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Carlos Ferreira


Fui vendido


“Rapaz, ouvi falar que os gatos (aliciadores) vem pegar (trabalhador) para vender.' Disse isso para o meu amigo, Fabiano, assim que o “Meladinho” (apelido de um aliciador) apareceu aqui, no Piauí, chamando a gente para trabalhar no Pará. Fabiano não
acreditou em mim e, para não deixar ele ir sozinho, fui junto.”

"Desconfiei desde o começo. Viajamos de ônibus e de trem, sempre à noite. Imagino que era para ninguém ver. Ia olhando para o “Meladinho” e pensando: 'Eu fui vendido'. Ele olhava para nós, sorria, parecia que estava rindo da nossa cara. Na última vez que vi o “Meladinho”, ele estava colocando um maço de notas no bolso. Depois, falou que ia sair e voltava na sexta. Desapareceu.

A vida na (fazenda) Brasil Verde era sofrimento. A gente comia no tempo (a céu aberto). Quando chovia, dava menos gosto ainda, ficava tudo aguado. A fome dói, por isso digo que a comida de lá não era muito ruim. Era mandioca misturada com arroz, era bem difícil ter carne de gado. Tinha noite que nem isso tinha. Com dois dias de trabalho, Fabiano concordou comigo. Nunca falei o que vivi naquela fazenda para nenhum dos meus filhos."

Carlos Ferreira Lopes,
44 anos, trabalhador rural