Diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil se uniram para lançar, nacionalmente, nesta sexta-feira (5), uma Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV, com o slogan: "Concessões de rádio e TV, quem manda é você!". Foi escolhida a data de 5 de outubro porque nela vencem concessões de TV em todo o Brasil, inclusive as emissoras próprias e afiliadas da Rede Globo, da Rede Bandeirantes, da Record e da CNT/Gazeta. As concessões do espectro limitado pelo qual são transmitidos os sinais da TV e do rádio são públicas, ou seja, as emissoras precisam de autorização estatal para chegar aos lares, automóveis e ao ambiente de trabalho dos brasileiros.
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Balões e faixas coloriram a manifestação que levou cerca de 200 pessoas à Avenida Paulista |
Atualmente, o processo de outorga é feito pelo Congresso Nacional e não tem participação da sociedade civil. As concessões duram 15 anos e, para que a renovação seja negada, é preciso que dois quintos do conjunto de deputados federais e senadores votem nominalmente contra o pedido em sessão do Congresso Nacional. "Queremos o fim da renovação automática. Hoje ninguém contesta esse processo que define a outorga. Precisamos refletir sobre isso", coloca Bia Barbosa, da coordenação executiva do Coletivo Intervozes, que desenvolve projetos na área do direito à comunicação e participa da campanha.
Principais pontos da campanha |
Ações imediatas contra as irregularidades no uso das concessões, como excesso de publicidade e outorgas vencidas |
Fim da renovação automática e adoção de critérios transparentes e democráticos para a renovação de concessões de rádio e TV |
Comissão para acompanhar as renovações, com participação efetiva da sociedade civil organizada |
Convocação da Conferência Nacional de Comunicação para a construção de políticas públicas e de um novo marco regulatório |
Além de novos critérios para a renovação das concessões, a mobilização pede ações imediatas contra as irregularidades para as concessões já dadas. Também reivindica a formação de uma comissão de acompanhamento das renovações, com participação da sociedade civil, e a convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação – para a construção de políticas públicas e de novas regras para gerir as comunicações. A campanha ainda não tem data para terminar, mas os organizadores dizem que ela pode se estender até o início da Conferência Nacional.
Na Conferência Nacional Preparatória de Comunicações, em setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu com a organização do encontro, mas ainda falta a publicação de um decreto que possa garantir o processo de participação popular. "A partir daí, serão feitas as etapas municipais e regionais, antes da realização do encontro nacional", explica Bia Barbosa, do Intervozes.
Repórter Brasil solicitou informações adicionais à assessoria de imprensa do Ministério das Comunicações (MiniCom) sobre o andamento do processo no âmbito do Poder Executivo, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem, na noite desta segunda-feira (8).
Balões
Houve atos em 15 estados – em Brasília (DF) a manifestação ocorreu na quinta-feira (4). Em São Paulo (SP), um ato na Avenida Paulista contou com cerca de 200 pessoas segundo os organizadores, ou cerca de 40 pessoas de acordo com a Polícia Militar. Havia balões de hélio coloridos com o slogan da campanha, que foram soltos ao final do ato.
A manifestação paulistana começou às 12h30 nas escadarias da Rádio e TV Gazeta, seguiu para o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), ocupando uma faixa da avenida. Na emissora, foi entregue um documento chamado de contrato popular, com várias cláusulas baseadas na Constituição e na legislação que rege o setor. O ato terminou em frente ao grupo CBS (Comunicação Brasil Sat), proprietária de oito rádios comerciais, das quais seis têm permissão para funcionar em cidades do interior do estado, mas emitem sua programação da capital e estão com a concessão vencida.
Os manifestantes lacraram simbolicamente o prédio que abriga a CBS, fazendo alusão ao procedimento da Polícia Federal em operações de interdição de rádios comunitárias. "A irregularidades estão na cara da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações, responsável pela regulação do setor] e do Ministério das Comunicações. Existe todo um aparato para punir rádios comunitárias e não há fiscalização das rádios comerciais", critica João Brant, também da coordenação executiva do Intervozes.
Ainda na sexta-feira (5), os manifestantes ajuizaram no Ministério Público Federal uma ação civil pública, pedindo adequação de televisões que veiculam publicidade além do permitido por lei – Cable Inc., Shoptour e Mix TV. O documento pede a regularização do conteúdo transmitido pelos canais em 30 dias e, em caso de descumprimento, a cassação dos canais. Por lei, a publicidade pode ocupar até 25% da programação.
Pressão social
Os participantes ressaltaram a importância de uma campanha nacional para o tema e ressaltaram a ausência de cobertura da grande mídia. "Hoje é o início de uma campanha que vai crescer. Ela é importante porque gera pressão social por mudanças nas discussões em Brasília", ressaltou a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), integrante
da subcomissão que analisa mudanças na legislação de comunicações, subordinada à Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) na Câmara Federal. "Precisa de votos para aprovar mudanças e a gente não é maioria na Comissão", completa.
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Manifestantes reivindicaram conselho popular que fiscalize a programação das emissoras |
"Precisamos ter controle sobre essas concessões. Como na saúde e na educação, deve existir um conselho nacional de comunicação social, com estrutura descentralizada, para ter controle local, e representantes do governo e da sociedade civil", explica a deputada federal. "Temos que cobrar do presidente Lula uma Política Nacional de Comunicação. A população deve tomar nas mãos essa luta."
O deputado federal Ivan Valente (PSol-SP) também reforçou a necessidade de um conselho nacional específico e o estabelecimento de novos critérios para conferir concessões, baseados na avaliação periódica dos programas. "Hoje o critério [para as concessões] é o poder econômico e a pressão política." Ele ressalta que muitos membros da CCTCI são proprietários de meios de comunicação, o que já deveria ser impedimento para a participação na Comissão. "Comunicação é fonte de poder. Democratizar a comunicação social é dividir o poder. Por isso é tão difícil."
Para advogada Ana Cláudia Vazzoler, do Escritório Modelo D. Paulo Evaristo Arns, da Pontifícia Universitária Católica de São Paulo (PUC-SP), o cumprimento da legislação em vigor, mesmo sem revisão nas concessões, já seria um avanço. "Apenas a questão do limite de publicidade, da posse de meios de comunicação por parte de parlamentares e a limitação de cada empresa possuir emissora em apenas uma localidade, por exemplo, já poderiam moralizar o setor", exemplifica. Mas Ana Cláudia concorda que a legislação tem que ser revista. "A lei está muito inadequada, até por uma questão de tecnologia", pontua. A legislação referente à comunicação social está prevista no artigo 5º da Constituição, de 1988 e na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de 1962.
Organizam a campanha, junto com o coletivo Intervozes, a Coordenação dos Movimentos Sociais (CUT, MST, CMP, UNE, ABI, CNBB, Grito dos Excluídos, Marcha Mundial das Mulheres, UBM, UBES, CONEM, MTD, MTST, CONAM, UNMP, Ação Cidadania, CEBRAPAZ, Abraço, CGTB), a Conaq, a ABGLT, a Abong, a Enecos, a Campanha pela Ética na TV, a Articulação Mulher&Mídia, o Observatório da Mulher, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, os Comunicativistas, o Coletivo Epidemia e o Artigo XIX. Para saber mais sobre a Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV , acesse o site: http://www.quemmandaevoce.org.br/.
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