Reforma Estrutural

Instituto Chico Mendes assume proteção de UCs em meio a elogios e críticas

Não há como enfrentar o desafio da preservação das 289 Unidades de Conservação brasileiras sem a criação de uma instituição especial, argumenta o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco. Funcionários do Ibama apontam série de problemas com a instituição de nova autarquia.
Por Maurício Hashizume
 30/05/2007
Instituto Chico Mendes

Entidade autárquica de regime especial, com autonomia administrativa e financeira, dotada de personalidade jurídica de direito público, com sede em Brasília, Distrito Federal, e jurisdição em todo o território nacional, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.

Tem em sua composição:

Diretoria de Planejamento, Administração e Logística

Diretoria de Unidades de Conservação de Proteção Integral
Diretoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Populações Tradicionais
Diretoria de Conservação da Biodiversidade
Todos os centros especializados foram transferidos para o Instituto Chico Mendes, com exceção:
Dos cinco que continuarão fazendo parte do Ibama: Centro Nacional de Telemática (CNT), Centro Nacional de Informação, Tecnologias Ambientais e Editoração (CNIA), Centro do Monitoramento Ambiental (Cemam), Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) e Centro Nacional de Desenvolvimento e Capacitação de Recursos Humanos (Centre).
Dos dois remanejados para o Serviço Florestal Brasileiro (SBF): o Laboratório de Produtos Florestais (LPF) e o Centro Nacional de Apoio ao Manejo Florestal (Cenaflor).

"A decisão de criação de uma autarquia que seja responsável pela preservação do patrimônio imenso de 60 milhões de hectares de Unidades de Conservação (UCs) se justifica por si só". Assim, como uma medida que se autoexplica, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) esbanja a sua autoconfiança quando trata da criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Argumentos de ordem econômica também fazem parte do rol de justificativas do MMA: em conversa recente com parlamentares, a ministra Marina Silva afirmou que um investimento de R$ 2 milhões no Parque Nacional da Serra das Confusões pode dobrar o Produto Interno Bruto (PIB) do município de Caracol, no Piauí.

Na opinião de Paulo Nogueira-Neto, presidente de honra da WWF-Brasil e membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), as "dificuldades administrativas" enfrentadas pelo Ibama "prejudicavam as unidades de conservação", entre outros reflexos negativos. Em artigo publicado no jornal "O Globo", ele defendeu a reforma. Para Nogueira-Neto, "o novo Instituto Chico Mendes cuidará melhor das unidades de conservação, superando uma série de entraves e dificuldades burocráticas. Poderá receber e dirigir muito melhor e mais de perto a ajuda externa e interna que lhe for destinada, como é o caso das compensações ambientais federais".

A verba proveniente da compensação ambiental faz parte dos exemplos preferidos do MMA para realçar a necessidade da reestruturação. "O processo de criação e implantação de Unidades de Conservação tem sofrido ao longo do tempo sérias deficiências orçamentárias, enquanto esses recursos [da compensação ambiental] vinham se acumulando sem uma gestão eficaz, inclusive pelas restrições legais em sua aplicação", sintetiza o ministério, em trecho de cartilha de perguntas e respostas elaborada especialmente para explicar as mudanças. Com a criação de um órgão exclusivo para a gestão de UCs, observa o MMA, a utilização desses recursos ficará "mais fácil e ágil", já que "toda a ação administrativa do novo órgão criado está situada no âmbito do que determina a lei no que se refere à utilização destes recursos".

Contrária à iniciativa e às motivações alegadas pela pasta governamental, a Associação dos Servidores do Ibama (Asibama) lembra que os recursos da compensação ambiental não fazem parte do Orçamento Geral da União (OGU): são pontuais e condicionados aos danos ambientais decorrentes de empreendimentos geradores de impacto ambiental. "Por essa razão, não podem ser utilizados como base para gerir o instituto [Chico Mendes] em suas ações rotineiras. A lei do SNUC [Sistema Nacional de Unidades de Conservação] ainda amarra grandes percentuais da verba da compensação ambiental a finalidades e tipos de UCs específicas, dificultando a distribuição dessa verba da maneira que poderia ser mais adequada. Ressalta-se, ainda, que o processo de compensação ambiental será dificultado, já que o licenciamento será realizado pelo Ibama, e haverá necessidade de articulação entre as instituições", contesta a entidade dos servidores.

