Reforma Estrutural

Mudança estatal provoca reflexos no Sisnama e no Sistema Florestal Brasileiro

A ênfase dada pela reorganização às ações de comando e controle gera preoucapações com relação ao "rebaixamento" de projetos socioambientais, à articulação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e à gestão de florestas públicas no Sistema Florestal Brasileiro (SFB)
Por Maurício Hashizume
 30/05/2007
O que é o Sistema Florestal Brasileiro (SFB)?

O projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas (PL 4776), sancionado em 2006, regulariza o uso sustentável das florestas públicas brasileiras e cria o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão autônomo da administração direta, dentro estrutura do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF).

Há três formas de gestão das florestas públicas definidas por lei: criação de unidades de conservação que permitem a produção florestal sustentável, como as Florestas Nacionais (Flonas); a destinação para uso comunitário – como assentamentos florestais, reservas extrativistas, áreas quilombolas, etc -.; e as concessões florestais pagas, baseadas em processo de licitação pública.

Fazem parte dos passos para a concessão: a inclusão no Cadastro Nacional de Florestas Públicas, a preparação (com processo de consultas públicas) e a aprovação do Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF) – com as respectivas divisões de manejo (pequenas, médias e grandes). Antes da licitação, as unidades de manejo deverão receber autorização prévia do Ibama. Os contratos de concessão serão estabelecidos por prazos de até 40 anos dependendo do manejo. Após a assinatura do contrato, os vencedores da licitação deverão preparar um plano de manejo florestal sustentável, que também deverá ser apovado pelo Ibama.

Um receio em especial permeou as declarações do ex-chefe da extinta Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável, Gilney Viana, em entrevista à Repórter Brasil, logo após o anúncio da reforma no setor ambiental do governo federal. A ênfase dada pelas mudanças às ações de comando e controle poderia acarretar no "rebaixamento" de iniciativas de sustentabilidade socioambiental, baseadas no diálogo com outros entes federativos, com as organizações da sociedade civil e com o conjunto do setor produtivo, esteio do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Em resposta à inquietação do ex-colega de ministério, o secretário-executivo João Paulo Capobianco tenta demonstrar justamente o contrário. "A reestruturação não foi só no Ibama, mas também no MMA. O conjunto está muito mais organizado e o redesenho das secretarias permitirá a construção de uma agenda positiva na área da sustentabilidade", coloca. A estrutura da pasta, descreve em artigo assinado a coordenadora-geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) Miriam Prochnow, misturava "secretarias temáticas e regionais". E adiciona: "A interlocução com a sociedade civil sempre deixou a desejar. A nova estrutura parece enfrentar isso. É claro que temos que ficar atentos e cobrar para que realmente aconteça na prática".

Entre as diversas alterações no quadro do MMA, a criação da Secretaria de Articulação Nacional e Cidadania Ambiental, que está sob responsabilidade de Hamilton Pereira (ex-presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores), ocupa posição de destaque. A nova secretaria foi criada, revela Capobianco, para fortalecer as relações entre União, estados e municípios que estão na raiz do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), um dos principais instrumentos para o fortalecimento da política ambiental no Brasil. "Antes, o Sisnama estava sob responsabilidade de um departamento pequeno ligado à secretaria-executiva [do MMA]. Essa agenda vai ganhar importância", antevê Capobianco.

De modo geral, o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) aprova as mudanças no MMA que, além de garantir uma secretaria para lidar com as questões do aquecimento global – a Secretaria de Qualidade Ambiental e Mudanças Climáticas -, ratificou ainda a nova Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental, "fundamental para canalizar as demandas da sociedade civil, coordenando entre outras atribuições, a Conferência Nacional do Meio Ambiente". "Colocamos a nossa expectativa de que o conjunto das deliberações das Conferências não sejam meras e simples deliberações ignoradas pelo Governo federal, como foi o caso das deliberações contra os transgênicos e a transposição do Rio São Francisco, entre outras fundamentais. Esperamos e entendemos, ainda, que os canais de interlocução entre o Ministério e a sociedade civil não dependam exclusivamente da nova secretaria, mas que diálogos iniciados com o gabinete, outras secretarias e departamentos, e nas várias instâncias de decisão de política pública, possam ser consolidados no sentido da maior participação popular na gestão pública ambiental", recomendam as organizações da sociedade civil que fazem parte da FBOMS.

