Catadores temem plano anunciado pela Prefeitura de SP

Apesar de aberto à discussão com os integrantes das cooperativas de coleta seletiva, plano anunciado pela Prefeitura de São Paulo não aborda questão dos catadores avulsos nem prevê inclusão dos moradores de rua no processo. Trabalhadores temem que fusão de centrais deixe mais pessoas de fora
Por Bia Barbosa
 29/09/2005

Uma audiência pública na Câmara dos Vereadores marcada para discutir a polêmica dos catadores de materiais recicláveis de São Paulo foi cancelada de última hora nesta quarta-feira (28). A razão: a Prefeitura de São Paulo ainda não tinha fechado uma proposta para o novo plano de coleta seletiva do município – feita atualmente por caminhões da administração pública, por cooperativas e por catadores que trabalham autonomamente. No início de agosto, um comunicado oficial previa que, até o final de setembro, os catadores teriam que deixar de trabalhar no centro expandido da capital. Organizados, os catadores conseguiram pressionar o secretário municipal de Serviços e Obras e subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, e reverter o processo, criando uma comissão para dialogar com o poder público (leia matéria “Catadores temem entrada de empreiteiras em São Paulo”). A audiência na Câmara prevista para esta quarta fazia parte deste processo de discussão com a sociedade sobre um assunto que lhe é caro.

Inusitadamente, no entanto, o secretário Matarazzo convocou a grande imprensa para apresentar o novo plano – que teoricamente não estava pronto. O documento prevê a ampliação a partir de outubro de 52 para 66 os distritos com coleta seletiva. Atualmente, menos de 1% das 204 mil toneladas de lixo produzidas por mês pela população passa pela reciclagem (feita em 14 centrais de triagem, onde trabalham cerca de 700 catadores), e os caminhões da coleta seletiva funcionam com 20% de sua capacidade. A nova proposta é que as centrais sejam melhor equipadas, passem a trabalhar em três turnos e abriguem mais trabalhadores. A previsão da prefeitura é a de que este número poderia chegar a 2.700 pessoas.

São mudanças que afetam diretamente as cooperativas ligadas à administração pública, mas que em princípio não passam pelas cooperativas e catadores independentes. Segundo nota divulgada no próprio site da Prefeitura de São Paulo, “as cooperativas e catadores avulsos operam fora desse sistema em condições inadequadas de trabalho”. O novo modelo teria o objetivo de “atingir maior eficiência do sistema de coleta de lixo na cidade”.

Mas a proposta, apesar de estar sendo discutida em reuniões com as cooperativas conveniadas – nesta semana a Secretaria de Serviços e Obras realiza reuniões diárias divididas por zona da cidade analisando suas particularidades – está longe de ser um consenso. Uma das críticas dos catadores que participaram do anúncio do plano à imprensa nesta quarta é em relação às fusões que devem acontecer nas centrais de triagem.

“O contrato inicial, da época da gestão Marta, previa a abertura de 31 centrais. Foram abertas somente 14 e agora o Serra quer fundi-las em 7 para otimizar o espaço público. Acontece que isso acaba com a tradição autônoma de organização e trabalho dos catadores. Se a prefeitura quer incluir mais pessoas, que abra mais centrais. Não basta fundir as cooperativas porque assim novas pessoas não se agregam. O processo de encontrar novos atores não é simples”, pondera Márcia Abadia Martins.

Catadora há dois anos, cooperada da central que fica na Vila Cruzeiro, região de Santo Amaro, que deve ser fundida com a de Miguel Yunes, localizada na mesma região, Márcia conta que antes era auxiliar administrativa. Quando ficou desempregada, começou a coletar materiais recicláveis. Uma pesquisa divulgada recentemente pela Secretaria do Trabalho mostrou que cerca de 60% dos catadores tiveram por última ocupação um emprego com carteira assinada e 55,2% estão a menos de quatro anos na rua. Márcia é uma dessas 20 mil pessoas que aprederam a sobreviver da coleta seletiva.

Segundo ela, a cooperativa de Miguel Yunes é formada por agentes que faziam a coleta seletiva nas lojas do Pão de Açúcar e hoje enfrenta problemas de gestão. “Agora o prefeito quer que a gente se funda pra resolver este problema. É como se quisesse matar algo que já nasceu pra começar de novo. Nossa lógica é outra. As empresas querem atropelar o trabalho do catador; elas não conhecem o trabalho da gente. Queremos andar sozinhos, ser auto-suficientes. Nós conquistamos isso sozinhos”, afirma.

Na opinião de Igor Calheiros dos Santos, integrante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, o poder público agora se mostrou sensível e está sentando para discutir o modelo do centro da cidade com as cooperativas. Alegando que atrapalhavam o trânsito e faziam sujeira, a decisão original dos tucanos era proibir inclusive a circulação das carroças de coleta na região central de São Paulo – o que inviabilizaria o trabalho das cooperativas e dos carroceiros independentes já que grande parte dos materiais recicláveis é produzida pelas empresas e escritórios que lá têm sede. Ainda que os trabalhadores não sejam expulsos do centro da cidade, eles acreditam que a atuação das empreiteiras pode deixá-los sem material disponível para a coleta.

“Em termos gerais, o que a prefeitura quer agora é unir o útil ao agradável. Acha que a gente deve triar mais, trabalhar mais, que é preciso colocar mais gente nas centrais. O que eles querem é uma triagem eficiente, mas nós chamamos a nossa de solidária”, explica Santos. “A gente já não tem nada. Se tirarem isso da gente, não sei o que acontece”.

Nesta quarta, o secretário Andrea Matarazzo afirmou que o modelo de gestão das centrais não é imposto, e sim aberto ao catador avulso que queira passar a participar. No entanto, não prevê como esses carroceiros e os moradores de rua podem se incluir neste processo. “O plano precisa continuar a ser discutido com essas pessoas, porque, além de não prever a inclusão de novos catadores, muita gente que já trabalha com isso vai sobrar neste processo de mudança e de fusões. A tentativa da prefeitura é controlar o mercado dos catadores, mas eles precisam resistir, organizadamente e passivamente. O fato do secretário colocar a possibilidade de adesão voluntária ao modelo passa um pouco por isso, por contar que alguns não vão querer ir para as centrais. Mas muitos vão sobrar e os catadores precisam se posicionar frente a isso”, acredita o Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua.

Da Agência Carta Maior

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