Belém – Nova iniciativa que procura combinar o poderio econômico empresarial com a garantia dos direitos dos povos tradicionais por meio da mobilização da sociedade civil e de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade, o Fórum Amazônia Sustentável foi lançado oficialmente, na última quinta-feira (8), com a presença de representantes de autoridades governamentais e um alerta.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, compareceu à capital paraense para prestigiar o esforço dos participantes do Fórum e antecipou que 2008 será um ano desafiador para a Amazônia. Primeiro por causa da ascensão dos preços de alguns dos produtos primários agrícolas (commodities) que pressionam especialmente o chamado "arco do desmatamento" da floresta tropical. Segundo porque haverá um processo eleitoral municipal no ano que se aproxima. Historicamente, segundo a ministra, as políticas ambientais tendem a perder espaço em anos eleitorais, períodos nos quais as administrações estaduais e municipais preferem acelerar obras com maior potencial de retorno em votos.
O lançamento do Fórum, na visão de Marina, pode expressar uma nova fase de esforços no segmento ambiental. Até aqui, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) apresenta conquistas como a aplicação de um total de R$ 3 bilhões de multas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a apreensão de 1 milhão de m³ de madeira ilegal, a criação de 20 milhões de hectares em unidades de conservação (UCs) e de 10 milhões de hectares de terras indígenas (TIs), o estabelecimento de outros 10 milhões de hectares em reservas extrativistas (Resexs), além de avanços na regularização fundiária, todas providências que constam do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM).
"Não se pode governar apenas com ações de comando e controle [de repressão] com a ajuda da Polícia Federal, do Exército, da Força Nacional de Segurança… Essas ações são fundamentais, mas podem se esgotar", salientou a ministra. Ela disse que cogitou a elaboração de um amplo protocolo amazônico de compromissos, ainda no início de sua gestão em 2003, mas desistiu da proposta porque pareceria que o governo federal estava querendo transferir a responsabilidade da preservação florestal para outras administrações (estaduais e municipais) e para a própria sociedade.
Como sinalização dessa nova fase, a ministra anunciou que o governo está avaliando a possibilidade de destinação de reservas do Fundo Setorial do Petróleo e do Gás Natural para políticas mais propositivas na área de sustentabilidade. Composto de taxas de exploração dos recursos minerais em território nacional, o Fundo apoiaria projetos inovadores de agregação de valor aos produtos florestais como parte do Plano e da Política Nacional de Mudanças Climáticas, que devem ser lançados em breve. Em adição, Marina emendou: "Este acordo para a produção de ciência, de economia e de engenharia política que o Fórum proporciona vem em momento crucial".
As linhas de ação apresentadas na Carta de Compromisso do Fórum Amazônia Sustentável – lida pelo ator Victor Fasano, integrante do movimento de artistas Amazônia para Sempre – englobam, entre outros direcionamentos, o fortalecimento do mercado de produtos e serviços sustentáveis, a valorização do conhecimento dos povos da floresta, o estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico para a sustentabilidade e o fomento ao diálogo entre as organizações e redes dos países amazônicos. O Banco da Amazônia (Basa), a Federação das Organizações Indígenasdo Rio Negro (Foirn), a Fundação Avina, a Fundação Vale do Rio Doce (FVRD), o Grupo Orsa, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Instituto Ethos, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Projeto Saúde Alegria fazem parte da comissão organizadora do Fórum. Grandes empresas como a Alcoa e a Natura apoiaram o evento de lançamento.
Também presente na cerimônia de lançamento, a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, declarou que "não adianta apenas o Estado melhorar as políticas públicas" para o fortalecimento da sustentabilidade. Com freqüência, frisou Ana Júlia, o Pará é apresentado como a síntese da Amazônia: para o bem e para o mal, que são representados, respectivamente, pela pujança das riquezas naturais e pela desigualdade e exclusão social reinantes. Trata-se do segundo maior estado do Brasil em extensão, mas apenas 25% da população são de moradores de Belém. Os 75% restantes estão espalhadas por diferentes focos de concentração humana no território que equivale a duas Espanhas. O Amazonas é o maior estado em área, mas 80% vivem na região metropolitana de Manaus.
Pouco mais de 20% do território paraense está sob responsabilidade estadual; o restante é de competência federal e privada. Segundo a governadora, houve consulta em 143 municípios do Pará para a concretização do Plano Territorial Participativo, e mais de 80% das demandas apresentadas entraram no Plano Plurianual (PPA) estadual. No campo da ciência e tecnologia, o governo estadual está construindo parques em Belém, Marabá e Santarém, na região do Tapajós. Ela leu ainda itens da cartilha de sua gestão que estabelecem novos critérios de sustentabilidade para a aplicação de políticas públicas como a exigência de salvaguardas ambientais e incentivos ao desenvolvimento local. "Precisamos do Fórum para construir um novo modelo de desenvolvimento. É um trabalho de mudança de concepção e de mudança cultural".
