Por Jean-Pierre Tuquoi
Uma casa monástica. A expressão vem à mente ao ver as paredes nuas, revestidas de cal, as estantes feitas de tijolos e tábuas de madeira, a cozinha que não é, o lava-roupa manual … No caso, a comparação não é abusiva: trata-se de um monge, um dominicano de 59 anos, Xavier Plassat, que vive numa casa simples em Araguaína, uma pequena cidade brasileira do estado do Tocantins, no centro do país, às margens da Amazônia.
ITINERÁRIO
1950 – Nascido em Roost-Warendin, perto de Douai (Nord).
1970 – Graduação em Sciences Po Paris.
1971 – Ingressa na ordem dominicana.
1983 – Primeira visita ao Brasil, onde se estabelece em 1989.
1997 – Início da campanha contra o trabalho escravo.
2008 – Recebe no Brasil o Prêmio Nacional de direitos humanos.
O frei Plassat é um caso especial. Vinte anos atrás, já membro da ordem religiosa, este filho de uma boa família católica, repleto de diplomas, quebrou as amarras e deixou a França, seu país natal, para uma vida "austera, porém gratificante", a serviço de uma causa: a dos trabalhadores sem terra e dos diaristas presos nas grandes fazendas, aqueles que no Brasil, pudicamente, são chamados de trabalhadores escravos. "Gosto de me engajar nas lutas do século, tomar posição, diz ele. Precisa saber subverter a ordem estabelecida. Ajudar os sem voz para falar em pé de igualdade com os poderosos ".
Por que o Brasil? A rota do dominicano remete a um capítulo sombrio da história do país, quando este estava sob a bota dos militares que perseguiam os adversários. Entre estes, justamente mais um dominicano, Tito de Alencar, que, depois de submetido à tortura por meses a fio, encontrara asilo na França onde, sem nunca se recuperar dos tormentos sofridos, cometeu suicídio em 1974, aos 28 anos. Ao organizar o traslado dos
restos daquele que tinha se tornado seu amigo, Xavier Plassat conheceu pela primeira vez a sua futura terra de adoção.
De lá para cá, os tempos mudaram, mas, nesta parte do Brasil – uma área que equivale à metade da França -, o frei Plassat está em terra de missão. Coberta por uma savana arborizada, a região vive como se vivia antigamente no Faroeste. Imensas fazendas, com área média contada em milhares de hectares, são as referências nesta paisagem plana, e rebanhos de gado – o principal produto exportado – o marco da riqueza. O respeito pela lei é um conceito relativo. Os proprietários são os senhores. E os trabalhadores rurais uma mão-de-obra explorável a contento. Trabalham duro para ganhar o equivalente a 7 ou 8 euros por dia. O seu sonho resume-se a poder um dia lavrar seu próprio pedaço de chão, o qual necessariamente terá que ser arrancado ao latifúndio.
O religioso é o aliado deles. Quer denunciando às autoridades federais a superexploração destes trabalhadores não organizados, quer exigindo a efetivação da reforma agrária. O dominicano aí está, com eles, assim como estava antigamente Bartolomé de las Casas, este capelão dos conquistadores do século 16 que acabou assumindo a defesa dos Índios da América. "Um dos meus inspiradores. Ele também era um dominicano ", observa Xavier Plassat, vestindo uma camiseta celebrando a "aliança entre os trabalhadores da terra e os estudantes "
Em meados de dezembro, o dominicano foi agraciado pela Presidência da República do Brasil com o Prêmio Nacional de direitos humanos. Algumas semanas antes, uma ONG americana, a Free the Slaves ("Libertem os Escravos"), recompensara o trabalho da entidade animada por Xavier Plassat, a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
"Um prêmio, isso dá proteção. Serve também para isso", comenta o religioso. A observação não é casual. A poucas centenas de quilômetros de distância, outro dominicano, Henri Burin des Roziers, também defensor dos excluídos do desenvolvimento, vive dia e noite sob proteção policial. Em 2005, uma freira americana, também agente da CPT, Dorothy Stang, foi assassinada por dois pistoleiros, nesta mesma região. Foi à sua memória que a Pastoral dedicou o prêmio recebido da ONG norte americana.
Apesar dos prêmios e do início de notoriedade que vem junto, Xavier Plassat continua sendo um rebelde. Isso já era verdade na França, na década de 1970, quando o jovem dominicano desistiu de concluir os estudos que poderiam fazer dele um sacerdote. "Acessar ao sacerdócio como se fosse o último grau… É uma visão da Igreja à qual eu não podia consentir. Tinha um bloqueio político, ou teológico. Foi assim que me tornei um chamado "irmão cooperador". Não é muito comum. Na França, são considerados como não muito espertos", diz com gozação este homem que passou por Sciences Po, é licenciado em ciências econômicas e tem diploma de auditor financeiro.
Quarenta anos depois, ele continua desafiando a ordem estabelecida. Quando fala do Lula, o chefe do Estado brasileiro – cujas mãos ele apertou na ocasião da entrega do prêmio nacional de direitos humanos – é sem especial amenidade. Mesmo creditando-lhe vontade política para lutar contra a escravidão moderna, Xavier Plassat não alimenta ilusões sobre as opções fundamentais do seu governo. "Não há nenhum questionamento em relação ao modelo de desenvolvimento", diz ele, sentado no seu escritório ornamentado com um pôster do Che.
Achando-se à vontade na teologia da libertação, nascida no final dos anos 60, o religioso é bem mais severo quando fala da Igreja oficial e de seus dirigentes na região. Ele critica-lhe o retrocesso, a defesa dos ricos, o esquecimento dos pobres. "Ela não tem mais palavra, a não ser a de uma obediência a regras questionáveis." Ele observa que, de uns anos para cá, Roma preferiu enviar para esta região bispos cuja principal preocupação é não fazer barulho. "Eis uma igreja que quer "fazer sacramentos" como forma de contrariar o desenvolvimento dos pentecostais. Sinto-me mais e mais desconfortável".
O desamor poderia acabar em divórcio? "Não, afirma uma de suas amigas na França, Dominique Marcon. Mas este é um homem de convicção. Ele quer avançar. De ficar ao lado dele antes de sua partida para o Brasil, eu entendi o que é um religioso engajado no século". Mesmo sem separação em vista, o distanciamento é real.
A Igreja oficial mantém distância com uma Comissão Pastoral da Terra considerada com cheiro de pólvora, a mesma Igreja que a havia levado à pia batismal nos anos 70, na era da ditadura. "Hoje, constata o dominicano, nos fica cada vez mais difícil conseguirmos ser tratados como entidade vinculada à Igreja. Deixamos de receber convite para a Assembléia pastoral da diocese. Alguns nos consideram como uma ONG, laica".
Mantida à distância, a Comissão Pastoral da Terra tem dificuldade crescente para equilibrar um orçamento já restrito. Algumas entidades de cooperação da Europa do Norte mandam recursos, mas não o suficiente. A CPT vive apertada.