Com o fim de MP que protegeu BR 163, governo quer reservas

Com o término da vigência da limitação administrativa provisória, decreto que tornou intocáveis mais de 7 milhões de hectares ao longo da rodovia Cuiabá-Santarém (BR 163) logo depois da morte da Irmã Dorothy Stang, o MMA e o governo do Pará discutem criação de nove áreas de conservação na região
Por Verena Glass
 15/09/2005

O “pacote verde” lançado no Pará pelo Governo Federal logo após o assassinato da religiosa Dorothy Stang, encomendado por grileiros do município de Anapu em fevereiro passado, incluiu uma medida inédita: o decreto de limitação administrativa provisória sobre uma área maior que o estado da Bahia, os arredores da rodovia Cuiabá-Santarém (BR 163), um dos principais focos de desmatamento e conflito fundiário da Amazônia. A medida, cuja vigência termina no próximo dia 23, interditou a região para qualquer nova atividade madeireira, agropecuária ou de mineração, mas agora o Ministério do Meio Ambiente (MMA) deve definir a destinação definitiva da área.

Segundo o MMA, o projeto é criar, em parceria com o Ibama e o Governo do Estado, nove unidades de conservação, divididas nas Florestas Nacional ou Estadual de Trairão, do Amaná, do Crepori, do Iriri e do Jamanxim; os parques Nacional ou Estadual do Jamanxim e do Rio Novo; e a Área de Proteção Ambiental Tapajós. Estas reservas ocupariam áreas nos municípios de Jacareacanga, Novo Progresso, Trairão, Itaituba, Rurópolis e Altamira.

O processo de criação destas áreas se fiará nas consultas públicas que começam nesta sexta (16) em Belém, e terminam no dia 24 em Jacareacanga. De acordo com o diretor de áreas protegidas do MMA, Maurício Mercadante, com base nestas audiências os governos estadual e federal deverão definir os contornos das áreas protegidas o mais rápido possível.

Resultados
Um dos principais impactos positivos que puderam ser detectados já durante a curta vigência da limitação administrativa provisória, explica Mercadante, foi a visível diminuição do desmatamento nas áreas marginais da BR 163. Desde que foi anunciado o asfaltamento da estrada, a perspectiva de que se tornaria um corredor de escoamento de grãos da Amazônia surtiu uma corrida de grilagens e desmatamento ilegal e desenfreado na região. “Isso diminuiu”, garante Mercadante.

Segundo ele, existe a expectativa de incluir nas áreas de floresta nacional/estadual áreas bastante atingidas pelo desmatamento, o que lhes dará mais proteção. As florestas deste tipo aceitam manejo florestal, mas só de forma controlada e legalizada.

Para a ONG ambientalista Greenpeace, a iniciativa do governo é louvável, mas é preciso que o Ibama tenha recursos e condições de fazer a fiscalização das áreas protegidas. Em nota divulgada nesta quinta (15), a ONG afirma que há falta de pessoal em áreas já existentes, como a Floresta Nacional de Altamira, invadida por madeireiros e fazendeiros. “No recém criado escritório do órgão em Novo Progresso, quatro fiscais tinham 1.800 pontos identificados de desmatamento para visitar. Das 14 áreas de conservação existentes na área de influência da rodovia [BR 163] no Pará, oito não possuem sequer um funcionário designado para a unidade”.

Questionado sobre o assunto, Mercadante confirmou que o Ibama tem dificuldades e que a criação de novas unidades de conservação não significa uma suplementação orçamentária. “Quando o governo asfalta uma estrada, não se pergunta de onde vai tirar a verba para a sua manutenção. Para nós, o primeiro passo é criar as unidades de conservação. O Ibama não tem garantia de verbas para novas demandas”.

O argumento de Mercadante de que a simples criação, no papel, das áreas de conservação afasta os grileiros, já que, diante da impossibilidade titulação destas áreas, não há interesse de compra e o preço das terras cai, é aceito pelo Greenpeace, mas a organização avalia que, se faltar madeira no mercado, o papel não protegerá as florestas.

Segundo o coordenador estadual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Tarcisio Feitosa, ainda falta para o governo um projeto sócio-econômico para a região. Segundo ele, medidas de proteção ambiental puras podem acabar prejudicando as comunidades locais que se empregam nas madeireiras e fazendas, e que necessitam alternativas de renda. “Com a interdição da BR 153, o desmatamento realmente caiu. Mas o que vimos foram os trabalhadores das comunidades acampados na beira da estrada. Os madeireiros não se prejudicaram, pelo menos não perderam o carro do ano”.

Feitosa também relata que, em vários pontos da região, os conflitos de terra continuam. “Fiquei assustado. Em Castelo de Sonhos [perto de Novo Progresso], existem dois cemitérios, um oficial e um clandestino. Lá não existe estado, e a polícia só sobrevoa com helicóptero. O próprio Incra não vai se meter com os fazendeiros, vai fazer assentamentos no meio da floresta”.

Por outro lado, Feitosa também comemora a iniciativa dos governos Federal e Estadual. Segundo ele, a criação de áreas de preservação na Terra do Meio derrubou o desmatamento em 90% no último ano.

Da Agência Carta Maior

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM