Reforma Estrutural

Sob ataque cerrado, licenciamento segue na berlinda como “vilão” da atualidade

Com o lançamento do Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), a pressão sobre o processo de licenciamento se intensificou. Reestruturação proposta pelo MMA apenas nomeia Ibama como órgão específico para fiscalizações e avaliação de pedidos de autorizações e licenças ambientais.
Por Maurício Hashizume
 30/05/2007

Números

200 aproximadamente são os funcionários do Ibama destacados para trabalhar no processo de licenciamento ambiental.
80 por cento dos funcionários do Ibama que trabalham com licenças ambientais são concursados; em 2003, esta era a proporção de terceirizados que trabalhavam na mesma área.
230 é a média de licenças concedidas por ano pelo Ibama.
10.000 é a média de licenças concedidas por ano pelos órgãos estaduais.
230 dos cerca de 5,5 mil municípios do Brasil têm capacidade instalada para a análise e concessão de licenças ambientais.

No final de 2006, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulgaram uma relação de licenciamentos ambientais concedidos até aquele ano. Foram 278 licenças, somando as prévias, as de instalação e as de operação. Um recorde em comparação com as 145 de 2003, as 222 de 2004 e as 237 de 2005. Vale lembrar que a Diretoria de Licenciamento do órgão só foi criada em 2006 – assim como três coordenadorias para avaliar os pedidos de licenças, além da implantação do Sistema de Informações sobre o Licenciamento Ambiental (Sislic). A divulgação dos dados foi uma resposta às intensas reclamações, principalmente de agentes econômicos interessados na concretização de diversos empreendimentos bilionários.

Com o lançamento do Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), entretanto, a pressão sobre o setor ambiental se intensificou ainda mais. E justamente neste cenário, a ministra Marina Silva – que, diga-se de passagem, em nenhum momento deixou de defender firmemente o trabalho do Ibama e o cumprimento da legislação ambiental – anunciou, no final de abril, a reforma na estrutura ambiental do governo federal.

Desde que a decisão foi tomada, o secretário-executivo João Paulo Capobianco vem pregando a necessidade de um segundo estágio de esforços para melhorar a capacidade de análise e dar ainda mais agilidade aos processos de licenciamento. "Nunca se investiu tanto [como no primeiro mandato do governo Lula]. Houve a conversão de funcionários temporários em permanentes. Procedimentos foram refeitos e houve melhorias significativas. Foi uma primeira aceleração, mas podemos fazer mais. Dar mais tranqüilidade para a equipe técnica [que analisa os pedidos], por exemplo", defende Capobianco.

Coari (AM): extração de gás natural não melhorou vida da população (Foto: Leonardo Sakamoto)

Na realidade, porém, a reforma não mexe absolutamente em nada nas análises dos pedidos de licenciamento ambiental. Apenas nomeia o Ibama como órgão específico para o cumprimento da função. Pela transversalidade intrínseca à tarefa, aliás, o licenciamento demandará também, em diversos casos, a necessidade de colaboração do Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade, o que pode inclusive estender o processo para a concessão de licenças.

A criação de outro instituto fora do Ibama, nos moldes de uma agência reguladora, dedicado exclusivamente à fiscalização dos empreendimentos, "seria mortal ao desenvolvimento e a soberania nacional" de acordo com avaliação da coordenação do Fórum Brasileiro de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) . "Acreditamos que a nova estrutura do Ibama para a área de licenciamento deve sim ser fortalecida para dar mais qualidade às licenças", destaca o FBOMS.

O número de analistas e as condições de trabalho também são freqüentemente apontados como fatores preponderantes para o ritmo e a qualidade do licenciamento. Dos 305 servidores convocados para assumir cargos ainda este ano, pelo menos 42 devem atuar na Diretoria de Licenciamento do Ibama, que permanece desocupada depois da saída oficial de Luiz Felippe Kunz Júnior. Antes, o quadro responsável pelas licenças era formado por 80% de terceirizados e 20% do quadro efetivo. Com a realização dos concursos, houve uma inversão de proporções: 80% do quadro efetivo e 20% de terceirizados. No Ministério, foi também criada uma diretoria específica para o licenciamento ambiental na Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental.

Dos mais de 6 mil funcionários do Ibama, apenas cerca de 200 estão envolvidos diretamente com o licenciamento ambiental. Segundo fontes com experiência na área, um dos estágios mais estratégicos do processo se dá no próprio MMA, justamente na gestão dos sistemas de informações que exige negociações com os empreendedores. O Ibama, na realidade, apenas executa a análise do que é apresentado. Essas mesmas fontes chamam atenção para o fato de que essa importante função de relacionamento com os agentes econômicos deverá ser acumulada pela Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental. Mais um trabalho para a secretária Thelma Krug, que deixou o posto de secretária-adjunta de Políticas e Programas de Ciência e Tecnologia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para enfrentar a complicada questão do aquecimento global, um dos cargos-chave da nova estrutura da pasta.

