Nas últimas quatro semanas, famílias da comunidade quilombola do Grotão, localizada a cerca de 100 km do centro do município de Filadélfia (TO) estão abrigadas no chão duro de uma quadra esportiva. Despejadas dos territórios ocupados tradicionalmente por seus ascendentes, elas amargam o desamparo desde 8 de outubro. Entre os desalojados, há 20 crianças e duas grávidas – algumas pessoas têm deficiência. Eles contam com a ajuda de um vereador local que "empresta" a cozinha de sua casa para o preparo das refeições.
"Peço que a Justiça ande rápido. O que a gente espera é retornar ao nosso lugar", prega a líder comunitária Maria Aparecida Gomes Rodrigues, em tom de desolação. Ela conta que ouviu compromissos da Ouvidoria Agrária Nacional e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de que trabalhariam no sentido de buscar pelo menos o retorno temporário dos quilombolas às suas terras (tentando a reversão da liminar de reintegração de posse) e no sentido de transferir o processo de disputa territorial para a Justiça Federal, instância competente para julgar questões relativas aos quilombos. "Mas por enquanto continuamos no mesmo sofrimento", completa Maria.
As providências citadas por ela foram acertadas em audiência pública ocorrida na quarta-feira passada (29), ocasião em que a certidão de autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares no último dia 15 de outubro foi repisada. No mesmo encontro, a professora Helena Mendes, da Faculdade Católica de Araguaína, confirmou que um estudo antropológico da instituição concluiu que a comunidade quilombola Grotão vive na área da Fazenda Morro Redondo há cerca de 200 anos.
A assessoria de imprensa do Incra admite que o órgão, por meio de sua procuradoria, "tem obrigação legal de defender essas comunidades, no tocante à questão fundiária". "Durante o processo de titulação, o Incra garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras", completa a assessoria, citando o Art. 15 do Decreto 4887/2003.
Com relação ao caso específico da comunidade Grotão, o Incra também promete providenciar um antropólogo para elaborar estudo acerca do reconhecimento do território como quilombo. A Ouvidoria Agrária afirma, por sua vez, que funcionários da regional acompanham o caso de perto.
Denúncias de violências
Segundo o relato das famílias despejadas, houve atos de truculência, abuso de autoridade e até demonstrações de racismo durante a operação que "varreu" as pessoas do local. Dois oficiais de Justiça e cerca de 30 policiais militares – incluindo integrantes do Comando de Operações Especiais (COE) – chegaram à comunidade dando ordens para que os moradores deixassem a área de súbito, em cumprimento ao despacho de 21 de agosto assinado pelo juiz Edson Paulo Lins, da Vara Única da Comarca de Filadélfia (TO). No despacho de 21 de agosto, o juiz deliberou pela desobstrução da área em favor do casal Marcelo e Daniela Carvalho da Silva, integrantes de uma outra família local que entrou na Justiça em 2006 reivindicando a titularidade da área.
O aviso prévio (exigência da lei em casos como esse) não foi feito e os agentes estatais que participaram da ação exigiram a retirada imediata dos pertences dos moradores de seus lares. Na correria, animais de criação – porcos, cavalo, galinhas, peru, etc. – foram deixados para trás; parte da produção de mandioca não pôde ser colhida e ficou debaixo da terra.
Ao todo, sete casas foram derrubadas e incendiadas durante a ação. Os oficiais e a PM contaram com a "colaboração" do irmão da beneficiária da reintegração de posse e de um funcionário contratado pelo mesmo. Ambos atuaram diretamente na destruição das moradias com motosserras (sem se importar com casos de desmaios e manifestações de desespero das crianças) e no transporte dos integrantes para longe das terras.
Primeiro, as famílias foram levadas dentro de um micro-ônibus até Bielândia, povoado mais próximo do centenário quilombo. No mesmo dia, a mãe da beneficiária da liminar alugou uma van para levar as famílias de Bielândia até o centro de Filadélfia. Já na cidade, sem ter onde ficar, foram conduzidas a uma quadra esportiva sem nenhuma estrutura por determinação dos próprios oficiais que promoveram a retirada das pessoas do Grotão.