Região dos Carajás (PA): sai floresta, entra gado (Foto: Leonardo Sakamoto)

A Agenda 21 brasileira, outro instrumento relevante para a consolidação da política ambiental, também é citada na nota do Fórum. Para a coordenação da entidade, a Agenda 21 pode ajudar na visão de integração e transversalidade de políticas públicas. "No entanto, nos últimos anos, a ação do MMA em Agenda 21 foi muito concentrada em apoiar Agendas 21 locais. Assim, a Agenda 21 não deverá se limitar à importante esfera de mobilização de cidadãos. Esperamos que a Agenda 21 receba finalmente a devida atenção como verdadeira ferramenta de planejamento participativo e ordenamento a ser usada de forma transversal entre todas as esferas da administração federal, estadual e municipal. Sem perder de vista a melhor relação e articulação com os órgãos internacionais que de fato defendam a sustentabilidade ambiental". A valorização da recém-criada Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais também fez parte das solicitações da articulação ambientalista.

Céticos com relação à reforma vêem uma concentração de poder na secretaria-executiva agora ocupada por Capobianco. A estrutura mais vertical em conseqüência da concentração de atribuições de vários dep
artamentos na cúpula do ministério tende a complicar a política transversal do Sisnama, segundo esses analistas. A fusão das questões relativas aos Recursos Hídricos com a temática do Ambiente Urbano, na secretaria do ex-deputado federal Luciano Zica, também pode colaborar para confundir, já que a política para as águas não é descentralizada como as questões urbanas. Além disso, esse segmento avalia que a abertura de um fosso entre dois segmentos do Ibama – com a divisão do órgão e a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade – tem a capacidade de desfigurar o espírito do Sisnama e até fragilizar o processo de concessão de licenciamentos ambientais.

Visão parecida é compartilhada pela Associação de Servidores do Ibama (Asibama). A criação de mais um órgão ambiental (Instituto Chico Mendes) "trará uma fragmentação de interesses e conseqüente aumento de divergências internas dentro do Sisnama, o que diminuirá a força política da área ambiental como um todo". "Além disso, instituições menores, de menor peso político, têm menos poder de influenciar as decisões. A idéia em 1989 da criação do Ibama, uma instituição única para gestão do patrimônio natural brasileiro, era justamente fortalecer a gestão deste patrimônio, reduzindo a fragmentação, e criando uma instituição politicamente forte", argumentam os servidores da Asibama.

"É clara a necessidade de reestruturação não só do Ibama, como de maioria dos outros atores do Sisnama. Mas tal reestruturação deve ser precedida por estudos, discussões e um planejamento minucioso antes de ser implementada. A divisão do Ibama ocorreu de maneira autoritária, sem qualquer tipo de fundamentação verdadeiramente técnica, sem discussão ou sequer um planejamento prévio que viabilizasse o funcionamento do novo instituto nos prazos exigidos por lei", protesta a Asibama. O problema de falta de pessoal, seguem os sindicalistas, será agravado pela reestruturação na medida em que os recursos humanos do antigo Ibama irão compor o Instituto Chico Mendes, Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o novo Ibama.

Somado a isso, o manejo sustentável de madeira nas Florestas Nacionais (Flonas), coração do funcionamento do SBF, exigirá o trâmite nas três instituições. A definição das áreas onde será permitido o manejo florestal sustentável será definida no plano de manejo da unidade sob responsabilidade do Instituto Chico Mendes, a concessão da exploração dos recursos florestais ficará a cargo do SFB, enquanto que a análise e licenciamentos dos planos de manejo florestal sustentável continuarão como atribuições do Ibama. Numa única Flona, haverá então duas instituições (Instituto Chico Mendes e Serviço Florestal Brasileiro) responsáveis pelo gerenciamento de um mesmo espaço físico que, na previsão da Asibama, pode gerar conflitos de competências e de responsabilização, no caso de eventuais danos ambientais.

Em nota, a ministra Marina Silva assegura que futuros atos do Executivo devem disciplinar a área. "É importante ressaltar que as destinações do patrimônio, dos recursos orçamentários, extra-orçamentários e financeiros, do pessoal, das funções vinculadas ao IBAMA, e que ficam transferidos para o Instituto Chico Mendes, bem como os direitos, créditos e obrigações, decorrentes de lei, ato administrativo ou contrato, inclusive nas respectivas receitas, serão estabelecidas por ato do poder executivo. Os servidores, portanto, deverão continuar a desempenhar suas funções nos mesmos locais em que estão desempenhando hoje, até que estas destinações sejam estabelecidas".

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