São Bernardo do Campo – A paralisação nacional pela manutenção do veto presidencial à emenda 3 começou com força na manhã de hoje no ABC paulista. A partir das 7 horas da manhã, cerca de 4 mil metalúrgicos, de acordo com os organizadores do evento, protestaram em frente à montadora DaimlerChrysler, em São Bernardo do Campo.
À frente da passeata, que ocupou a avenida 31 de março, estavam lideranças como José Lopez Feijóo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e o deputado federal Vicentinho (PT-SP), ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores.
Cerca de 4 mil metalurgicos protestaram contra a emenda 3 em São Bernardo do Campo |
Feijóo alertou para a possibilidade de uma greve geral da categoria caso o veto do presidente Lula à emenda 3 seja derrubado no Congresso Nacional. "Essa manifestação é só um aviso", disse. "Eles que se preparem para o enfrentamento, pois não vamos assistir a isso parados."
Para Feijóo, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, "manifestação é só um aviso" |
Vicentinho defendeu a importância da manutenção do veto como forma de garantir o sucesso do combate ao trabalho escravo no Brasil. "A atuação dos fiscais do trabalho contra os maus fazendeiros que praticam a escravidão tem recebido inclusive elogios da Organização Internacional do Trabalho (OIT)", afirma.
O deputado também alertou para o perigo do aumento da morosidade da Justiça caso apenas o juiz do Trabalho possa identificar um vínculo empregatício entre trabalhador e patrão: "os companheiros sabem quanto tempo demora um caso para ser julgado hoje na Justiça do Trabalho. Às vezes 18 anos ou mais".
Para Feijóo, a terceirização que está sendo estimulada pela emenda 3 pode iludir muita gente, mas é um engodo. "Num primeiro momento muitos trabalhadores podem achar que virar PJ [pessoa jurídica] é vantajoso", diz. "Mas ao longo do tempo percebem que perdendo benefícios como o reajuste salarial da categoria, o 13o salário e o FGTS, acabam ganhando menos".
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC avisou que a entidade pretende denunciar publicamente o nome de cada parlamentar que votar pela derrubada do veto presidencial, caso isso aconteça.
O ato em frente à DaimlerCrysler é só uma das manifestações de metalúrgicos programadas para a manhã de hoje no ABC paulista. O presidente do sindicato acredita que entre 20 e 30 mil trabalhadores da categoria estejam envolvidos nos protestos. Além deles, as categorias dos bancários, dos condutores e dos químicos, entre outras, também planejaram mobilizações contra a emenda 3 no ABC.
Na tarde de hoje, Feijóo e outras lideranças das centrais sindicais vão a Brasília para reunião com os ministros da Fazenda, Guido Mantega, da Previdência Social, Luiz Marinho, e do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, para discutir um projeto de lei alternativo à emenda 3.
Emenda polêmica
Aprovada pelo Congresso junto com a lei que cria a Super-Receita, a emenda 3 impede auditores fiscais do Trabalho e da Receita Federal de apontar vínculos empregatícios entre empresas e empregados contratados como pessoas jurídicas, através das chamadas "empresas de uma pessoa só". Só a Justiça, segundo a emenda, estaria autorizada a reconhecer esses vínculos. Na prática, a nova lei legalizaria esse tipo de contratação, hoje permitida apenas nos casos em que não há relação de empregado e patrão entre a empresa que toma os serviços e a pessoa jurídica prestadora.
Apesar de obter o apoio de 318 deputados quando foi votada na Câmara dos Deputados, a emenda foi vetada por Lula. Porém, os parlamentares ainda podem derrubar o veto. Para amenizar o impacto da desaprovação da emenda 3, Lula enviou ao Congresso um projeto de lei que diminui o poder dos auditores fiscais da Receita Federal, e não compromete a fiscalização do trabalho.
A proposta do presidente não agradou a oposição, que ameaça derrubar o veto, em votação que ainda não tem data marcada. As centrais sindicais começaram a se mobilizar contra a emenda 3 – preocupadas com os possíveis efeitos negativos da disseminação dos contratos de trabalho em forma de pessoas jurídicas, que não garantem direitos trabalhistas. "A emenda 3 praticamente acaba com a relação formal de trabalho que funciona hoje. É a reforma trabalhista em apenas uma emenda. Direitos que se demorou cem anos para conquistar, a gente perde em uma tacada só", afirma Paulo Pereira da Silva, deputado federal pelo PDT de São Paulo e presidente da Força Sindical.
O deputado Vicentinho (PT-SP) alerta para a lentidão da Justiça caso só ela possa decidir sobre vínculo empregatício |
Interesses em jogo
Limitar o poder dos fiscais federais é especialmente interessante às empresas que contratam prestadores de serviços por meio de pessoas jurídicas. Para pagar menos impostos e encargos sociais e trabalhistas – e ampliar a margem de ação em uma economia cada vez mais competitiva – elas fazem com que seus empregados abram uma empresa e trabalhem sem carteira assinada.
Mas quando auditores fiscais visitam essas empresas e encontram empregados nessa situação, fornecendo notas fiscais mensalmente como pessoas jurídicas, o patrão é obrigado a pagar os direitos trabalhistas ao empregado e a regularizar sua situação, além de ser autuado. Isso acontece porque a contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços só pode ser feita quando não há vínculo empregatício entre o trabalhador e a empresa contratante, tais como cartão de ponto, uniforme ou subordinação a um chefe.
Nos casos de trabalho escravo, a emenda abriria brecha para que fazendeiros fraudassem relações trabalhistas e saíssem impunes. Os auditores fiscais do trabalho não poderão reconhecer o vínculo de emprego existente entre os escravos encontrados e o proprietário da fazenda, bastando, para isso, que exista à frente destes trabalhadores um "gato", aliciador de mão-de-obra, que possua empresa formal e alegue ser o empregador.
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