MPT liberta colhedores de laranja

 31/10/2007

Lavradores ganhavam apenas R$ 10,00 por dia e não tinham direitos
trabalhistas

Uma empreiteira de mão de obra rural de Santelmo, distrito de
Pederneiras, região de Bauru, mantinha 30 trabalhadores em situação
análoga à de escravo na colheita de laranja. A empresa foi obrigada a
legalizar a situação dos trabalhadores e o caso será encaminhado à
Polícia Federal para o enquadramento penal de aliciamento e trabalho
escravo. 19 trabalhadores foram resgatados.
O flagrante foi realizado em ação conjunta do Ministério Público do
Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego. "Os grilhões são outros.
O trabalho escravo não é mais o trabalhador acorrentado, levando
chicotada na fazenda. São várias as circunstâncias que levam à conclusão
do trabalho escravo ou situação análoga a de escravo", destacou o
Procurador do Trabalho Luiz Henrique Rafael. "Eles estavam sem registro
em carteira, o que acarreta a supressão de vários outros direitos; não
tinham seguro acidente de trabalho, nem proteção da Previdência, não
tinham férias ou descanso semanal ", acrescenta. A falta de condições
mínimas de dignidade humana do trabalhador é outro item. "Eles dormiam
amontoados em uma antiga oficina mecânica. Não tinham água potável e não
tinham local para refeição na sombra. Não tendo isso, o trabalho é
degradante."
Para o Procurador Marcus Vinícius Gonçalves, a situação se configurou
por causa das circunstâncias encontradas, enquadráveis no artigo 149 do
Código Penal Brasileiro. "Como o trabalho era informal, os trabalhadores
não tinham acesso ao salário. Eles recebiam já com os descontos. A
comida era descontada, assim como o alojamento e as ferramentas
utilizadas, típico de trabalho análogo a escravo", destaca. "Cada
trabalhador recebia R$ 10 por dia, tendo que colher dois sacos de 680 kg
de laranja. Com esse salário eles precisavam pagar alimentação,
alojamento… Não sobrava nada", afirma Gonçalves.
O caso é inédito em área da procuradoria de Bauru porque houve resgate
com pagamento de R$ 2.605, incluindo-se no valor indenização por danos
morais e seguro-desemprego. A falta de registro acarretou no não
recolhimento de Fundo de Garantia, concessão de férias, treinamento,
segurança, alojamento, água, entre outros itens que deverão atingir 15
autos de infração trabalhista.

A bola da vez
No caso de Santelmo, três figuras apareceram nas infrações: o dono da
fazenda, que contratou um terceiro; e o terceiro, que contratou um
"gato". "O gato é que levava e trazia os trabalhadores de ônibus. Foi
ele que arrumou o alojamento. A empresa terceirizada é que está
assumindo a parte trabalhista." Caso a empresa não assuma, o dono da
terra responderia. "Ele é o beneficiário da prestação de serviços."
Segundo Rafael, a prestadora de serviços está assumindo porque
quarteirizou para o "gato". A quarteirização é uma constante, motivada
pela concorrência no mercado, acredita o procurador. "A empresa
terceirizada pega o contrato abaixo do preço de mercado, depois não tem
condições de cumprir os direitos mínimos trabalhista e previdenciários e
informaliza através do gato."
O terceirizado vai ter que anotar pelo menos um mês de trabalho em
carteira, avisa. "A empresa assume a anotação do contrato de trabalho,
retroativo a um mês. Isso vai gerar os demais direitos, 13.o, férias
proporcional e aviso prévio. Quando o trabalho é configurado como
escravo é possível a obtenção do seguro-desemprego, situação especial,
onde o trabalhador não precisa preencher os 18 meses", explica.
Para aqueles trabalhadores que não possuíam documentos, foi emitida
carteira de trabalho provisória, com
validade de 90 dias, após ser extraída foto do trabalhador na própria
SDT, custeada pelo empregador. Dentro desse prazo, ele deverá procurar
um órgão do MTE, munido de algum documento, para validar a CTPS, que,
então, passará a valer por prazo indeterminado.

Criminal
O procurador Marcus Vinícius Gonçalves enfatizou que o MPT vai
encaminhar ao Ministério Público Federal e para Polícia Federal o caso.
"Eles vão atribuir responsabilidade a quem aliciou esse pessoal e quem
fez uso dessa mão-de-obra, que foi enquadrada como trabalho escravo."
De acordo com ele, uma pessoa que já foi denunciada em 1999 por trabalho
escravo estava como intermediadora, como "gato". "Ela aliciou pessoal em
Garça, estava cobrando a comida e efetuava pagamentos. Ela será
responsabilizada criminalmente."
Na opinião da subdelegada do Ministério do Emprego e Trabalho, Maria
Rita Maringoni, os trabalhadores estão sendo libertados. "Eles estavam
trabalhando em condições subumanas. Nosso corpo de fiscalização, um dos
auditores, inclusive, faz parte do Grupo Móvel Nacional da Erradicação
do Trabalho Escravo."
Segundo ela, o procedimento permitiu que os trabalhadores saíssem com a
baixa na carteira e com o seguro-desemprego especial para retornarem às
suas cidades de origem. Na área trabalhista, o trabalho foi considerado
degradante.

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