo 6º pela Emenda 3, diz "No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei…", portanto, todas as carreiras citadas na lei 10.593/02 sofrem igualmente a interferência da famigerada emenda. Quisesse o legislador apenas cingi-la à autoridade tributária, o que por si só seria um absurdo, pois lesivo à União em suas receitas, teria ele se referido, no § 4º, ao caput do artigo 6º que define as atribuições da Auditoria Fiscal da Receita Federal do Brasil. Mas, não, referiu-se ele à "autoridade fiscal de que trata esta lei", portanto, todas as autoridades fiscais mencionadas na lei 10.593/02, inclusive a do Trabalho, ficarão inibidas do exercício de suas competências até o pronunciamento judicial. Isto fere frontalmente a Constituição ao cercear o Estado em suas prerrogativas fiscalizadoras.
Por meio de um texto confuso e impreciso, que foge à regra da clareza e precisão, pretende-se revogar toda a legislação trabalhista. Este é um conflito doutrinário antigo entre os que querem afastar o Estado das relações de trabalho e os que pretendem sua presença para, através da lei, proteger a parte mais fraca da relação capital/trabalho. Ao invés da discussão ampla das doutrinas diante da sociedade, preferiram os defensores do afastamento do Estado, fazê-lo de forma sutil, colocando a malícia a serviço da maldade.
Não apenas o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, mas também as entidades representantes da magistratura e do Ministério Público do Trabalho, Centrais Sindicais, OAB, entre outros, e também o ministro Luiz Marinho, já se posicionaram contra a sanção desta Emenda 3. Estamos confiantes que S. Exa., o Senhor Presidente da República, honrando seu passado, não irá assinar o atestado de óbito da Consolidação das Leis do Trabalho.
* Rosa Maria Campos Jorge – Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, professora de Direito do Trabalho e de Teoria Geral do Estado da Universidade Católica de Goiás