Apenas dois lotes de 50 hectares dos anciãos quilombolas Raimundo José de Brito, 69, e Cirilo Araújo de Brito, de 78 anos, foram preservados pela determinação judicial, que reconheceu o direito de posse dos moradores mais antigos. As famílias afastadas são todas de descendentes dos dois. "No dia 14 de outubro, por volta da meia-noite, foi jogada uma bomba caseira na quadra onde as famílias estão despejadas", relata Edmundo Rodrigues Costa, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha a questão.
Preocupado com o estado de saúde do avô, Donizete Oliveira Reis, neto de Cirilo e sobrinho de Maria Aparecida, retornou para dar suporte ao patriarca, que tem problemas de saúde e ainda estava abalado com a expulsão dos parentes. Enquanto visitava o avô, Donizete acabou sendo preso no dia 21 de outubro sob acusação de porte ilegal de arma. "A polícia conta que ele estava portando uma arma, mas na verdade ele estava deitado na rede e a arma artesanal que eles encontraram pertence a um militar aposentado que mora distante", declara Maria Aparecida. De acordo com seus familiares, o jovem preso ainda foi vítima de espancamento e teve que ser examinado por um médico. "Ele foi ouvido no 1º Distrito Policial de Araguaína e logo depois encaminhado para a cadeia púbica de Filadélfia. Até o momento não temos mais informações de como ele se encontra", frisa Edmundo, da CPT.
Na audiência pública da semana passada, o representante da Ouvidoria também assumiu a incumbência de conversar com o defensor público para o acompanhamento do caso de Donizete, além de anunciar uma visita ao território da comunidade Grotão para ver averiguar a denúncia de que Raimundo também teria sofrido agressão dos policiais. A CPT e a comunidade também pedem a garantia da segurança para os dois anciãos (Cirilo e Raimundo) que tiveram suas posses reconhecidas e que permanecem desamparados na área.
Passado e presente
Em 1984, demarcação do Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat) conferiu terras para Cirilo, Raimundo e um outro pioneiro chamado Sabino, que veio a falecer anos depois. Portando o atestado do Getat, Cirilo e Raimundo deveriam fazer o registro em cartório dentro do prazo de quatro anos para dar prosseguimento à legalização das terras, mas esse registro acabou sendo feito por outras pessoas que venderam títulos do território quilombola para a família de Daniele e Marcelo. O casal entrou na Justiça pedindo a desobstrução da área e foi atendido pelo juiz Edson Paulo Lins que, por sinal, já não atua mais na Vara Única de Filadélfia. O magistrado despacha na Vara de Precatórios, Falências e Concordatas de Araguaína (TO) desde setembro, saiu de férias e voltará apenas em 15 de novembro.
Segundo membros da CPT que acompanham o caso, familiares de Daniele alegam possuir um relatório técnico assinado por um funcionário do Incra que caracteriza a área como posse e não como território quilombola. A comunidade, por sua vez, entrara, por meio de ação da Defensoria Pública, com uma solicitação na Vara de Filadélfia para que as famílias fossem autorizadas a permanecer nas imediações das casas de Cirilo e Raimundo, uma vez que todos guardam vínculos familiares.
Casos como vem ocorrendo no Brasil todo, sinaliza Luciana Valéria Gonçalves, advogada da Diretoria de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares. Representações de vários entes públicos (Ministério Público, organismos federais e estaduais) devem ser apresentadas para garantir que o caso de Grotão seja analisado na esfera federal, prevê Luciana.
Ela esclarece que a disputa é acirrada nessa fase de titulação, dado que esse direito ainda é relativamente novo. Para garantir o mínimo de proteção a esse público vulnerável, o Programa Brasil Quilombola – combinação de políticas públicas sociais (saúde, educação, etc.) – está sendo estendido também para comunidades ainda não plenamente reconhecidas. Não importa que a certidão concedida pela fundação tenha saído depois da liminar, pois o documento apenas ratifica uma proteção constitucional, acrescenta a advogada.
