Bom Jesus das Selvas, MA

‘Sofro ameaças, mas não tenho medo’, diz pai de Paulino Guajajara

Por Maria Fernanda Ribeiro

Guardião da Floresta, o indígena da Terra Indígena Arariboia foi assassinado enquanto defendia seu território de invasores

O assassinato de Paulo Paulino Guajajara ganhou repercussão internacional – ao contrário da maioria dos que morrem no campo, na floresta, na luta. Mas não adiantou. As invasões à Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, continuam. Outros quatro indígenas foram mortos depois de Paulino, na mesma região. Os indiciados pelo crime seguem impunes.

“O mundo todo soube da morte do meu filho e os criminosos ficaram com raiva de mim. Sofro ameaças, mas não tenho medo. Só sinto muita falta dele.” A frase é de José Maria Guajajara, de 62 anos, pai de Paulino, assassinado aos 26 anos em novembro de 2019 com um tiro no rosto disparado por madeireiros ilegais durante uma emboscada dentro da TI que Paulino lutava por defender. Ele era uma das lideranças do grupo Guardiões da Floresta, criado em 2012 para proteger o território de madeireiros, grileiros e garimpeiros. Morreu defendendo a floresta. Durante o ataque, Paulino estava na companhia de Laércio Guajajara, também um guardião, que foi atingido pelos disparos da espingarda, mas conseguiu escapar.

O mundo todo soube da morte do meu filho e os criminosos ficaram com raiva de mim

Pai de Paulino

No dia da morte de Paulino, uma comitiva formada por lideranças indígenas de diversas partes do Brasil estava em um jornada pela Europa para denunciar as violações de direitos e ameaças pelo atual governo brasileiro. O caso ganhou, então, repercussão imediata dentro e fora do país.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os invasores entraram no território indígena em 30 de outubro para caçar. Estavam de moto e portavam armas. Em 1º de novembro, ao retornarem da caçada, sentiram falta de uma motocicleta e, ao seguirem rastros do veículo, a encontraram com os indígenas. Foi neste momento que os invasores dispararam contra Paulino e Laércio, que tinham apreendido a moto para demonstrarem às autoridades a presença ilegal dentro da reserva, que há tempos eles denunciavam.

Segundo Carlos Lisboa Travassos, indigenista e amigo de Paulino, todos sabiam que os guardiões que realizavam as atividades de enfrentamento aos invasores estavam marcados para morrer. Muitos deles, inclusive, usavam os rostos cobertos para não serem reconhecidos, mas as características físicas denunciavam suas identidades e, com o tempo, Paulino passou a usar só pinturas tradicionais. Em setembro de 2019, dois meses antes de ser assassinado, ele e mais três guardiões foram incluídos em um programa de proteção do Estado, mas a decisão foi por não tirá-los da floresta.

Travassos afirma que a família de Paulino passa por dificuldades financeiras e de subsistência, pois ele ajudava o pai na roça, nas caças e também trabalhava como agricultor, o que lhe garantia o pagamento de diárias. “A invasão do território continua. Um dos irmãos do Paulo um dia me ligou, dizendo que quer ser um guerreiro igual ao irmão e que quer lutar pela terra. A família, além das dificuldades financeiras e de segurança alimentar, vive um sentimento de abandono e injustiça.”

Antônio Wesly Nascimento Coelho e Raimundo Nonato Ferreira de Sousa foram indiciados pela morte de Paulino e pela tentativa de homicídio a Laércio. Para o MPF, os crimes aconteceram porque eram protetores da floresta. Em julho de 2020, o MPF decretou a prisão preventiva deles por terem trocado de endereço sem comunicar às autoridades. Até o fechamento desta reportagem, a Justiça não havia se pronunciado sobre o pedido de prisão preventiva. Eles continuam soltos.

As investigações não andam por conta de um racismo estrutural dentro das instituições policiais

Gilderlan Rodrigues da Silva, coordenador do Cimi

O coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilderlan Rodrigues da Silva, cita dois fatores para a questão da impunidade entre os indígenas. Primeiro, a existência de um racismo institucional que tem imperado dentro das instituições policiais. “As polícias militar e civil acabam fazendo as primeiras diligências e abrindo o inquérito, mas as investigações não andam porque não é prioridade”. Outro fator importante é que algumas vezes esses assassinatos estão ligados à luta territorial, praticados por madeireiros que estão ligados a políticos.

“Esse fator econômico dos municípios atrelado ao fator político também acaba fazendo pressão para que esses crimes não sejam investigados. E aí gera impunidade. A combinação desses fatores é explosiva e acaba vitimando muitos povos indígenas que estão na luta pela proteção dos seus territórios."

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