Alerta
A emissão do sinal de alerta no evento de lançamento do Fórum Amazônia Sustentável coube ao engenheiro agrônomo Antônio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) que trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De início, ele refutou as tentativas de análises sintéticas sobre o problema das mudanças climáticas em função do aquecimento global. "A questão planetária não pode ser resumida em sumários. Sabemos muito pouco do problema e a própria comunidade científica está sendo surpreendida", sustentou.
As geleiras do Círculo Polar Ártico estão se reduzindo num ritmo 10 vezes maior do que qualquer previsão. "Os relatórios do IPCC [Painel Int
ernacional sobre Mudanças do Clima] foram alarmantes, mas não são suficientes [para mostra a complexidade do que está em curso]", colocou Antônio Nobre.
Os céticos do clima apresentam a reconstrução da variação de temperatura na superfície terrestre nos últimos 400 mil anos para argumentar que ela apresenta um comportamento oscilante. Ocorre que, assim como a homeostase que mantém a temperatura do corpo humano em 37º C, o planeta dispõe de um sistema que impede justamente que a Terra se torne gelada como Marte ou uma sauna como Vênus. Para o cientista, o importante não é só a variação, mas a garantia da dinâmica da vida, que está associada principalmente à água. E mudanças em determinados regimes podem provocar um efeito dominó de perturbações climáticas que não fáceis de se prever.
Nesse sentido, a Biosfera apresenta, nas palavras do estudioso do Inpe, uma capacidade incrível de regular a vida e compensar abusos. Mas também tem memória, assim como quem ingere muita bebida alcóolica, e pode entrar em crise. "O planeta está na UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. Não temos mais tempo. O Protocolo de Kyoto [documento de 1997 em que países industrializados, integrantes do Anexo I, assumem metas para reduzir emissões de gases estufa; as emissões aumentaram em 70% entre 1970 e 2004] é juridicamente espetacular, mas, a meu ver, tem efeito zero".
A Amazônia, compara Antônio Nobre, é um saudável Oceano Verde, que garante o ar limpo e compõe um poderosíssimo sistema de interação entre floresta e água. "A biodiversidade regula o clima", descreve. Os gases que saem do conjunto de árvores (cheiros da floresta) são fundamentais para o regime de umidade. Uma árvore grande evapora 300 litros de água por dia. Levando-se em conta os 5,5 milhões de km² da Amazônia, estima-se que a evaporação total é maior que o volume que o Rio Amazonas despeja por dia. Essa bomba biótica "rouba" umidade do Oceano Atlântico e impede que haja desertos na região do paralelo 30º, que engloba parte da região Centro-Sul do Brasil, inclusive São Paulo. "Estamos matando a esponja que mantém a América do Sul úmida e limpa", complementa.
Diferentemente da interpretação que atribuía à Amazônia apenas o papel de "pulmão do mundo" por causa da conversão da fotossíntese de gás carbônico em oxigênio, a floresta atua também como fígado – os próprios gases da biodiversidade capturam e reagem com gases poluentes, fazendo a filtragem do ar – e como coração, bombeando a umidade que irriga o subcontinente. Curiosamente, na seca de 2005 dos rios da região amazônica, conta Antônio, as árvores "botaram mais folha para fora para tentar puxar mais umidade do ar". E chama a atenção: "Se [a cobertura] for [de] eucalipto, acabou. Por isso é que considero um completo absurdo a redução dos limites do Código Florestal [na Amazônia Legal, apenas 20% das áreas privadas podem ser desmatadas para uso econômico]. É um tiro no pé. Não precisamos apenas preservar. É necessário reconstituir".
Os serviços da floresta, continua o pesquisador, são um exemplo de interatividade. Ele recomenda uma abordagem das políticas da floresta em que o debate competitivo individualista. "Um plantador de soja do Norte do Mato Grosso ou do Sul do Pará que só pensa em expandir seus próprios lucros age como se fosse um câncer", atacou. "Quando o regime de umidade for afetado de modo mais grave, não adiantará fazer tratoraço em Brasília por causa da falta de água nas plantações".
*O jornalista viajou a convite da organização do Fórum Amazônia Sustentável.
Leia a íntegra da Carta de Compromisso do Fórum Amazônia Sustentável
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