Ourilândia do Norte, PA

Calada a tiros, uma luta por terra que virou luto e desesperança

Por Daniela Penha

Alexandre lutava desde 2006 por ter um pedaço de terra em seu nome; morreu antes de ver sua meta de vida se tornar realidade

As frases de Wesley Francisco de Souza, de 19 anos, parecem não ser pontuadas por pausas comuns, e sim por desesperança. Especialmente quando ele fala do pai, morto a tiros na porteira da terra onde viviam. “A justiça tem que ser feita. Mas do jeito que são as coisas... eu queria até esquecer disso. Que Deus julgue, não o homem.”

Quando tinha seis anos, em 2006, Wesley e sua família foram morar em um acampamento na Fazenda 1200, em Ourilândia do Norte, no Pará. Se alojaram em um barracão de palha na beira da estrada por cerca de quatro anos, até entrarem na área e iniciarem a ocupação. Só contavam com luz de velas e lamparinas. “Aquilo é desumano, humilhação total. Não desejo para pessoa nenhuma.”

No dia 19 de outubro de 2019, a luta de seu pai, que começara naquela ocupação de beira da estrada, teve o fim que o filho não queria. Alexandre Coelho Furtado Neto foi morto a tiros, aos 54 anos. “Ele sonhava em ter aquela terra no nome dele.”

Para o filho, a luta do pai, que hoje é luto, foi em vão. “Por não ser estudado, pobre, ele via uma possibilidade de mudar de vida e acreditava. Eu não acredito mais”. De novo, ao falar, Wesley intercala as palavras com desalento. O crime continua impune até hoje, mais de um ano depois.

Desde 2006, um grupo de trabalhadores sem-terra luta pela área, entre despejos e recomeços, conforme relata José Jossinei dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ourilândia do Norte. Há dois processos em andamento na Justiça: um de autoria de Eutímio Lippaus, fazendeiro que pede a retirada das famílias, e outro do Incra, que defende ser pública uma parte (1,5 mil alqueires) da propriedade, que tem cerca de 5 mil alqueires no total. Segundo o órgão, esses 1,5 mil alqueires – que é justamente onde os sem-terra estão – pertenceriam, assim, ao assentamento Luciana, que fica ao lado.

A disputa derrama sangue. Além de Alexandre, outros dois trabalhadores já foram assassinados, segundo Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade. Um deles era Raimundo Paulino da Silvia Filho, líder da ocupação, que foi morto em fevereiro de 2020. As famílias relatam ameaças constantes e barracos incendiados.

É uma disputa que derrama sangue. Além de Alexandre, outros dois trabalhadores já foram assassinados

Wesley e os irmãos mais velhos ajudavam Alexandre com as plantações de cacau, apesar de não morarem mais na fazenda. Hoje, continuam capinando o espaço, mesmo sem acreditar que o sonho do pai vá se realizar. “Eu só queria que fosse diferente. Ou legalizassem ou parassem de iludir as pessoas.”

Apesar de as suspeitas dos moradores recaírem sobre Lippaus, a Polícia Civil informou que “as investigações identificaram que o crime não foi motivado pela disputa de terras”. O caso, que estava na Delegacia de Conflitos Agrários de Redenção, passou então para a delegacia de Ourilândia do Norte. Por enquanto, ninguém foi preso, e a Polícia Civil não informou se há suspeitos identificados, indiciados, se alguém foi preso ou qual a motivação para o crime. Procurado pela reportagem, o Ministério Público não quis se pronunciar.

Aqui existe uma associação de fazendeiros: a bancada da bala. Eles vão derrubando os líderes, um a um. A gente não sabe quem vai ser o próximo

José dos Santos, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais

A esperança por justiça, então, anda um tanto apagada por ali. “Aqui existe uma associação de fazendeiros: a bancada da bala. Eles se organizam para derrubar o pessoal. Vão derrubando os líderes, um a um”, são as palavras de José, presidente do sindicato, que teme também pelo desfecho de sua história. “A gente não sabe quem vai ser o próximo.”

Procurado, o advogado de Eutímio Lippaus, Joel Carvalho Lobato, informou que seu “cliente há 15 anos espera que o Judiciário lhe reintegre a posse de sua fazenda” e que “é um senhor octogenário, deficiente auditivo que reside sozinho em sua fazenda”. Disse ainda não ter conhecimentos sobre os homicídios ocorridos na propriedade e acusou os moradores da área de praticarem garimpo ilegal.

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