Até hoje, 87 territórios quilombolas foram titulados, garantindo o território para 144 comunidades – com cerca de 8,9 mil famílias. Em 1º de outubro deste ano, o Incra publicou a Instrução Normativa nº 49/2008, que definiu mudanças nos procedimentos para a regularização das terras quilombolas e foi criticada por organizações ligadas aos quilombolas. Houve inclusive denúncias de que o instrumento legal desrespeita o direito a auto-identificação contido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na análise das entidades civis, a mudança torna o processo mais burocratizado, menos eficiente, mais oneroso e, conseqüentemente, mais difícil de ser concluído.
Antes da alteração, o procedimento não tinha vinculação com a certidão da Fundação Cultural Palmares, que também passou a exigir um "relato sintético da trajetória comum do grupo" e a prever a realização de eventual "visita técnica à comunidade no intuito de obter informações e esclarecer possíveis dúvidas" (conforme artigo 3º, da Portaria 98/2007 da fundação). O Incra agora não titula sem a certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos. Apenas para a etapa de contestação administrativa, a nova norma concede um prazo de até nove meses.
A assessoria de imprensa do Incra sustenta que "não é possível definir em quanto tempo se titula uma comunidade quilombola" porque "cada processo tem suas peculiaridades, envolvendo questões diversas". Para a entidade, as principais dificuldades para a conclusão do processo se relacionam à reunião de documentos que comprovem a permanência desses remanescentes e de seus antepassados, bem como a definição precisa do espaço geográfico que cada comunidade efetivamente ocupa. Monitoramento da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) mostrou que, em setembro de 2008, 89% dos 610 processos abertos no instituto aguardavam pelo relatório de identificação.
Por liminar se garante a pernmanência deles na área, porém há que se verificar a qualidade real de “quilombolas” uma vez que temos visto comunidades assentadas em áreas quilombolas e nem sabem o que é isto e nem o que foi a escravidão.
Não podem ser expulsos em qualquer circunstância, pois são seres humanos e o mínimo, não sendo quilombolas, é o Governo garantir-lhes lugar decente para morar!
Tanir Lopes – Valinhos – SP-
Voltou o homem a origem das amebas, perdendo movimento, faculdades e raciocínios? Não sentem vergonha pela perda voluntária, de tempo da consciência bestial de suas incompreensões? As comunidades quiombolas encontram-se nos anais da história, “Ser ou não Ser”, não importa, são vidas ocupando um mesmo espaço com créditos incomensuráveis pelas violências causadas pelos guantes de ontem e de hoje na mestria crônica de subversão de valores solapado nas leis Constitucionais. Ousam a consciência reiterar a velha pergunta “CAIM QUE FIZESTE AO TEU IRMÃO?”
Importante alerta e excelente matéria! Vamos acompanhar… Abs, Juliana
Como o casal Daniela e Marcelo, compraram a terra sem averiguar de quem de fato era a posse, o direito? Eles que vão atrás do prejuízo e deixem a comunidade quiilombola em paz, no que é seu por direito, pois há mais de 200 anos eles vem ocupando a terra em questão. Eles tinham por obrigação saber os reais donos se faziam um negócio de boa fé. Se não procuraram saber, qual objetivo teriam? Quanta ganância e desumanidade deste casal, e quanta injustiça desse juiz que concedeu a liminar!!!
ainda não deixaram a comunidade quilombola em paz, os “fazendeiros” “que se dizem propietarios da area” continuam soltando gado dentro das plantações para subsistência que os quilombolas esta tentando reconstruir.
um absurdo
Notícia de 2008? Não estou entendendo nada. Alguma coisa foi resolvida? Repórter Brasil têm conhecimento de como está à Comunidade, hoje? Repórter Brasil têm conhecimento do porquê a notícia está repetindo, tal qual em 2008?
Concordo plenamente que as comunidades quilombolas, verdadeiramente reconhecida pelas entidades competentes para isso.
Eles tem o direito de ter uma vida mais justa e digna e também que esse povo seja amparado pelo governo, tendo em vista ter esse um compromisso social de oferecer dias melhores para esse povo, para tentar apagar da historia as atrocidades que foi feito com essa gente no passado, esse tipo de atitude oferecida pelo governo, reconhecendo essas comunidades e lhe dando terras e um novo horizonte de vida, é mais que justo.
O que não é correto, e o tanto de aproveitadores que estão se valendo desse reconhecimento dessas comunidades, para acabar com o direito do particular.