“Falar do território é falar de nós mesmos. Muitos dizem que somos os guardiões da floresta, mas a gente vem dizer que nós somos a floresta”. Com essas palavras Francinara Baré, coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia, explica porque tantas comunidades arriscam a vida para enfrentar madeireiros, garimpeiros e outros invasores que destroem a floresta dentro de terras indígenas.

Não precisa ser especialista, basta olhar o mapa para enxergar as ilhas verdes em meio à devastação. “Só existe floresta dentro do território indígena”, afirma Kátia Silene Costa, de 79 anos, cacique dos Gavião da Montanha, os Akratikatêjê, sobre a situação da região onde seu povo vive, no Pará. Dez estados brasileiros são responsáveis por 85% da destruição de florestas no país entre 2001 e 2016, um total de 46,4 milhões de hectares, mostrou levantamento da Global Forest Watch a partir da combinação de imagens de satélites brasileiros e internacionais. Pouco mais de um quarto desse total está na conta do Pará, onde vive Kátia.
Há uma rica variedade de estratégias sendo testadas por povos de diversas etnias. Essa série de reportagens conta algumas delas, como o monitoramento do território com GPS e drone, parcerias com instituições privadas e universidades, os processos de autodemarcação e até a tentativa de monetizar o serviço de proteção por meio da venda do crédito carbono.
Nem todas elas dão certo, algumas até pioram o conflito ao provocar a reação dos grupos interessados em explorar o território. Muito além dos madeireiros e garimpeiros, velhos conhecidos dos povos indígenas, essas comunidades enfrentam empreendimentos imobiliários, turismo internacional, projetos estaduais ou federais e até mesmo o judiciário na batalha contra o desmatamento.

Embora algumas histórias sejam romantizadas, com índios sendo alçados a heróis do meio ambiente, os conflitos são de carne e osso. Para Danicley Aguiar, especialista em Amazônia do Greenpeace, a tendência natural é que a maioria dessas histórias acabe em tragédia, com perdas maiores para os indígenas. “É uma roleta russa, com risco de genocídio para alguns e etnocídio para outros”, afirma.

Os Tremembé, no Ceará, são perseguidos e ameaçados por coibir a entrada de não-índios no seu território. Ao fazer a autodemarcação da terra Maró, um cacique Borari foi espancado por madeireiros. Mas será que para “ser floresta”, como diz Francinara, é preciso colocar o próprio corpo em risco? “E tem outra escolha?”, ela provoca.
Ninguém poderá alegar falta de aviso. Todas as comunidades entrevistadas afirmaram ter recorrido às instituições de defesa. Mas o problema segue.
Pesquisadores entrevistados pela Repórter Brasil foram contundentes: os indígenas estão sozinhos na linha de frente da proteção da terra. O enfraquecimento da Funai e o avanço da bancada ruralista sobre os direitos indígenas torna sua situação ainda mais vulnerável. “As comunidades estão expostas, correndo riscos em um momento em que a gente vê a violência avançar”, afirmou o antropólogo e professor na Universidade Federal do Sul da Bahia, Spensy Pimentel.

"Se você tem uma vereadora [Marielle Franco] sendo morta no centro da segunda maior cidade do Brasil, você pode imaginar o que essas comunidades estão correndo nas áreas longínquas”, disse Pimentel.
O risco aumenta quando eles assumem a proteção física da terra, retirando os invasores com as próprias mãos. É o caso dos Ka´apor. Eles promovem a expulsão dos madeireiros que roubam árvores dentro da sua terra e perderam uma liderança assassinada em 2015. "Enfiados nesse contexto desesperador, os indígenas têm que oferecer a própria vida para defender a terra ”, diz Danicley. “A sociedade e o estado continuarão assistindo?”