Legislação trabalhista

Especialistas divergem sobre vantagens da terceirização

Para ex-ministro do Trabalho, flexibilizar a legislação trabalhista é saída para dinamizar a economia brasileira. Procurador defende fim de toda terceirização que traga consigo precarização do trabalho
Por André Campos
 27/03/2007

Representantes do poder público e da iniciativa privada reuniram-se na última segunda-feira (26), na sede da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), para debater até que ponto – e em que situações – a terceirização pode ser considerada vantajosa à sociedade brasileira. A Emenda 3, que traz restrições à atuação dos auditores do trabalho e que foi vetada no último dia 16 pelo presidente Lula, foi um dos assuntos polêmicos abordados durante o evento.

José Pastore, professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, defendeu que há um descompasso entre a legislação trabalhista e o atual estágio em que se encontra a economia mundial. Para ele, é preciso flexibilizar as relações de trabalho previstas em lei, de forma que as empresas tornem-se mais dinâmicas e ganhem competitividade no mercado internacional. "A realidade não se encaixa mais na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi bolada em 1943, quando o Brasil tinha uma economia rural, fechada, e a concorrência era muito pequena", acredita Pastore. "Hoje mudou tudo, a economia é urbana, e há uma grande concorrência internacional."

Para ele, as companhias atualmente competitivas organizam-se em "redes", onde diversos agentes econômicos distintos reúnem em uma só cadeia produtiva baseada na cooperação entre seus elos. "Essas redes surgiram porque as empresas descobriram que não é vantagem para elas, e nem para os trabalhadores, querer fazer tudo", explica o professor. "É muito melhor que contratem certas atividades com quem faz melhor do que elas."

Pastore afirma que o Brasil carece de disciplinamento do trabalho contratado da terceirização. E critica o fato de no país, segundo ele, tudo ter que ser feito por vínculo empregatício. "É preciso encontrar leis que protejam o trabalhador, mas que também respeitem a realidade."

Mentalidade atrasada
A necessidade de regulamentar a terceirização no Brasil também foi defendida pelo advogado especialista em Direito Coletivo e Sindical, Dráusio Rangel. Ele afirmou, no entanto, que a resistência em torno do tema deve-se a uma cultura equivocada do empresariado brasileiro. Para ele, a terceirização foi implantada no Brasil da maneira mais errônea possível, porque se partiu do pressuposto que terceirizar é fazer mais barato. "Terceirizar não é fazer mais barato, é fazer por gente especializada", acredita o advogado.

Como exemplo dessa situação, Dráusio cita o caso de uma negociação entre um sindicato e uma companhia de distribuição de energia elétrica, da qual ele participou há cerca de três anos. "O sindicato queria proibir terminantemente qualquer tipo de terceirização, e sabe o que a empresa acabara de terceirizar? O cara que ia cortar gambiarra em favela", conta o advogado. "Imagina, mandar um funcionário dela fazer isso… É morte na certa. E é isso o que querem fazer, dar para terceirização pior, o mais barato, e não o especializado."

Luis Fabiano de Assis, procurador do Trabalho da 15ª Região (Campinas), defendeu a necessidade do Ministério Público (MP) denunciar todo tipo de terceirização que traga prejuízo aos trabalhadores. Ele afirmou ainda que o MP não é contrário às terceirizações em si, mas contra àquelas que, levadas às últimas conseqüências, precarizam as condições de trabalho.

Ele cita o exemplo da Embraer, fabricante de aviões localizada em São José dos Campos. "Cerca de 15 a 20 empresas participam da atividade-fim companhia, de forma extremamente especializada", diz o procurador. "Eu não vejo ilicitude nessa forma de terceirização." Luis Fabiano afirma, contudo, que os casos confrontados pelo Ministério Público são, via de regra, terceirizações que constituem mecanismos de intermediação de mão-de-obra – situações em que há um vínculo empregatício mascarado pela contração de uma empresa prestadora de serviços.

Essas situações, segundo ele, estariam trazendo grandes prejuízos a diversos trabalhadores do país, alheios aos benefícios assegurados pela legislação trabalhista e com dificuldade de responsabilizar o empregador pela garantia dos seus direitos. Tal situação, de acordo com o procurador, relaciona-se inclusive com a exploração do trabalho escravo em locais do interior do país. "Em fazendas rumo ao oeste do Pará é possível verificar que empresas auferem lucros exorbitantes utilizando as pessoas de forma instrumentalizada", alerta.

Emenda 3
Almir Pazzianotto, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, defendeu a necessidade de regulamentar a terceirização para aumentar o dinamismo da economia do país. Segundo ele, o veto do presidente Lula à Emenda 3 – que impede os auditores fiscais de estabelecer vínculos empregatícios entre empregadores e funcionários quando constatada a existência desse vínculo – foi uma má sinalização do governo em relação ao compromisso de se buscar o desenvolvimento do país.

Almir argumentou que, querendo ou não, nós vivemos em um mundo globalizado, onde os produtos de fora chegam aqui muito baratos. "É impossível contratar alguém nesse país por sessenta dias, torna-se anti-econômico. Se a China entra aqui vendendo guarda-chuvas, é porque o guarda-chuva produzido no país é anti-econômico", atesta Almir. "Eu não posso esquecer que um país que cresce três milhões de habitantes por ano precisa ter uma economia muito dinâmica. Caso contrário nós vamos estar, daqui há alguns dias, nos alimentando de legislação trabalhista."

Luis Fabiano ressaltou, no entanto, que é impossível comparar o Brasil com a China. "Nossa ordem constitucional em muito difere do ordenamento jurídico Chinês, em que a pessoa humana é instrumentalizada até as últimas conseqüências", afirmou. Ele também reafirmou a posição contrária do MP em relação à Emenda 3. "A ausência do estado pode ocasionar ilícitos com os quais o Estado não pode compactuar", ressalta o procurador. "Essa emenda representa justamente a falta de Estado."

Saiba mais no Especial sobre a Emenda nº 3

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