Moratória da soja

Após um ano de embargo, Abiove e ONGs enfatizam monitoramento

Em São Paulo, principais empresas do setor da soja e organizações não-governamentais se reuniram para discutir medidas já implantadas e futuras inciativas da moratória. Articulação com governo federal deve reforçar avaliação dos impactos
Por Mauricio Monteiro Filho
 25/07/2007

Exatamente um ano após seu lançamento, a "moratória da soja" reuniu ontem, 24 de julho, em São Paulo os expoentes do setor e algumas das entidades mais poderosas da sociedade civil organizada. O evento comemorou os feitos desses primeiros doze meses de validade do embargo e apontou a trajetória que deve ser seguida até o fim da medida, em julho de 2008.

A moratória foi declarada pela Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) e consiste no compromisso de que as empresas do setor, por um prazo de dois anos, não comprem soja produzida no bioma amazônico a partir de áreas desmatadas após julho de 2006.

Capitaneada pela Abiove, em conjunto com a ONG Greenpeace, a reunião também demonstrou a solidez da associação entre setor produtivo e movimentos ambientalistas, bastante inusitada quando se trata de polêmicas sócio-ambientais. Fazem parte do Grupo de Trabalho da Soja, responsável pela implementação da moratória, as ONGS Conservation International (CI), Greenpeace, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), The Nature Conservacy (TNC) e World Wildlife Fund (WWF) Brasil.

O principal ponto da apresentação foi justamente o que causava maior reticência quanto à eficácia da moratória: as estratégias de monitoramento.
Para estudar os impactos da cessão da compra de soja de novos desflorestamentos na Amazônia, foi preciso antes identificar precisamente quais são os limites desse bioma. O que exigiu a encomenda de um novo mapa da região ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esse tipo de demanda exigiu uma forte articulação entre os participantes da moratória – todos os associados da Abiove, mais uma série de ONGs – e o governo federal. Essa parceria foi garantida pelo apoio do Ministério da Casa Civil. No evento, estava presente Johannes Eck, representante da pasta.

Outro forte aliado no processo de monitoramento do impacto do embargo tem sido o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O órgão deve acelerar a disponibilização de imagens de áreas consideradas prioritárias pelo grupo responsável pelas ações de monitoramento.

Além disso, novas tecnologias permitirão a identificação remota das áreas de cultivo de grãos. Isso deve reduzir a necessidade de ações de campo, tornando mais viável o acompanhamento das áreas desmatadas que forem convertidas em lavouras de soja.

Um eixo significativo do trabalho é a ação de conscientização junto a produtores. Para isso foi elaborada uma cartilha, distribuída aos agricultores. Segundo a Abiove, em breve, o conteúdo da cartilha estará disponível em sua página – www.abiove.com.br.

Apesar do aparente sucesso da moratória para a soja amazônica, que representa apenas 5% da produção nacional, a entidade não sinaliza com iniciativas de preservação para o bioma que absorve a maior pressão pela expansão das lavouras do grão: o Cerrado. Perguntado sobre isso, o presidente da Abiove desconversa: "Essa moratória é direcionada apenas para a Amazônia. Não há nada previsto para o Cerrado. Isso exigiria uma análise diferente".

 

Foi também discutida a possibilidade da prorrogação da iniciativa. Segundo Adalgiso Telles, da Bunge, "a certeza é a da permanência dos trabalhos de conscientização e monitoramento". Mas a manutenção do compromisso comercial ainda está em dúvida. 

Histórico
O embargo resultou de um longo processo de pressão sobre as empresas do setor da soja. Prevenidos pelos impactos que as plantações do grão representaram sobre o Cerrado, e atentos à construção da infra-estrutura que as grandes corporações do setor estavam instalando na Amazônia, ambientalistas e movimentos sociais iniciaram fortes campanhas contra a expansão do grão na maior floresta tropical do planeta.

A mais forte delas foi resultado de um relatório elaborado pelo Greenpeace, intitulado "Comendo a Amazônia", que contou com a contribuição de uma série de movimentos críticos à produção irresponsável de soja. No documento, a ONG holandesa apontava os vínculos entre as lavouras amazônicas e crimes como grilagem de terras, além de utilização de mão-de-obra escrava. E demonstrava que o grão originado nessa área ia direto para a Sun Valley, sediada na França, mas que pertence à Cargill – uma das maiores multinacionais de agronegócio do mundo. De lá, chegava ao consumidor europeu através das redes de lanchonetes McDonald's e KFC.

A partir da sensibilização do mercado europeu, as empresas foram praticamente forçadas a se sentar para discutir políticas que reduzissem o impacto sócio-ambiental causado pelo cultivo do grão. O resultado foi a assinatura da "moratória".

Fora do Pacto
No texto oficial da moratória, Abiove e Anec incluem expressamente "o repúdio ao uso de trabalho escravo".

Por isso, as maiores empresas do setor incluíram em seus contratos cláusulas que implicam a ruptura das relações comerciais em caso do emprego desse tipo de mão-de-obra e são também signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, de 2005. Com exceção da Archer Daniels Midland (ADM), gigante americana.

Através de seu representante na reunião de ontem, Diego Di Martino, a ADM voltou a afirmar que "o que a Abiove decidir, está decidido e como a entidade já é signatária, a empresa não vê a necessidade de fazê-lo". Mas afirmou também ter incluído cláusulas contratuais contra o trabalho escravo. Di Martino também ressaltou a vanguarda da companhia no combate à utilização de trabalho forçado e infantil nas plantações de cacau da Costa do Marfim, que fornecem para a empresa.

Bunge, Cargill e Amaggi, também membros da Abiove, são signatárias individuais do Pacto.

Clique aqui para acessar a página da moratória no site da Abiove

 

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