Os números do Inclusp |
3% é a porcentagem adicionada à nota de estudantes nas duas fases do vestibular da Fuvest |
322 egressos de escola pública, 87 deles negros, entraram devido ao Inclusp, dentro de um total de 10.189 ingressantes |
Entre 2006 e 2007, diminuiu o número de calouros com renda familiar menor que R$ 1,5 mil e aumentou o número de ingressantes com maior renda familiar |
O Inclusp não alterou em nada o quadro de ingressantes de 46% dos cursos. Com relação à inclusão de estudantes negros, o índice de cursos que não foram alterados pelo Inclusp sobe para quase 50% |
Em sua estréia, o Inclusp, programa de inclusão social da Universidade de São Paulo (USP), não confirmou a projeção inicial de que beneficiaria cerca de 600 pessoas e viabilizou diretamente a entrada de apenas 322 estudantes egressos de escolas públicas. Quando do lançamento do programa, em maio de 2006, a reitora Suely Vilela chegou a estimar também que a porcentagem de ingressantes do sistema público subiria dos 24,6% verificados em 2006 para 30% em 2007. Números divulgados em audiência pública sobre o Inclusp, realizada na última segunda-feira (22) em auditório no campus da USP Leste, mostram que a proporção oscilou positivamente para 26,7%.
A principal medida do Inclusp é o acréscimo de 3% às notas das duas fases do vestibular da Fuvest para quem cursou todo o ensino médio em escola pública. De acordo com dados fornecidos pelo próprio programa, na comparação entre ingressantes de 2006 e 2007, dos 322 estudantes de escola pública que não teriam entrado sem a bonificação, 87 são negros. O total de ingressantes na USP em 2007 soma 10.189. Os beneficiados pela política afirmativa representam, então, 3,2% do corpo estudantil que entrou este ano na primeira chamada do vestibular. Os negros que entraram pelo Inclusp somam apenas 0,85% desse total.
Entre 2006 e 2007, diminuiu a parcela de estudantes com renda familiar das duas faixas inferiores (até R$ 500 e de R$ 500 a R$ 1,5 mil). Enquanto isso, aumentaram todas as parcelas de calouros de famílias de faixas superiores – desde os com que ficam entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil até aqueles em que a renda ultrapassa R$ 10 mil. "Precisamos lembrar que a renda familiar maior tende a ser de famílias menos numerosas, enquanto a renda familiar mais baixa é em geral dividida entre mais pessoas. Então a desigualdade é maior ainda", acrescenta o doutorando do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) e membro do movimento Ocupação Afirmativa, Nilton Bispo, que esteve presente na audiência sobre o Inclusp.
Para o físico Marcelo Tragtenberg, professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em políticas afirmativas, o Inclusp não promoveu a inclusão em 46% dos cursos. "Em 67 dos 146 cursos, não melhorou, ou piorou, a porcentagem de estudantes de escolas públicas. Isso sem considerar se essa melhora foi significativa ou não", explica. Analisando a entrada de negros na USP, completa o especialista, a situação é ainda mais grave. Nada mudou em quase a metade (71) dos cursos. "Quando se desenvolve um sistema de bônus, seria recomendável que isso se adequasse aos cursos", critica.
Douglas Belchior, coordenador do Núcleo de universidades da ONG Educafro – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes, definiu o Inclusp como "um fracasso, uma mentira do ponto de vista dos resultados", durante a audiência pública. "A sociedade espera muito mais. Para o problema que está colocado, o remédio é muito fraco."
Dança dos números
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Cerca de 300 pessoas foram à audiência pública sobre o Inclusp na segunda-feira (22) (Foto: Patrícia Magalhães) |
Para a pró-reitora de graduação da USP, Selma Garrido, os resultados do Inclusp são "um sucesso". "Estamos trabalhando em cima das contradições da sociedade brasileira e até da sociedade mundial", defendeu. Além da pró-reitora e de Douglas, da Educafro, estavam na mesa do encontro o vice-reitor da USP, Franco Lajolo, a diretora do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Juliana Borges e, como mediador, Dante de Rose Jr., diretor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), que sediou o evento.
Selma destacou o aumento de 2,3% (de 24,6% para 26,7%) de ingressantes de escolas públicas e mostrou dados sobre a inclusão de estudantes negros. Em 2007, segundo ela, houve um aumento de 103 negros ingressantes que cursaram escola pública em comparação aos de mesma condição que entraram em 2006, o que representa um aumento de 18,5%. Os números apresentados pela pró-reitora, no entanto, não explicitam o quanto o sistema de bônus implementado pelo Inclusp contribuiu especificamente para esse aumento.
