Por que é que vocês têm tanto medo da gente?", quer saber João Pedro Stedile, do MST. A poucos metros de sua cabeça paira um helicóptero da Força Nacional de Segurança, soldado empunhando fuzil à porta. O ruído ensurdecedor da máquina não permite que se escute qualquer resposta. À frente de Stedile está José Rogério de Paula e Silva, gerente-geral de operações das minas de ferro e manganês da Vale. O diálogo se dá no mirante da lavra denominada "N5", uma das cinco de onde se extrai minério de ferro dentro da área da Floresta Nacional de Carajás, no sudeste do Pará.
Além do helicóptero, paira no ar de Carajás um histórico recente de confrontos entre o MST e a Vale. O movimento social é contrário às grandes corporações e prega a reestatização da empresa como forma de devolver riquezas e soberania ao Brasil. Nos últimos dois anos, realizou ou apoiou diversos "atos", no seu entender, em instalações da Vale. Esta, por sua vez, contabilizou oito "ataques", no seu entender, que paralisaram o escoamento do minério de ferro por trilhos em Minas Gerais e no Pará.
A indisposição arrasta-se. Em março de 2008, a empresa conseguiu na Justiça do Rio de Janeiro uma liminar que proíbe o MST e, nominalmente, Stedile de incitar ou promover atos violentos ou a interrupção de serviços. Sob pena de multa de 5 mil reais por evento. Stedile recorreu, e o processo não terminou.
Apesar das rusgas, a tentativa de um encontro amigável entre o principal líder do MST e um representante da gigante mineradora aconteceu durante o Fórum Social Carajás, evento que encheu quatro ônibus com participantes de ONGs, movimentos sociais, pesquisadores e jornalistas de 37 países para conhecer as atividades econômicas em curso na região. Realizado dias antes do Fórum Social Mundial (em Belém), o Fórum Carajás foi organizado pela Via Campesina, pelo MST e pela prefeitura de Parauapebas, cidade onde fica o empreendimento da Vale.
O prefeito, Darci Lermen, participou do esforço diplomático. Disse terem sido necessárias dez reuniões entre a prefeitura e a mineradora. "Deu muito trabalho. Eles queriam que entrasse só um ônibus, temiam pela segurança", diz. Ao fim, quatro ônibus de convidados visitaram a área de operação da empresa, acompanhados de perto por 70 homens da Força Nacional de Segurança – determinação que passou ao largo do conhecimento do prefeito. "Eu nem sei por que a Força está aí."
A Vale nega ter pedido a presença do grupamento. "O policiamento foi solicitado pelos organizadores do Fórum, entre os quais a prefeitura de Parauapebas", disse, em nota.
A Floresta Nacional de Carajás fica a 650 metros de altitude, tem 411 mil hectares, dos quais 3% são ocupados pela mineração e infraestrutura, informa Claudete Julianelli, relações-públicas da Vale. Ela entrou no ônibus, logo após as placas indicarem a "Floresta Nacional de Carajás". Ao microfone, dá informações ao grupo. "A terra? É da União, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em parceria com a Vale." Enquanto fala, os ônibus percorrem 35 quilômetros de mata preservada, a caminho das minas. Os estrangeiros pedem para que se desligue o ar-condicionado, para abrirem as janelas, pois querem sentir "o cheiro do mato". São atendidos.
Um helicóptero e pelo menos duas caminhonetes acompanham o comboio. Após 45 minutos de asfalto coberto por poeira cor de ferrugem, os ônibus estacionam antes de outro portal, "Bem-vindo ao Complexo Industrial de Carajás". Todos são informados de que terão de descer e trocar de veículo. Soldados armados com fuzis monitoram a baldeação. No novo ônibus, Claudete busca tranquilizar o grupo: "Os motoristas que estão nos levando agora conhecem melhor o trajeto, que é perigoso". Na troca de ônibus, aparece um segundo anfitrião, o analista ambiental do ICMBio Edílson Esteves, que dá outra versão: "Não há área de risco no percurso. A gente (o ICMBio) nem sabia da Força Nacional. Não precisava de nada disso".
Do lado de fora do ônibus, como era previsível, a paisagem se transforma rapidamente. Somem as árvores e o "cheiro de mato", entram o maquinário pesado, as montanhas de terra e rejeito comuns em área de mineração. Em instantes os ônibus chegam à N5. O piso é um cascalho cor de ferrugem, formado por pedrinhas que se dissolvem na mão. Do mirante, ladeado por homens da Força Nacional armados, é possível ver os desníveis na terra, que começa vermelha até ficar quase preta, e os caminhões off-road a retirar o material escavado.
Diariamente, quase 300 mil toneladas de minério de ferro saem de Carajás. Em 2008 foram 96,5 milhões de toneladas, que acrescentaram quase 16,5 bilhões de reais à balança comercial brasileira. No mesmo ano, a Vale investiu 909 milhões de dólares em projetos de proteção e conservação ambiental, informa o folheto publicitário distribuído a todos. Em Carajás, 6 mil funcionários trabalham em turnos alternados, 24 horas por dia.
Na área do mirante, além de Silva, há outros dez funcionários da empresa. Todos usam uma camisa verde-água e um crachá de identificação. Tentam ser prestativos, embora não escondam o receio de que algo saia do script. Por sua vez, os visitantes permanecem entre arredios e curiosos. Passada a comoção inicial de quem desconhece uma lavra de mineração, começam as fotos de recordação. Como se estivessem num ponto turístico, vários grupos se reúnem e posam, com a mina ao fundo.
É neste clima que o gerente-geral de operações faz uma explanação sobre o trabalho da empresa. Silva é um homem corpulento, de pele rosada e sotaque mineiro. Os dois, Stedile e Silva, vieram de longe para terminar ali, de pé, em frente a um barranco de minério de ferro, cercados de militantes e jornalistas. Silva sua muito e o calor paraense não parece ser o único motivo. Alerta, busca sempre mencionar a geração de empregos e o trabalho de recuperação ambiental.
Via assessoria de imprensa, a Vale disse considerar a visita importante e produtiva para mostrar as iniciativas ambientais, como o fato de a Floresta Nacional de Carajás "ser a maior ilha de floresta primária no sudeste do Pará, circundada pelo desmatamento ilegal e predatório".
À pergunta de Stedile, "Por que é que vocês têm tanto medo da gente?", Silva responde, mineiramente: "Eu não tenho medo de ninguém, não". Só faltou o "sô". Apesar da tensão, incentivada pela presença do helicóptero, que, a essa altura, dá rasantes, o representante do MST e o da empresa são cordiais. Logo estão falando de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, terra de um e de outro. Entre a formalidade e o mal-estar, termina a excursão, que contou com uma rápida visita a um zoológico mantido pela empresa.
O helicóptero, enfim, se vai. O conflito permanece.