A gestão de Unidades de Conservação contempla aspectos dos mais diversos, tais como: processos de criação de UCs, planejamento, proteção, gestão participativa, gestão integrada (mosaicos de UCs e corredores ecológicos), anuência dentro do processo de licenciamento ambiental de empreendimentos com influência em UCs, inserção da UC na economia local, entre outras funções. "Convém lembrar que todas estas ações de gestão vinham sendo conduzidas com qualidade dentro da estrutura do Ibama, ainda que passíveis de aperfeiçoamento e sobre forte contingenciamento financeiro. Ao serem incapazes de apresentar um único reflexo plausível da proposta de criação do Instituto Chico Mendes no aprimoramento da qualidade na gestão de UCs federais, os mentores desta [reforma] criam um ambiente de insegurança e desconfiança sobre os reais propósitos desta Medida Provisória", destaca a Asibama em cartilha com réplicas às respostas apresentadas na cartilha do ministério.

Lençóis Maranhenses: especulação imobiliária ameaça Parque Nacional (Foto: leonardo Sakamoto)

Internamente, também grassam dúvidas. Apenas cinco centros especializados permanecem no Ibama: Centro Nacional de Telemática (CNT), Centro Nacional de Informação, Tecnologias Ambientais e Editoração (CNIA), Centro do Monitoramento Ambiental (Cemam), Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) e Centro Nacional de Desenvolvimento e Capacitação de Recursos Humanos (Centre). O Serviço Florestal Brasileiro incorpora o Laboratório de Produtos Floresta
is (LPF) e o Centro Nacional de Apoio ao Manejo Florestal (Cenaflor) estão sendo incorporados pelo Sistema Florestal Brasileiro (SBF). Os demais centros especializados, como o Ceperg, passam a integrar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Em nota, os servidores do Centro de Pesquisa e Gestão dos Recursos Pesqueiros Lagunares e Estuarinos (Ceperg) revelaram outra preocupação. Considerando apenas "questões de enfoque técnico", os funcionários afiançam a falta de "funções finalísticas" do Instituto Chico Mendes para que a autarquia absorva "a missão dos centros na sua totalidade". Tampouco esses centros, por suas atribuições, deveriam continuar vinculados ao que restou do Ibama, estipulam os funcionários do Ceperg. "Em ambas as situações, os centros especializados não se completam e por isto se faz necessário e urgente uma reavaliação da situação".

A sobreposição com as atribuições do Jardim Botânico – que também é responsável pela Biodiversidade nacional, não apenas nas áreas dos respectivos Jardins Botânicos – e a oficialização de dois órgãos com poder de polícia no que se refere a crimes ambientais (um dentro e outro fora das UCs) corroboram para confundir ainda mais o cenário da constituição do novo Chico Mendes.

Seja como for, a criação do instituto foi saudada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Assinada pelo presidente Ennio Candotti, carta da SBPC dedicou cumprimentos à ministra Marina Silva "pela oportuna, lúcida e corajosa decisão de dividir o Ibama em dois órgãos autônomos, separando as atividades de fiscalização e licenciamento, de um lado, das ações de conservação e pesquisa, de outro". "A medida atende à antiga proposta da comunidade científica, há muito preocupada com o acúmulo de duas funções (…), mas que por sua natureza não devem ser realizadas por um mesmo órgão público", explicita a carta.

A criação do Instituto Chico Mendes "cumprirá um importante papel no fortalecimento e cuidado de nossas Unidades de Conservação, inclusive das Reservas Extrativistas", reforça a nota da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Smad) do Partido dos Trabalhadores (PT). "Esperamos que o Instituto Chico Mendes venha a realmente melhorar a gestão do Sistema Nacional das Unidades de Conservação no país, assimilando as diversas contribuições que o socioambientalismo brasileiro conseguiu produzir", complementa o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS).

"O que nós criamos foi um órgão específico para cuidar das Unidades de Conservação existentes no Brasil. São 60 milhões de hectares. É inaceitável que em centenas de unidades não haja, há décadas, um profissional sequer. É inaceitável que um Parque Nacional não esteja aberto para visitação de turistas por falta de pessoal. É inaceitável que não haja planos de manejo para essas áreas", assevera Capobianco."A agenda para UCs exige a criação de um órgão específico. E não há no mundo política bem-sucedida que tenha sido aplicada sem a criação de uma instituição especial. O Brasil estava devendo".

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