Guarani Mbya, RS

Indígenas retomam práticas tradicionais em mata dentro de área do governo

Por João Cesar Diaz

“Carregamos as sementes Guaraní por muito tempo, mas nunca tivemos onde plantar”, diz o cacique André Benites. Ele faz parte do grupo de 27 famílias Guarani Mbya que retomaram um terreno do governo do Rio Grande do Sul. “Com a retomada, fizemos as sementes aumentarem”, completa, referindo-se à chance de viver em contato com a mata nativa que se espalha por 70% do terreno de 367 hectares. Para o cacique, esse convívio permite que o povo viva “de novo a própria cultura”.

Ali ficava a extinta Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária, em Maquiné, a cerca de 100 quilômetros de Porto Alegre. A ação, em janeiro do ano passado, foi de iniciativa exclusiva dos Guarani. “Ninguém nos falou para ir lá”, diz o cacique. Com os materiais da mata, já ergueram a aldeia, nos métodos tradicionais Guarani.

Foto: Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

Antes da retomada, os Guarani viviam de favor em propriedades de colonos. Sem apoio do Estado, muitas vezes pousavam às margens das estradas gaúchas. Em moradias improvisadas, era comum não ter o que comer.

Foto: André Benites

A cidade vizinha à área tem parte importante de sua economia voltada ao ecoturismo e enxerga a ocupação indígena com bons olhos, diz Roberto Liebgott, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Para os moradores locais, a chegada dos Guarani significa a preservação do pouco de natureza que ainda resiste na região, aponta levantamento feito pelo Cimi ado com a população de Maquiné em 2017. A maior parte dos entrevistados apoiaram a retomada, alguns disseram que a ocupação daria alguma “serventia àquela terra”.

Foto: André Benites

Na região, os Guarani reclamam o direito à terra desde a década de 50. Estudos arqueológicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul constataram a presença histórica do povo na área. Mesmo assim, eles nunca foram atendidos ou tiveram suas terras demarcadas. Para Liebgott, do Cimi, o governo gaúcho é um dos mais “reacionários no tocante da questão indígena. Na maioria das vezes, lidam com as reivindicações oferecendo "terras ruins", degradadas pela monocultura de eucaliptos

A comunidade ainda vive a incerteza sobre sua situação. A Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul entrou com uma ordem de despejo contra os indígenas. Mas o processo foi suspenso depois que a Secretaria de Agricultura gaúcha - administradora da área - sinalizou a intenção de criar uma mesa de negociação.

Foto: André Benites

Um caminho, já em discussão, seria a renegociação dos títulos da dívida pública do Estado com a União. Em troca do perdão de parte das dívidas, o governo passaria o controle da área à Funai que, então, tocaria em frente a demarcação da terra. A proposta de conciliação foi enviada para as secretarias de meio ambiente, agricultura e desenvolvimento rural. Mas a reunião que selaria o acordo foi desmarcada pelo governo, segundo Bruno Morais, advogado e assessor jurídico da Comissão Guarani Yvyrupa, entidade que articula as aldeias Guarani no sul e sudeste do país em mais de 300 aldeias. O governo pediu prolongamento da suspensão do processo, esticando a insegurança dos Guarani até o segundo semestre.