“Este é o meu trabalho”, conta o “gato”

 23/06/2007

Há mais de 15 anos, Amadeus Carvalho da Silva recruta mão-de-obra escrava para fazendas de Tocantis e do Pará. Ele é a figura conhecida como gato, o intermediário entre o fazendeiro e o trabalhador. Foi quem levou os funcionários para a Fazenda São José, em Brejo Grande, a grande maioria saída de Ananás (TO). Amadeus ajuda a entender por que o trabalho escravo ainda existe no Brasil. Ele diz que os trabalhadores sabem que vão ser tratados assim e ainda os culpa pelas condições desumanas em que vivem. Como não foi preso em flagrante, diz que vai continuar fazendo o seu serviço. A reportagem é de Fellipe Awi no jornal O Globo, 23-06-2007.

Como o senhor faz para recrutar os trabalhadores?
É a coisa mais fácil. Os fazendeiros me procuram e me dizem o número de trabalhadores de que precisam. Vou na rádio de Ananás e mando anunciar que quem quiser trabalhar pode me procurar em casa. Peço dez trabalhadores e aparecem 20, 30. Aí eu digo quanto vai ser a diária, geralmente R$ 15,00, R$ 20,00 e eles aceitam. Alguns fazendeiros usam carteira de trabalho, outros não.

O senhor explica que eles vão viver em barracos sem água, no meio do mato?
Digo que eles mesmos vão construir o alojamento deles. Eles já saem de cada sabendo que vão morar naquelas condições. Mesmo assim, querem ir. E quem eu não escolho ainda fica bravo comigo. Todo mundo precisa de dinheiro.

O senhor não acha errado deixar os trabalhadores naquelas condições e sem receber salários?
Eu pago os salários direito (os trabalhadores da Fazenda São José, porém não estavaam recebendo seus pagamentos). E, se eles vivem num lugar ruim, é porque não cuidam direito do barraco. Fazem a maior bagunça. Um dia acham o barraco bom e, no outro, reclamam, querem ir embora.

Mesmo depois de a polícia ter resgatado todos os trabalhadores lá na Fazenda São José, o senhor vai continuar trabalhando nisso?
Claro, este é o meu trabalho. Não vejo problema algum nele. Por melhor que esteja o alojamento, a polícia sempre vai achar que não está bom mesmo.

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