Em contraposição ao discurso da mudança em prol da eficiência, a Associação dos Servidores do Ibama (Asibama) argumenta que, para serem aprovados definitivamente a partir da criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (responsável pela gestão das Unidades de Conservação-UCs), os pedidos precisarão passar por muito mais etapas de análise e verificação, o que apenas contribuiria para aumentar a burocracia e a lentidão do processo. Somado a isso, poderá surgir uma série de outros problemas relacionados ao trânsito entre duas autarquias distintas – tanto na parte administrativa como na execução de projetos. "Isso sem contar a quest&atilde
;o do aumento dos gastos financeiros", adverte Lindalva Cavalcanti, do Asibama-DF.

A divulgação de especulações em torno do convite do promotor de Justiça Marcos Machado – ex-secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso, estado conhecido pelos elevados índices de desmatamento – para um cargo de relevo no Ibama também não agrada ambientalistas e reforça o argumento de ameaça de fragilização do setor. De qualquer forma, o Supremo Tribunal Federal (STF) já negou o pedido de Machado para se transferir ao Ibama. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) proíbe que integrantes do Ministério Público ocupem funções nas esferas estadual e federal do Poder Executivo federal. O curioso é que Machado disse ter sido convidado por Marina Silva para a Diretoria de Planejamento, Administração e Logística do Ibama, para a posição na qual já foi confirmada a permanência de José Augusto Martinez Lopes.

Enquanto isso, o impasse com relação à presidência do Ibama ainda não foi resolvido. A ministra da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff, acena com o nome de Norma Villela, atual gerente do Departamento de Meio Ambiente da estatal Furnas. Já Marina Silva ainda espera a definição do diretor-geral da Plícia Federal (PF), Paulo Lacerda, que recebeu o convite, mas ainda não acertou seu futuro. Caso Lacerda não assuma o Ibama, Marina já parece ter outro nome para indicar: o do ex-deputado distrital Chico Floresta, fundador do PT no Distrito Federal.

Fora da estrutura federal, sobram evidências de que enfrentamentos espinhosos estão por vir. A Casa Civil de Dilma Rousseff estuda a possibilidade de efetuar mudanças na Resolução 237 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 19 de dezembro de 1997, que define conceitos e competências a respeito do licenciamento ambiental. Cogita-se a criação de licenças mais flexíveis e excepcionais para obras consideradas estratégicas. A alteração precisaria ser aprovada como uma nova resolução do próprio Conama.

O Palácio do Planalto também apresentou, como parte do PAC, uma proposta (PLP 388/2007) para regulamentar o Parágrafo Único do Artigo 23 da Constituição Federal, revendo os próprios critérios estabelecidos hoje pela Resolução 237/1997 do Conama que definem as responsabilidades de cada ente federativo. A peça, que pretende dar mais clareza à legislação com o intuito de reduzir as disputas judiciais referentes aos licenciamentos que em muitos casos acabam em ações do Ministério Público Federal (MPF), foi apensada ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 12 de 2003, de autoria do ex-ministro e deputado federal Sarney Filho (PV-MA). Já foi aprovada em meados de maio na Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados e remetida à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

A regulamentação do Artigo 23 visa também definir normas para acelerar a descentralização do licenciamento. Enquanto o Ibama federal concede uma média anual de 230 licenças, os órgãos estaduais assinam cerca de 100 mil, dos quais cerca de 60% poderiam ficar por conta dos municípios. No entanto, apenas 230 dos 5,5 mil municípios brasileiros detêm capacidade instalada para fazer esse tipo de análise de modo adequado. Atento a essa tendência, o setor privado representado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) mantém há anos um acordo com Associação Brasileira das Entidades de Meio Ambiente (Abema) que consolida, nas palavras dos participantes, a "união de esforços para otimizar, padronizar, dar transparência e agilidade ao licenciamento ambiental".

Fundadora da Fundação Pró-Natureza (Funatura) e integrante da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN (União Mundial para a Natureza), Maria Tereza Jorge Pádua enfatiza outro ponto relacionado ao licenciamento. "Sério seria um país que dissesse não a obras que realmente destruíssem muito da nossa tão decantada biodiversidade", analisa Maria Tereza, que também faz parte do Conselho da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, em artigo publicado no site "O Eco". Danos irreparáveis ao meio ambiente deveriam ser o bastante, defende a conselheira, para recusar obras logo no início, quando da apresentação do estudo de impacto ambiental (EIA). "Que isso se resolva mediante o estudo de alternativas, ou que sejam feitas em outros locais, ou que não sejam feitas. Que se procurem outras fontes energéticas mais limpas ou adequadas. Mas não. No país se insiste apenas na mesma opção, apelando para táticas não tão éticas, como a de acusar o setor ambiental de ‘obstruidor do desenvolvimento' ou, pior, de ‘inimigo do povo'".

"Mas a liberação, por mais que demore, vai ocorrer de todas as formas e quanto menos turrão for o empreendedor. Ou seja, se ele atende as exigências dos órgãos ambientais com facilidade, mais rapidamente sairá o licenciamento. Agora se todas as exigências são cumpridas na operação é difícil dizer, pois o monitoramento nem sempre é adequado, ou melhor, é inadequado", salienta Maria Tereza. Em suma, faz-se de conta, como observa o jornalista e especialista em assuntos ambientais Washington Novaes, "que o problema está apenas ali [no licenciamento], não nas inconveniências de projetos ou na omissão e incompetência de tantos estudos de impacto que lhe são submetidos".

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