Chapada dos Guimarães, MT

O dia da caça: o assassinato de um defensor dos animais selvagens

Por Gisele Lobato

Valdinei já havia tido desavenças com caçador de animais silvestres, segundo denúncia do Ministério Público, que prendeu suspeito mais de um ano depois do crime.

Uma exceção ambiental que não fugiu à regra da violência: o lote do ambientalista Edmar Valdinei Rodrigues Branco era um dos poucos que mantinha a vegetação nativa no assentamento Gleba Jangada Roncador, na zona rural de Chapada dos Guimarães (MT). A mata atraía para a propriedade animais silvestres - fato que, segundo a polícia, ajuda a explicar seu assassinato: a análise do projétil retirado da cabeça do ativista mostrou que a bala era compatível com arma de cano longo, o tipo utilizado para a caça. Ex-devoto hare krishna, Branco não comia carne e não aceitava maus-tratos aos animais. Tinha 59 anos.

As investigações apontaram Joel Geraldo Pessidônio, preso no último dia 4 de agosto, como principal suspeito do assassinato. Segundo a Polícia Civil mato-grossense, o crime teria ligação com “desavenças entre o suspeito e a vítima relacionadas à caça de animais silvestres na região”. Além da prisão, também foi executada uma operação de busca e apreensão. “O suspeito já havia se desfeito da possível arma utilizada no crime, que posteriormente foi localizada na casa de um terceiro”, diz nota da Polícia Civil.

A detenção ocorreu dias após a Repórter Brasil questionar a Polícia Judiciária Civil e o Ministério Público Estadual de Mato Grosso sobre a demora no inquérito, aberto em abril de 2019, quando o corpo de Edmar Branco foi encontrado. Ele estava em sua propriedade, perto do buritizal onde coletava material para o artesanato que vendia no centro da cidade.

Pessidônio foi denunciado em outubro por homicídio duplamente qualificado. O Ministério Público o acusa de ter entrado na propriedade da vítima para caçar e, ao ser flagrado, ter disparado três vezes de longe. Horas depois, teria dito a um amigo que “deu merda lá”, se referindo à morte de Edmar. Segundo a denúncia apresentada pelo promotor Carlos Henrique Richter, a vítima e o suspeito já haviam discutido em outra ocasião por causa da caça.

O lote do ambientalista Edmar Valdinei Rodrigues Branco era um dos poucos que mantinha a vegetação nativa no assentamento, o que atraía animais selvagens

O acusado nega. Sua advogada, Georgia Pinto Dias Leite, afirmou que “ele não estava na suposta caçada, na propriedade da vítima” e que “não coadunava com a caça de animais silvestres”. A defesa diz que as investigações tinham apontado que a vítima tinha desafeto com grileiros, mas “a autoridade que conduziu o caso o direcionou para desavenças por caça na propriedade”.

A advogada considera que as investigações não foram satisfatórias e retrataram “a versão que melhor lhes convinha para o fechamento do inquérito”. Dentre as falhas que identifica estão o exame de balística do projétil retirado do corpo da vítima, que “não era compatível com a arma apreendida com o acusado”, e o fato de terem aberto um túmulo errado no processo de exumação. “Foi uma investigação muito mal conduzida, sem nenhum dado concreto da autoria ou participação do acusado.” Leite também discorda da prisão, “decretada um ano após os fatos”. A defesa argumentou que Pessidônio nunca saiu da localidade, onde trabalha e tem residência fixa, e entrou com pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, após a 2ª Vara de Chapada dos Guimarães ter negado, no dia 22 de outubro, a liberdade provisória e a revogação da prisão preventiva do acusado, que segue detido.

Segundo a Promotoria de Justiça de Chapada dos Guimarães, a demora para a conclusão do inquérito teve relação com problemas enfrentados pela polícia em virtude das circunstâncias do crime. “Além de ter sido cometido na zona rural, houve a evasão do suspeito e as testemunhas ficaram amedrontadas”, detalha a denúncia.

Edmar Branco foi um dos líderes da ocupação do latifúndio improdutivo que deu origem à Gleba Jangada Roncador, em 1996. No entanto, sua opção pela agroecologia fez com que enfrentasse problemas para registrar o lote, porque o Instituto de Terras de Mato Grosso o acusava de abandono. Até hoje, o registro definitivo não saiu.

Nascido em Andradina (SP), o ativista tinha três décadas de militância. Trabalhou na organização do Movimento dos Atingidos pela Barragem do Rio Manso (MT), foi agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra, participou da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Chapada dos Guimarães e fundou a Associação de Produtores e Produtoras Artesanais do município. Deixou a companheira, com quem estava havia 18 anos, e dois filhos do primeiro casamento.

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