"É preciso ficar claro que quem foi ajudado pelo Inclusp são os 322 que entraram por causa do bônus de 3% e não quem o recebeu", contesta Nilton Bispo, do Ocupação Afirmativa. Ele ressalta a necessidade de se estudar o perfil de quem perdeu a vaga na universidade para que os beneficiados do Inclusp pudessem entrar, já que "para incluir esses 322, o programa tirou alguém". Na avaliação do estudante, é possível que haja negros que estudaram em escolas particulares nesta parcela alijada da intituição pública. "Podemos estar trocando seis por meia dúzia", alerta.
Nilton lembra ainda que 43 negros entraram na Faculdade de Engenharia Química de Lorena (Faenquil), que fica em Lorena (SP) e foi incorporada à USP em 2006. Não se sabe se parte ou não dos 87 estudantes negros ajudados pelo Inclusp em 2007. "Uma avaliação mais criteriosa precisaria ser feita, para apontar de que forma o mecanismo de acesso à USP tem impactado os negros".
Metas
Outra crítica estrutural ao Inclusp é a falta de metas claras. "Não somos contra o modelo de bônus, desde que ele tenha metas que contemplem a nossa necessidade. Já fazíamos essa análise no início", esclarece Douglas Belchior, da Educafro. Antes da aprovação do Inclusp no Conselho Universitário (CO), instância máxima de decisão da USP, a Educafro chegou a sugerir à reitoria o aumento do valor do bônus para 10%, o que não foi aceito.
O pesquisador Marcelo Tragtenberg avalia que "não há problemas em se escolher o sistema de bônus, mas é preciso estabelecer um objetivo. O que se quer: metade da população negra do estado, como é a proposta do governo [federal]? Então tem que ter 16% de estudantes negros". Nas palavras do professor, as cotas por curso são de mais fácil aplicação, pois estabelecem o objetivo a ser alcançado e não exigem variação. "O bônus teria que ser calculado com base na meta e precisaria de uma atualização ano a ano. É muito mais complexo." Segundo o professor, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que também confere bônus a estudantes egressos de escolas públicas e, dentro desse universo, pontos adicionais a negros, está pensando em mudar a ação afirmativa para o sistema de cotas.
Na audiência, a pró-reitora de graduação argumentou que o Inclusp tem metas em linhas gerais e que a definição de metas quantitativas são definidas pelos órgãos colegiados da USP, especialmente o Conselho Universitário (CO). "Estamos estudando se os 3% são suficientes ou não".
Questão étnico-racial
O Inclusp se concentra na inclusão de estudantes de escola pública. Segundo Selma Garrido, o recorte atinge, por conseqüência, a população negra e de baixa renda. Porém, para Nilton, do Ocupação Afirmativa, o problema dessa visão é que resume o problema racial a um problema de classe social. "Quando separamos, reconhecemos que há uma especificidade na questão racial."
"Tem que ter meta para negros e não limitar para escola pública. Porque o racismo atinge os negros de escola particular também", argumenta Marcelo, da UFSC. Em um estudo realizado com dados do vestibular da UFSC, o físico simulou a duplicação de vagas oferecidas, para medir o aumento da aprovação de acordo com o recorte étnico-racial. Ele concluiu que o número de negros aprovados manteve-se inalterado.
Em outra simulação, o professor fez uma estimativa a partir da cota de 50% para oriundos de escola pública, meta proposta em projeto do Executivo para as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) e idealizada pela própria USP. A medida não alteraria a composição étnica da maioria dos cursos estudados e, em alguns casos, até diminuiria a porcentagem de estudantes negros. "Tais dados destroem o mito de que a reserva de vagas para pessoas de renda menor, egressas de escolas públicas, leva à igualdade racial", conclui Marcelo em artigo publicado na revista Scielo nº 28. Ele aguarda dados da pró-reitoria de graduação da USP para fazer o mesmo estudo na universidade paulista.
Segundo estimativas da Educafro, mais de 50 instituições de ensino superior no país têm ações afirmativas. "Será que só a USP está certa e as outras estão erradas em contemplar tanto a questão de renda e quanto a de negros e afrodescentes?", provoca o coordenador Douglas. "Para nós, é uma resistência típica e conservadora das elites de São Paulo."
