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O Brasil em luta contra o trabalho escravo

O formidável desenvolvimento agrícola do país esconde uma realidade pouco conhecida. Por Alexandre Zalewski Rondon, no Estado do Pará – A equipe do grupo de intervenção móvel do ministério do trabalho (Grupo Especial de Fiscalização) se prepara para sair rumo à fazenda São José, a cerca de 2 horas da cidade, em estrada de chão. "Não sabemos exatamente o que iremos encontrar, explica o coordenador da equipe, Gulherme Moreira. Recebemos uma denúncia de um trabalhador agrícola, uns 3 meses atrás mas; de lá para cá, não recebemos mais notícias." Dois 4X4 da Policia abrem o caminho. Dentro levam quatro policiais carregando armamento pesado. "Precisamos agir ligeiro: bastaria um telefonema e o flagrante vai por água baixa", explica o Gulherme, Chegados à fazenda, os funcionários do ministério do Trabalho pedem ao gerente para serem conduzidos até os barracos onde são alojados os trabalhadores. Subimos de novo nos 4X4. Espiral infernalPrecisamos andar mais 20 minutos em pista de chão toda esburracada até chegar a uma casinha precária. Nela, em dois cômodos com 10m2, onde dormiriam, na rede, uns 30 trabalhadores. No fundo, no canto, uma cozinha preta de tão suja. O que um dia já foi banheiro está inutilizável. Os fiscais interrogam os trabalhadores presentes no local. Olhares furtivos, palavras hesitantes. "Aqui está bom", conta José Manuel, um trabalhador com idade indefinida, seu boné enfiado na cabeça. "Fui contratado há dois meses. O salário é R$ 400 (€ 150) por mês e a alimentação é por conta do fazendeiro". "Aqui nesta fazenda, não é trabalho escravo no sentido estrito, sinaliza o Guilherme , um tanto nervoso. Só poderemos autuar por ‘condições degradantes de trabalho". Mas não me convenço totalmente, pois o dono da terra é candidato nas próximas eleições: não me assustaria que tenha tomado seus cuidados para não ser envolvido em qualquer escândalo desse tipo" . Pois é: o Brasil está em guerra declarada contra o trabalho escravo, que atinge 25.000 pessoas no país. "Infelizmente, a história é muitas vezes a mesma, explica Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra de Araguaína, no Estado do Tocantins. Trabalhadores rurais pobres do nordeste, sem alternativa de sustento para suas famílias, vêm para essas regiões amazônicas (Pará, Mato Grosso, Tocantins) em busca de serviço. As fazendas da região têm grandes necessidades de mão-de-obra, especialmente para desmatar.". Ao chegarem à cidade, são aliciados por um "gato", intermediário pago pelo fazendeiro. Este paga-lhes as dívidas de hospedagem na pensão, promete farto salário e leva os para a propriedade. Ali as coisas desandam. Sua carteira de trabalho fica retida e são forçados a trabalhar jornadas de 12 horas. Tudo é feito para endividá-los: têm que pagar pelas ferramentas ou pela alimentação a preços definidos pelo fazendeiro, e o salário não é suficiente para cobrir as despesas. Ameaçados, têm quase nenhuma possibilidade de escapar. Onde poderiam ir se a primeira localidade fica a duas horas de caminho? Um balanço mitigadoJá são treze anos que o governo brasileiro tenta combater este fenômeno e "desde a criação do Grupo Móvel em 1995, mais de 30.000 trabalhadores já foram libertados", explica Marcelo campos, o Coordenador do grupo de intervenção. Um balanço que precisa ser relativizado. "Uma denúncia entre duas fica sem fiscalização", explica Xavier Plassat. Primeiro porque seriam necessários meios enormes para solucionar o problema, mas também porque o governo carece de uma posição clara na questão. A agricultura está no bojo do desenvolvimento econômico atual do país. Os grandes proprietários de terra têm um sentimento de total impunidade, já que contribuem diretamente nesta expansão". Os escândalos estouram periodicamente na região, com políticos acusados de desmatamento ou de prática do trabalho escravo […]

O formidável desenvolvimento agrícola do país esconde uma realidade pouco conhecida.

Por Alexandre Zalewski

Rondon, no Estado do Pará – A equipe do grupo de intervenção móvel do ministério do trabalho (Grupo Especial de Fiscalização) se prepara para sair rumo à fazenda São José, a cerca de 2 horas da cidade, em estrada de chão. "Não sabemos exatamente o que iremos encontrar, explica o coordenador da equipe, Gulherme Moreira. Recebemos uma denúncia de um trabalhador agrícola, uns 3 meses atrás mas; de lá para cá, não recebemos mais notícias." Dois 4X4 da Policia abrem o caminho. Dentro levam quatro policiais carregando armamento pesado. "Precisamos agir ligeiro: bastaria um telefonema e o flagrante vai por água baixa", explica o Gulherme, Chegados à fazenda, os funcionários do ministério do Trabalho pedem ao gerente para serem conduzidos até os barracos onde são alojados os trabalhadores. Subimos de novo nos 4X4.

