Tabatinga, AM

'É como se a qualquer momento ele fosse voltar'

Por Daniela Penha

Com dificuldades financeiras, viúva de servidor da Funai, defensor dos indígenas do Vale do Javari, relembra o assassinato do marido e conta como a falta de justiça a obriga a viver sob 'um medo que não vai embora'

“Tu quer ir comigo, nega?”. Maria* aceitou o convite e decidiu também levar a filha. Maxciel Pereira dos Santos havia acabado de chegar do trabalho em campo. Precisava levar o barco de Atalaia do Norte, onde vivia com a esposa e a enteada, até Tabatinga, no interior do Amazonas.

Era uma sexta-feira, 6 de setembro de 2019. Decidiram estender a estadia e visitar os familiares dele, que moravam na cidade. Chegaram aproximadamente às 13h e por volta das 18h saíram para jantar, os três em uma moto. A praça estava cheia.

“Atiraram bem no pescoço dele”. A moto tombou e Maxciel, de 34 anos, caiu sem vida. “Até hoje a gente fica sem entender o porquê de tanta violência”. Maria e a filha, então com nove anos, sobreviveram com alguns machucados e um medo que nunca vai embora. “Eu tô tentando sobreviver. Viver a gente não vive depois que aconteceu uma coisa dessas.”

Max, seu apelido, era de Tabatinga e começou a trabalhar com os indígenas do Vale do Javari quando tinha 18 anos. Foi nessa época que Beto Marubo, coordenador técnico na Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) o conheceu. “Ele deu a vida em prol dos índios”, conta o amigo. A Terra Indígena (TI) Vale do Javari concentra a maior população de índios isolados do mundo e é o segundo maior território indígena demarcado do Brasil, de acordo com a Funai.

Ele deu a vida em prol dos índios

Paulo Marubo, amigo de Maxciel

Depois de atuar por um tempo em uma ONG que dava apoio à Funai, Max passou a trabalhar na Frente de Proteção Etnoambiental da entidade, nas operações de fiscalização ao combate da caça, pesca, garimpo e exploração madeireira. Desde dezembro de 2019 a Força Nacional está na região, tentando cessar os constantes ataques e invasões à terra. No ano passado, a base de vigilância da Funai que fica dentro da TI Vale do Javari foi atacada a tiros por pelo menos seis vezes.

“A gente achou que era boato as ameaças que ele recebia”, contou à Repórter Brasil um funcionário da Funai que trabalhava com Max e pediu para ter seu nome preservado por temer represálias. Após o crime, ele se afastou por alguns meses. “Falavam que eles tinham uma lista e iam matar mais gente. E que meu nome estava nela.”

Mais de um ano após o assassinato, amigos e familiares não têm qualquer resposta sobre os mandantes. O Ministério Público Federal do Amazonas informou que autorizou uma prorrogação de prazo para a conclusão do inquérito pela Polícia Federal, que não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Só quem passa é que sente. Eu não sabia o tamanho dessa dor

Viúva de Maxciel

“Até hoje eu tô por entender”. Maria é só tristeza. “Só quem passa é que sente. Eu não sabia o tamanho dessa dor”. Ela tem pesadelos, sente-se perseguida na rua. “Eu vivo com medo”. Está desempregada e enfrenta dificuldades financeiras. “Ele achava ruim ficar tanto tempo longe da gente [durante viagens a trabalho], mas sempre dizia: ‘eu tô aqui por vocês’”.

Se houvesse Justiça, ela diz, se sentiria um pouco mais segura. Enquanto isso, espera uma volta que nunca virá. “Ainda não consigo acreditar que ele morreu. É como se estivesse em campo e a qualquer momento fosse voltar”.

*Nome alterado a pedido da viúva de Maxciel

Guaíra, PR

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