Para discutir a questão, a Educafro reivindica uma convocação extraordinária da Comissão de Graduação e a disponibilização dos dados puros levantados pela Fuvest. A ONG também quer participação dos movimentos sociais na comissão que rege o Inclusp e na elaboração dos questionários sócio-econômicos, que serão aplicados aos candidatos a partir do próximo vestibular.
Acompanhada por cerca 300 presentes distribuídos em três auditórios da USP Leste, a audiência pública para discutir o Inclusp na segunda-feira (22) foi resultado de reivindicações do movimento que ocupou a reitoria da USP, no primeiro semestre de 2007. A reitoria da USP negara o pedido dos estudantes para que o evento fosse realizado no auditório Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária, que tem capacidade para mais de 500 pessoas. Segundo informou Selma Garrido no evento, a audiência deveria ser no auditório da EACH, na Zona Leste, que tem capacidade para cerca de 100 pessoas, para que fosse feita a transmissão simultânea do evento por internet e TV.
Leia íntegra de artigo de Marcelo Tragtenberg, sobre estudo na UFSC
Precisamos de Ações Afirmativas, porém, sem qualquer conotação racial. Se os afrodescendentes são pobres e estão na escola pública, basta o bônus para concorrer em igualdade com os demais. A dura realidade é que nossos jovens também NÃO ESTÃO no ensino médio, assim, exigir reservas para quem não consegue disputar com seus iguais da rede pública, é uma falácia de quem acredita em raça. É um discurso de direita, paliativo. Na condição de militante contra o racismo lamento que afrodescendentes insistam nas ´cotas raciais compulsórias´ que estigmatiza e humilha a populaçao preta pois ´cotas´ acolhe a ´idéia inferioridade´ da mal designada ´raça negra´, contemplando o ideal do racismo.
As ações afirmativas raciais coadunam-se com os Tratados Tnternacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, bem como, está em consonância com o princípio da dignidade humana estabelecido em nossa Constituição Federal. O Comitê Internacional Contra a Discriminação Racial – ONU, já enviou diversos relatórios ao nosso país, salientando da necessidade da mesma em razão dos números que mostra o abismo entre a população branca e a afro-descendente. No entanto, se faz necessário divulgar as razões destas ações através dos meios de comunicação para otimizar os resultados da mesma. O Brasil necessita saber que tempos atrás diversos mecanismos jurídicos limitavam os direitos desta população.
Primeiro, parabéns pela matéria, ficou excelente.
É mais do que necessária a instituição de cotas, não há possibilidade de inserção e justiça com negros e pobres se não por esta via. É preciso que se dê a eles condições de igualdade na disputa por espaços no seio de uma sociedade eminetenmente competitiva. Caso contrário a única via que lhes restará será por um processo revolucionário, assim, se tanto queremos manter esta sociedade conservadora, é preciso atender a esta demanda altamente reformista dos movimentos sociais. Se alguém disser que é possível dar condições de igualdade para despossuídos, é pq não sabe o que é não ter nada.
abs
Um adendo ao comentário abaixo, quando escrevi condições de igualdade para despossuídos, quis dizer que achar que eles podem ficar em pé de igualdade sem que se dê a eles meios materiais, é pq quem diz desconhece o que é ser despossuído.
É preciso lembrar que todas as políticas de cotas e outras ações afirmativas funcionam com nota mínima! Ou seja, não vai entrar ninguém que não tem condições de acompanhar.
É lamentável que vivemos em um mundo de hipocresia, atribuindo cotas para alunos ingressarem no ensino superior (pobres, descamisados, necessitados, de cor ou raça), os desprovidos de recursos devem ter o apoio governamental, ou seja, devemos ensinar a pescar mas não dar o peixe. É muito comodo um ingressante ter seu lugar garantido em uma instituição de curso superior apenas pela cor de sua pele e não pelas suas competências. Tem muito branco pobre e necessitado que não consegue entrar no curso superior. Quer mais raciscmo do que vivemos hoje com a cota absurda e retrograda. Quem as defende é aqueles que gostam de benesses obtidas com o jeitinho brasileiro. Ah! poderia eu exigir meu quinhão
Tudo que a USP diz ser para beneficiar alunos carentes é uma grande mentira. Não tenho condições de me manter na universidade, comprovei isso com documentos e, no entanto, fui negada. Não consegui nenhum tipo de bolsa ou auxílio e agora estou prestes a abandonar o curso. A USP é uma vergonha.