Em entrevista coletiva realizada nesta sexta-feira, 28, em Brasília, a Relatora da Onu sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, Gulnara Shahinian, apresentou dados preliminares a respeito do combate ao trabalho escravo no país. O relatório final deverá ser apresentado em setembro ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, na Suíça.
Gulnara afirmou aos jornalistas que o governo brasileiro está implementando políticas exemplares de combate ao trabalho escravo e destacou a iniciativa do Governo do Maranhão que, em parceria com a sociedade e outras instituições vêm realizando o enfrentamento à essas violações por meio dos Centros de Referência em Direitos Humanos(CRDH).
Segundo a Relatora, o CRDH de Açailândia, que possui ênfase no combate ao trabalho escravo, é um programa abrangente e que pode servir de modelo para outros países. "Percebemos que há um compromisso em tratar o problema, um profissionalismo que merece ser exportado", declarou.
Para o Secretário de Direitos Humanos e Cidadania, Sergio Tamer, o Governo do Estado decidiu "arregaçar as mangas" e enfrentar o problema criando o Centro de Referência, "A Governadora mostra que está preocupada com a questão social no Maranhão e que quer dar uma nova estrutura social no Estado com o objetivo de fazer o desenvolvimento econômico andar passo a passo com o desenvolvimento social", ressaltou.
Segundo Sergio Tamer, a função do Centro vai além de prestar assistência social, jurídica e psicológica aos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão, mas também tem o papel político de articular com as demais secretarias por uma unificação no combate ao trabalho escravo.
"Nenhum órgão ou instituição pode ficar de fora dessa luta, os governos estadual e federal precisam também do esforço do poder municipal", disse Tamer. Em seu pronunciamento, a Relatora endossou essa postura, "as ações devem ser integradas para fortalecer a rede de proteção aos direitos humanos", alegou.
Inaugurado em 12 de abril pela governadora Roseana Sarney, o Centro registrou aumento na procura e, de acordo com Uandra Silva, Assitente Social do Centro, essa é uma prova que a população está confiante no trabalho desenvolvido. "Nosso papel ganha ainda mais respaldo com a atuação conjunta realizada com a sociedade e com nossas parcerias com o Abrigo dos Idosos, os CRAs, CREAs e Conselho Tutelar", reiterou.
"Podemos esperar que o Centro dissemine a cultura do respeito aos direitos humanos para fazer com que a sociedade toda compreenda esse papel e possa participar desse processo de proteção à esses direitos. Os direitos humanos precisam fazer parte do dia a dia das pessoas", reforçou o Secretário.
O perfil do trabalhador no Maranhão
Os trabalhadores recrutados atuam principalmente em plantio de capim, carvoaria, madeireira. A maioria não tem a carteira assinada, nem seus direitos trabalhistas respeitados. Geralmente são homens jovens a partir dos 15 anos de idade embora existam muitos casos de adolescentes na faixa de 11 a 16 anos.
Na maioria das vezes, estão sob forte coação psicológica e vigilância armada, sem condições de higiene e sofrendo maus-tratos. Já tiveram casos em que foram encontradas ossadas humanas que nunca foram identificadas e em alguns casos, gera-se o ciclo de super endividamento em que o trabalhador precisa pagar a própria alimentação e até as ferramentas de trabalho.
Os bairros da Vila Ildemar e Pequiá do município de Açailândia são os maiores emissores de mão de obra escrava da cidade. 40% dos trabalhadores maranhenses encontrados em situação análoga à escravidão são oriundos dessas localidades.
Segundo organizações que trabalham no enfrentamento do trabalho escravo no Maranhão, vários fatores colaboram para os altos índices desse tipo de violência na cidade. Para o coordenador jurídico do Centro de Defesa à Vida de Açailândia, Antônio José Filho, o desemprego, a escassez nas fiscalizações e a impunidade contribuem para a situação continuar.
Impunidade
Segundo o artigo 149 da Constituição Federal, "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador, é crime sob pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
De acordo com a Relatora da ONU, estimativas apontam que, aproximadamente, 27 milhões de pessoas em todo o mundo estão em regime de trabalho forçado e esse número pode aumentar se os empregadores desse tipo de mão de obra não forem punidos.
"Estas ações exemplares correm o risco de serem ofuscadas pela impunidade de que gozam alguns proprietários de terra e empresas. Ainda que penalidades civis tenham sido aplicadas com sucesso, penalidades criminais permanecem sem aplicação", analisou Gulnara.
A Relatora avalia que o Governo Federal pode dar provas à população da seriedade com que trata o problema aprovando a emenda constitucional conhecida como PEC 438/01, que permitiria a expropriação das terras onde fosse encontrado trabalho forçado. "A morosidade para debater essa emenda e a lentidão dos processos a serem julgados é uma falha que precisa ser corrigida urgentemente, escravidão é crime que não pode deixar de ser punido", justificou.
Ações jurídicas
De acordo com informações do Centro de Defesa à Vida de Açailândia, atualmente, existem 27 ações criminais e trabalhistas, mas o número poderia ser ainda maior segundo Antônio Filho, coordenador jurídico do órgão. "Os trabalhadores têm medo de denunciar, pois há ameaças". Segundo ele, os casos em que há processo contra os fazendeiros geralmente são julgados por direitos trabalhistas e dano moral. "Nunca pelo crime de trabalho escravo", concluiu.
Trabalho escravo no mundo
A relatora que passou por três países, Equador, Mauritânia e Haiti, antes de vir ao Brasil, disse que as formas de exploração no país varia de acordo com a região. Em Cuiabá, os relatos de trabalho escravo vem do setor agrícola de algodão, em São Paulo o trabalho forçado urbano acontece com imigrantes nos pólos têxteis e no Maranhão, as denúncias são sobre a exportação dos trabalhadores para outras regiões do país.