Segurança

“Exército não tem capacidade para atuar em SP”, dizem ONGs

Na opinião de organizações de defesa dos direitos humanos, a presença de tropas militares nas ruas da capital paulista, além de ser inconstitucional, não resolveria o problema dos ataques do crime organizado porque o Exército não estaria pronto para atuar numa cidade como São Paulo
Bia Barbosa
 14/08/2006

SÃO PAULO – Esta semana, o governo de São Paulo e a União devem anunciar os termos do acordo de cooperação do Exército com a polícia militar paulista para enfrentar a crise de segurança no estado e a última onda de ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital). Na última sexta feira (11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em São Paulo e se reuniu com o governador Cláudio Lembo para acertar os detalhes da cooperação. Por enquanto, o foco será no trabalho de inteligência, principalmente com a utilização de satélites para a localização de células do PCC e interceptações telefônicas. Helicópteros e uma nova remessa de recursos do governo federal também podem ser enviados a São Paulo. Por enquanto, o envio de tropas militares às ruas está suspenso. Os 10 mil homens oferecidos pelo governo Lula continuam à disposição, mas não serão utilizados no momento.

Organizações que trabalham com a defesa dos direitos humanos consideraram o resultado positivo. Elas são contra a presença do Exército nas ruas porque, além de não acreditarem que este seja o papel dos militares, afirmam que as tropas não estariam preparadas para agir em meio urbano numa cidade como São Paulo.

"Do ponto de vista tático, o Exército não cooperaria de forma alguma para a pacificação, porque não tem nenhuma capacidade técnica de ajudar no policiamento ostensivo em uma cidade como São Paulo, com população civil, para manter seu funcionamento ordinário. Além de não contribuir para que os ataques não acontecessem, a presença de tanques e tropas nas ruas criaria uma situação de caos", acredita o jurista Oscar Vilhena Vieira, diretor executivo da ONG Conectas Direitos Humanos.

Na opinião do coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, a ajuda do governo federal deve ser com algo que realmente possa colaborar com o Estado de São Paulo. Por exemplo, na proteção do patrimônio público. "Mas na área de policiamento ostensivo, isso só agrava a tensão e gera abusos. O Exército é preparado para tratar todos os não fardados como inimigos, e não para fazer policiamento, detenção e investigações. No Haiti, o Exército tem atuado desta forma e são várias as denúncias de organismos internacionais acerca de abusos cometidos", lembra Alves.

"Realizar um policiamento discriminatório e ostensivo, apontando tanques de guerra para a periferia, como aconteceu nos morros do Rio de Janeiro, realmente não é função do Exército", completa Sandra Carvalho, do Centro de Justiça Global.

Segundo as organizações, o problema de São Paulo não seria o da falta de homens – há 140 mil policias no Estado; 10 mil militares fariam pouca diferença -, mas de incapacidade de lidar com o problema do crime organizado. Algumas entidades chegam a questionar inclusive a ajuda do ponto de vista da inteligência, já que ações como a infiltração de homens dentro das facções criminosas para o levantamento de informações não acontece de uma hora para a outra. Elas lembram ainda que intervenções militares deste tipo são inconstitucionais.

"O Exército tem por função legal o estabelecimento da paz face a inimigos externos ou no caso de uma convulsão interna. E não há isso em São Paulo. Não há a falência de um Estado ou da força policial paulista. O que houve foram erros estratégicos e incapacidade técnica de lidar com o problema. Por isso, a presença do Exército é indesejável em todos os aspectos", avalia Oscar Vilhena Vieira.

Uma questão política
Do ponto de vista legal, o envio de um contingente da Força Nacional de Segurança – formada por efetivos estaduais de policiais militares -, se requisitado pelo governo estadual, não significaria uma afronta à Constituição. No entanto, pouca diferença também faria no combate ao crime, acreditam as entidades.

"Se 96 mil policiais militares e 40 mil policiais civis que conhecem a área e estão inseridos no contexto paulista têm dificuldades, de que adiantariam 500 ou mil homens que não conhecer a região. Isso não é razoável. Talvez gerasse até mais problemas técnicos e de operação. A ação do governo federal deveria se dar no controle de entrada de armamentos na fronteira, na questão da lavagem de dinheiro. Me parece que, como não fez bem sua lição de casa, agora quer oferecer algo que não tem ao governo estadual – que obviamente também tem suas falhas. É uma tentativa eleitoral de demonstrar que o candidato à Presidência [Geraldo Alckmin] é incapaz de produzir segurança em seu próprio estado – o que em parte é verdade. Mas é uma demonstração simbólica, porque sabemos que, se vierem, Exército ou Força Nacional não vão resolver o problema", acredita Vieira.

"É uma questão política, e os dois lados acabam atuando de forma oportunista porque a população apóia. A população, num momento de crise, acha que é hora de bombardear os bandidos. Mas quem vai acabar prejudicada é a própria população mais simples se o Exército for empregado", afirma Ariel de Castro Alves.

Num curto prazo, as entidades de defesa dos direitos humanos não visualizam outra alternativa que não o controle e neutralização dos líderes da facção criminosa, submetendo-os a um regime diferenciado, cortando sua comunicação. Além disso, defendem um policiamento maior nos serviços e setores estratégicos, cuja falência podem gerar caos – como é o caso do transporte público.

"Isso é para prevenir o pânico e a sensação de insegurança da população. Mas, para prevenir outros ataques, é preciso entrar na fonte que os determina. Ou o governo estadual controla quem está dando as ordens ou perde a batalha", conclui o diretor da Conectas.

Esta semana, as entidades devem se reunir com o Ministério Público e a possibilidade de uma ação judicial contra o uso do Exército em São Paulo, caso ele se efetive com tropas nas ruas, não está descartada.

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