Entrevista

Latifundiário da “lista suja” nega pressão sobre militante da CPT

Sebastião Neves de Almeida, o "Chapéu Preto", que está na "lista suja" do trabalho escravo, rebate as acusações de ameaças de morte à missionária irmã Leonora, da Comissão Pastoral da Terra. E discorda do estudo que aponta o norte do Mato Grosso como uma das regiões mais violentas do Brasil
Por Mauricio Monteiro Filho
 15/05/2007

Chapéu Preto é a alcunha do fazendeiro Sebastião Neves de Almeida. Ele ganhou alguma notoriedade no Brasil ao aparecer em notícias que o associam a acusações de crimes como grilagem de terras, envolvimento com pistoleiros e conflitos com trabalhadores rurais. Tanto que seu apelido foi traduzido para outros idiomas. Reportagens de veículos de mídia internacionais fazem menção a "Black Hat" ou a "Sombrero Negro", reforçando a reputação negativa.

Sebastião faz parte da lista dos empregadores que se utilizaram de mão-de-obra escrava, a "lista suja" divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Uma fiscalização do MTE encontrou 126 trabalhadores escravizados em sua fazenda Cinco Estrelas, no município de Novo Mundo. A área, no norte do Mato Grosso, foi apontada, por estudo publicado em fevereiro pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), como uma das mais violentas do Brasil. O município de Colniza, na região, foi o líder nacional em homicídios – 165,3 por 100.000 habitantes.

Após ter lido entrevista com a militante da Comissão Pastoral, irmã Leonora Brunetto, publicada pela Repórter Brasil em março, Sebastião Neves entrou em contato com a agência, através de seu advogado. Pedia espaço para responder à denúncia de que ele estaria por trás das ameaças de morte que pesam contra a missionária. E para contradizer as informações de que ele seria "o fazendeiro mais perigoso da região de Alta Floresta". Ele nega também que o apelido tenha qualquer relação com "pistolagem". "Muitas pessoas associam, mas não tem nada a ver", afirma.

Na entrevista abaixo, Sebastião não só se defende das acusações, mas também nega que o norte do Mato Grosso seja uma área de muitos conflitos, o que parece ser um consenso. "Não tem violência aqui, não", atesta.
Sua opinião contrasta com o que ele mesmo vivencia em uma de suas propriedades, uma área que tem indícios de grilagem, no município de Nova Guarita, também Mato Grosso. Lá, cerca de 350 famílias formam o acampamento Renascer, que já foi atacado por uma milícia comandada, segundo informações locais, por Sebastião. O próprio latifundiário também já foi vítima de um atentado a tiros.

Repórter Brasil – O estudo da OEI diz que a região próxima a Alta Floresta, Mato Grosso, é a área mais violenta do Brasil, em número de homicídio por habitante. Você concorda que essa seja uma região tensa?
Sebastião Neves de Almeida
– Não. É uma região calma. Não tem essa nervosidade, não. Aqui era uma região de garimpos, e na época era mais violenta. Mas, agora, tem mais fazendas e não tem muito conflito. O pessoal do campo é pacífico. O garimpo era mais agitado.

Mas existem propriedades suas que foram alvo de ocupação por parte de trabalhadores sem-terra. Isso não é um fator que gera mais violência entre grupos de fazendeiros e de agricultores?
Não, eles são agressivos, mas a gente procura se defender. Mas eu não me misturo muito, não tem muita transação com eles. Isso é uma guerra: os sem-terra querem tomar as áreas da gente, e a gente procura se defender na justiça… Até já levei um tiro, mas acho que foi bobeira minha ter ido lá [no acampamento]. Hoje, me preservo mais.

Em suas fazendas, costuma ter boas relações com os trabalhadores? Tem alguma queixa deles?
Eu já tive um problema na Justiça do Trabalho. Um cara procurou me denunciar, porque tinha muita dívida, de uma empreita minha que tinha para fazer – aqui não é costume registrar ninguém -, mas ele não tinha nem começado o trabalho ainda.

E foi isso que o levou para a "lista suja"?
Sim, foi isso. Mas eu já paguei tudo, todas as taxas do Ministério do Trabalho. Mas foi um transtorno grande, levaram minha mulher presa.

Por que ela foi presa?
Os denunciantes diziam que era ela quem executava as ordens. Fizeram uma grande armação. Mas estamos superando essa situação.

Você diz que tem boas relações com seus trabalhadores, mas, segundo o Grupo Móvel de Fiscalização do MTE, as denúncias partiram de empregados que chegaram a fugir de suas propriedades. Alguns diziam inclusive que sofreram maus-tratos. Isso é verdade?
É o seguinte: depois que os trabalhadores pegam o dinheiro, o abono, eles esquecem tudo que você fez por eles. Só que eu não tinha relação com eles, porque não tinha conhecimento nenhum com os peões. Não sabia, como diz o ditado, se eram brancos, ou se eram pretos.

Há também informações de que trabalhadores que estejam procurando emprego nas fazendas da região de Alta Floresta e cidades vizinhas se recusam a trabalhar nas suas terras. Você já ouviu falar sobre isso? Acha que há razão para agirem assim?
Não. A gente nem trabalha mais com serviço braçal, porque ficou muito crítico. Hoje, estou arrendando as terras, para não ter que mexer com gente. Porque é muito ruim. Estamos usando mais máquinas, para não envolver muito o ser humano, que é duro para administrar, porque a gente não dá conta das idéias. Tenho boa intenção, mas o cara está pensando em pegar seu dinheiro, ir embora, te passar pra trás…

Durante a fiscalização de sua fazenda, você fugiu. Se não conhecia nenhum dos trabalhadores, por que fez isso?
Porque quando eles [o Grupo Móvel e a Polícia Federal] vêm aqui para prender, pintam na gente uma imagem de que somos um terror. E as conversas eram de que "se encontrassem o Chapéu, era para fuzilar". Como eu tenho muita coisa para cuidar, também tenho receio. Tenho obrigações e medo desse terrorismo. Você sabe muito bem que eles vêm aqui para arrasar. Disseram que era bom eu me afugentar, se não seria preso, iriam tomar minhas terras. Enquanto eu estava foragido e a minha mulher foi presa, uma fazenda minha, no município de Nova Guarita, foi invadida. Um dos rapazes que deu parte foi orientado pela irmã [Leonora] a invadir. Ela deu força [para a ocupação].

Por conta disso, você tem algum rancor da irmã Leonora?
Não. Eu não tenho conhecimento nenhum com ela, nem raiva. Isso faz parte do nosso trabalho: ela puxa de um lado, eu puxo de outro. É um jogo.

Há informações de que ela é ameaçada por fazendeiros da região, e um deles seria você. Já a ameaçou?

Não tenho conhecimento disso, não. E eu não concordo com essa prática. Mas fofoca tem muita. Até meu advogado queria ver se tínhamos um encontro com ela, mas não foi possível ainda.

Caso se encontrasse com ela, o que diria?
Às vezes, a gente faz alguma burrice, mas eu não tenho nada contra ela. Eu só digo que não é verdade quando ela me denuncia nos jornais como empregador de pistoleiros. Dizem que eu tenho duzentos pistoleiros, mas eu não sei nem do que estão falando. Eu nem tenho potencial para ter duzentos homens armados para enfrentar a religiosa.

O que você pensa sobre os trabalhadores envolvidos em movimentos rurais – MST e outros?
Acho que todo mundo tem o direito [de lutar pela terra]. Só que tem que ser pelos canais certos. Eles têm que procurar uma maneira de o Incra assentá-los, de fazer um entendimento com os fazendeiros, arrecadar as áreas e repassá-las para os trabalhadores. Mas a invasão não leva a lugar nenhum. Eles nunca vão ter a legalidade, e nós [fazendeiros] também não.

A fazenda onde fizeram o acampamento Renascer era produtiva ou os trabalhadores tinham alguma razão para ocupá-la?
Não tinha problema nenhum. Faz 10, 12 anos que eu comprei as terras e hoje alugo para um pecuarista que tem 2000 bois. E os trabalhadores invadiram a sede, mataram boi dele. Ele tinha medo de denunciar na época. Encontrou quem tinha matado os bois, mas isso é uma longa história…

Você acredita que o Incra desempenha um bom trabalho na região?
O Incra pede para invadir. A União é a dona das terras, o Incra é o intermediário, mas ele toma a frente e bota os trabalhadores para entrar irregulares nas áreas. Daí é que surgem os atritos: o fazendeiro fica nervoso e o sem-terra também.

De onde vem o apelido "Chapéu Preto"?
É dos tempos de colégio. Eu gostava de dar chapéu nos outros, quando jogava bola. Mas isso tem trazido uma grande confusão, porque todo mundo pensa que o "Chapéu Preto" é um terror.

Devem pensar que tem relação com pistolagem…
Isso… Muita gente faz essa relação, mas não tem nada a ver.

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