Espiral infernal
Precisamos andar mais 20 minutos em pista de chão toda esburracada até chegar a uma casinha precária. Nela, em dois cômodos com 10m2, onde dormiriam, na rede, uns 30 trabalhadores. No fundo, no canto, uma cozinha preta de tão suja. O que um dia já foi banheiro está inutilizável. Os fiscais interrogam os trabalhadores presentes no local. Olhares furtivos, palavras hesitantes. "Aqui está bom", conta José Manuel, um trabalhador com idade indefinida, seu boné enfiado na cabeça. "Fui contratado há dois meses. O salário é R$ 400 (€ 150) por mês e a alimentação é por conta do fazendeiro". "Aqui nesta fazenda, não é trabalho escravo no sentido estrito, sinaliza o Guilherme , um tanto nervoso. Só poderemos autuar por ‘condições degradantes de trabalho". Mas não me convenço totalmente, pois o dono da terra é candidato nas próximas eleições: não me assustaria que tenha tomado seus cuidados para não ser envolvido em qualquer escândalo desse tipo" . Pois é: o Brasil está em guerra declarada contra o trabalho escravo, que atinge 25.000 pessoas no país.

"Infelizmente, a história é muitas vezes a mesma, explica Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra de Araguaína, no Estado do Tocantins. Trabalhadores rurais pobres do nordeste, sem alternativa de sustento para suas famílias, vêm para essas regiões amazônicas (Pará, Mato Grosso, Tocantins) em busca de serviço. As fazendas da região têm grandes necessidades de mão-de-obra, especialmente para desmatar.". Ao chegarem à cidade, são aliciados por um "gato", intermediário pago pelo fazendeiro. Este paga-lhes as dívidas de hospedagem na pensão, promete farto salário e leva os para a propriedade. Ali as coisas desandam. Sua carteira de trabalho fica retida e são forçados a trabalhar jornadas de 12 horas. Tudo é feito para endividá-los: têm que pagar pelas ferramentas ou pela alimentação a preços definidos pelo fazendeiro, e o salário não é suficiente para cobrir as despesas. Ameaçados, têm quase nenhuma possibilidade de escapar. Onde poderiam ir se a primeira localidade fica a duas horas de caminho?

Um balanço mitigado
Já são treze anos que o governo brasileiro tenta combater este fenômeno e "desde a criação do Grupo Móvel em 1995, mais de 30.000 trabalhadores já foram libertados", explica Marcelo campos, o Coordenador do grupo de intervenção. Um balanço que precisa ser relativizado. "Uma denúncia entre duas fica sem fiscalização", explica Xavier Plassat. Primeiro porque seriam necessários meios enormes para solucionar o problema, mas também porque o governo carece de uma posição clara na questão. A agricultura está no bojo do desenvolvimento econômico atual do país. Os grandes proprietários de terra têm um sentimento de total impunidade, já que contribuem diretamente nesta expansão". Os escândalos estouram periodicamente na região, com políticos acusados de desmatamento ou de prática do trabalho escravo nas suas propriedades. "Na outra ponta da corrente, a reforma agrária prometida por Lula está parada. Deste jeito, como garantir um futuro para trabalhadores agrícolas que não têm acesso à terra? " protesta Xavier Plassat.

"Lista suja"
Mesmo assim as coisas andam aos poucos: uma "lista suja" das fazendas flagradas está sendo publicada. As mesmas perdem o direito a subsídios públicos durante dois anos e empresas como Wal-Mart ou Carrefour têm assumido o compromisso de excluí-las do rolo de seus fornecedores, mas não faltam ainda as lutas a ser travadas "Nós estamos circulando um abaixo-assinado para que uma proposta de lei que autoriza a expropriação das terras de proprietários flagrados com trabalho escravo seja aprovada pelo Congresso até novembro, explica Xavier Plassat. Não é por já começar a termos resultados que vamos relaxar a pressão".

>> Para assinar o abaixo-assinado: www.reporterbrasil.org.br/petition
>> Para apoiar a CPT, doações podem ser dirigidas a: CPT/Brasil sem escravos, Cefal (Coordenação intercâmbio França-América latina) – 58 avenue de Breteuil – 75007 PARIS


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