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Trabalho escravo: Verba para erradicação cai 27% em 2010

Nos últimos sete anos, 30.309 pessoas foram retiradas de situações subumanas de trabalho em todo o país, uma média de 4,3 mil por ano. Sobrecarregadas com uma jornada exaustiva ou degradante, estas pessoas eram forçadas a trabalhar, em muitos casos para pagar uma dívida. Nesta quinta-feira (28), o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo foi lembrado pela primeira vez; a data passou a integrar o calendário nacional este ano. Ocorre que no primeiro momento de comemoração, uma notícia nada festiva: a verba do programa de "erradicação do trabalho escravo" caiu 27% em 2010. Na Lei Orçamentária Anual de 2009 o programa que visa coibir a prática de exploração do trabalho escravo contava com um orçamento de quase R$ 18 milhões. Já na peça orçamentária deste ano, a verba autorizada é de R$ 13,2 milhões, ou seja, R$ 4,8 milhões a menos para serem aplicados em ações de fiscalização e assistência a trabalhadores vítimas de trabalho escravo. Com os reajstes na verba do programa ao longo do ano de 2009, o orçamento passou a ser de R$ 11,7 milhões. Mesmo após o decréscimo, ao final de dezembro os recursos aplicados no programa chegaram a 75% do orçamento reajustado previsto. Do valor autorizado para atividades do programa, R$ 8,8 milhões foram efetivamente desembolsados, incluindo os restos a pagar, dívidas não pagas em um ano que são roladas para exercícios seguintes. Se forem considerados os empenhos (reservas no orçamento) sob o valor pago, o percentual sobe, vai para 96%. Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Alessandro Bernardino, as políticas públicas voltadas para a erradicação do trabalho escravo ainda não têm atingido os objetivos de forma plena. "A lógica econômica ganha um grau de sofisticação cada vez mais elevado e é preciso estar atento também com novas técnicas de fiscalização", diz. Os dois principais entraves à fiscalização efetiva, segundo o professor, são a falta de clareza do Judiciário e dos órgãos de governo sobre o início do processo análogo à escravidão nas fazendas inspecionadas e a falta de penalização criminal e civil, com a impossibilidade real de receber crédito de programas assistenciais. "Todo empresário ou fazendeiro tem necessidade de créditos do governo para fazer plantio, comprar equipamentos, etc. Se quando for configurada uma situação análoga à escravidão o crédito for cortado, acaba sendo mais eficiente do que a prisão, porque sem crédito não há como manter a fazenda", explica. Desde 2004, o governo criou um cadastro onde figuram empregadores flagrados praticando exploração de trabalhadores. Apelidado de "Lista suja", hoje, o cadastro reúne 162 estabelecimentos que ficam impedidos de receber empréstimos apenas em bancos oficiais do governo. O cadastro também é utilizado por indústrias, varejo e exportadores para a aplicação de restrições e impedimento de comercialização. Dados do Ministério do Trabalho apontam que entre 2003 e 2009 o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, vinculado ao órgão, realizou um total de 740 operações, com a inspeção de 1.671 estabelecimentos, com 20.704 autos de infração lavrados e o pagamento de R$ 49,5 milhões em indenizações trabalhistas. O grupo móvel de fiscalização é composto por auditores fiscais do Ministério do Trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal. Em 2005, quando foi criado, era formado por três equipes. Em 2009, mais de uma década depois, o grupo já conta com oito equipes e envolve 101 auditores fiscais do trabalho, sendo 15 coordenadores e subcoordenadores de equipes. Especificamente para a ação "fiscalização para erradicação do trabalho escravo", que oferece suporte as ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), estavam previstos R$ 5,6 milhões no orçamento do ano passado. Deste valor, […]

Nos últimos sete anos, 30.309 pessoas foram retiradas de situações subumanas de trabalho em todo o país, uma média de 4,3 mil por ano. Sobrecarregadas com uma jornada exaustiva ou degradante, estas pessoas eram forçadas a trabalhar, em muitos casos para pagar uma dívida. Nesta quinta-feira (28), o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo foi lembrado pela primeira vez; a data passou a integrar o calendário nacional este ano. Ocorre que no primeiro momento de comemoração, uma notícia nada festiva: a verba do programa de "erradicação do trabalho escravo" caiu 27% em 2010.

Na Lei Orçamentária Anual de 2009 o programa que visa coibir a prática de exploração do trabalho escravo contava com um orçamento de quase R$ 18 milhões. Já na peça orçamentária deste ano, a verba autorizada é de R$ 13,2 milhões, ou seja, R$ 4,8 milhões a menos para serem aplicados em ações de fiscalização e assistência a trabalhadores vítimas de trabalho escravo.

Com os reajstes na verba do programa ao longo do ano de 2009, o orçamento passou a ser de R$ 11,7 milhões. Mesmo após o decréscimo, ao final de dezembro os recursos aplicados no programa chegaram a 75% do orçamento reajustado previsto. Do valor autorizado para atividades do programa, R$ 8,8 milhões foram efetivamente desembolsados, incluindo os restos a pagar, dívidas não pagas em um ano que são roladas para exercícios seguintes. Se forem considerados os empenhos (reservas no orçamento) sob o valor pago, o percentual sobe, vai para 96%.

Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Alessandro Bernardino, as políticas públicas voltadas para a erradicação do trabalho escravo ainda não têm atingido os objetivos de forma plena. "A lógica econômica ganha um grau de sofisticação cada vez mais elevado e é preciso estar atento também com novas técnicas de fiscalização", diz.

Os dois principais entraves à fiscalização efetiva, segundo o professor, são a falta de clareza do Judiciário e dos órgãos de governo sobre o início do processo análogo à escravidão nas fazendas inspecionadas e a falta de penalização criminal e civil, com a impossibilidade real de receber crédito de programas assistenciais. "Todo empresário ou fazendeiro tem necessidade de créditos do governo para fazer plantio, comprar equipamentos, etc. Se quando for configurada uma situação análoga à escravidão o crédito for cortado, acaba sendo mais eficiente do que a prisão, porque sem crédito não há como manter a fazenda", explica.

Desde 2004, o governo criou um cadastro onde figuram empregadores flagrados praticando exploração de trabalhadores. Apelidado de "Lista suja", hoje, o cadastro reúne 162 estabelecimentos que ficam impedidos de receber empréstimos apenas em bancos oficiais do governo. O cadastro também é utilizado por indústrias, varejo e exportadores para a aplicação de restrições e impedimento de comercialização.

Dados do Ministério do Trabalho apontam que entre 2003 e 2009 o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, vinculado ao órgão, realizou um total de 740 operações, com a inspeção de 1.671 estabelecimentos, com 20.704 autos de infração lavrados e o pagamento de R$ 49,5 milhões em indenizações trabalhistas. O grupo móvel de fiscalização é composto por auditores fiscais do Ministério do Trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal. Em 2005, quando foi criado, era formado por três equipes. Em 2009, mais de uma década depois, o grupo já conta com oito equipes e envolve 101 auditores fiscais do trabalho, sendo 15 coordenadores e subcoordenadores de equipes.

Especificamente para a ação "fiscalização para erradicação do trabalho escravo", que oferece suporte as ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), estavam previstos R$ 5,6 milhões no orçamento do ano passado. Deste valor, R$ 3,9 milhões foram, de fato, aplicados. Ou seja, 70% da verba autorizada. A ação prevê a mobilização de grupos especiais de fiscalização móvel nacional e regional atendendo a denúncias ou a planejamento estratégico.

As equipes tentam regularizar os vínculos trabalhistas dos trabalhadores encontrados em condição de "escravidão", com o cumprimento da legislação por parte dos empregadores, inclusive emitindo Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Entre 1999 e 2008, mais de um milhão de trabalhadores rurais receberam carteiras de trabalho e previdência social em decorrência das ações de fiscalização. As equipes móveis também recebem o apoio dos grupos especiais de fiscalização rural das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE), que tem 146 auditores fiscais do trabalho no quadro de empregados.

O trabalhador que é resgatado do trabalho escravo recebe três parcelas do seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo cada. O benefício é pago desde 2002, após a publicação da lei 10.608. Desde o início da concessão, até setembro do ano passado, foram beneiciados 19.566 trabalhadores.

Pecuária concentra trabalhadores
Nos últimos dois anos, a pecuária concentrou o maior número de estabelecimentos em que houve resgate de trabalhadores em situação de escravidão. A atividade econômica pautada na criação de animais compreendeu 38,4% dos locais onde foram registrados trabalhadores nestas condições. Em segundo, com 17,1%, o grupo "produção de lavouras temporárias", que engloba atividades como o cultivo de cana-de-açúcar, cereais e fumo.

Já em relação às unidades da federação, o Rio de Janeiro foi o estado em que a auditoria trabalhista resgatou o maior número de trabalhadores. De um total de 3.419 trabalhadores resgatados no ano passado, 521 estavam no Rio de Janeiro, 15% do total. Foram realizadas no estado três operações com a inspeção de cinco estabelecimentos. Pernambuco ocupou o segundo lugar. Foram resgatados 369 trabalhadores por meio de sete operações em 10 estabelecimentos. Minas Gerais aparece em terceiro lugar, com 364 trabalhadores resgatados em cinco operações em cinco estabelecimentos. Os estados de Rondônia e Acre não tiveram nenhum registro de trabalhadores resgatado.

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
A data foi criada em outubro do ano passado, pela lei 12.064, de autoria do senador José Nery (PSOL-PA). De acordo com o texto da lei, não apenas o dia 28 será lembrado, e sim a semana onde a data estiver incluída.

A data é uma homenagem aos auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira, que foram assassinados em 28 de janeiro de 2004, durante uma vistoria em fazendas da zona rural de Unaí, em Minas Gerais.

Para o professor Alessandro Bernardino, um projeto que tramita no Congresso, que expropria terras onde há trabalhadores em condições subumanas em favor da reforma agrária, poderia causar impacto entre os empresários e fazendeiros e coibir a prática do trabalho escravo. O especialista refere-se à PEC 438/2001, que prevê o confisco de terras onde for constatado trabalho escravo, revertendo à área ao assentamento dos colonos que já trabalhavam na respectiva. Apesar de pronta para a pauta, a proposta ainda aguarda votação no Plenário da Câmara dos Deputados.

A reportagem entrou em contato com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para apurar se os recursos a menos no orçamento deste ano poderiam fazer falta ou até mesmo limitar, de alguma forma, os trabalhos do órgão. Mas, até o fechamento da matéria, o MTE não comentou o assunto.


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