O Projeto Carbono Florestal Suruí foi anunciado, em 2009, como um modelo inovador: o primeiro programa de crédito carbono a ser desenvolvido em uma Terra Indígena, pelos indígenas. A ideia dos Paiter-Suruí era ganhar dinheiro para, justamente, ajudar a manter a floresta em pé. Os programas de crédito carbono remuneram comunidades que conservam seu território com dinheiro de empresas poluidoras. A Terra Indígena Sete de Setembro, composta por 25 aldeias na divisa de Rondônia e Mato Grosso, precisava de financiamento para fortalecer a comunidade contra as investidas de madeireiros.

Divididos. Esse é o adjetivo que se ouve, hoje, ao investigar o impacto do programa sobre a comunidade indígena. É o diagnóstico do maior entusiasta do programa, o ex-cacique geral Almir Suruí, defensor da venda dos créditos de carbono como solução para a proteção da floresta, manutenção da aldeia e cultura Suruí. Ele vê o desmatamento como um "crime ambiental e cultural". Antes do programa do crédito carbono, Almir já era uma liderança conhecida pela sua visão inovadora. Dois anos antes, fizera um mapeamento etnográfico da terra em parceria com o Google Earth. Ele ganhou prêmios e reconhecimentos internacionais, entre eles o prêmio da Sociedade Internacional de Direitos Humanos, na Suíça, e entrou na lista das 100 pessoas mais criativas do mundo da revista “Fast Company”.
Hoje as duas iniciativas estão abandonadas. Pior que isso, o programa de crédito carbono gerou um racha na comunidade, deixando a comunidade mais suscetível aos invasores (além dos madeireiros, agora há também garimpeiros).

O problema se deu no coração do território. Logo que foi lançado, o programa passou a ser questionado pelo primo de Almir, Henrique Suruí, que hoje é o cacique geral. Segundo Henrique, o programa impunha restrições para a rotina da comunidade e acabaria com os costumes e tradições indígenas. "O projeto nos proibia de caçar e de fazer roça", afirma.
Embora não haja menção direta a essas restrições no documento do programa, a crítica foi respaldada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à igreja católica que dá assessoria a povos indígenas em todo o Brasil. Segundo Laura Vicuña, coordenadora do Cimi em Rondônia, os Suruí seriam obrigados a seguir as normas de um programa que não respeita a cultura do povo. "É entregar a terra ao capital financeiro", afirma. A entidade é contra o programa por princípio, apontando que os grupos que compram os créditos de carbono estariam usando o trabalho de povos indígenas para continuar a poluir.

Mesmo gerando polêmica dentro e fora da terra indígena, porém, o projeto nasceu. O equivalente a 251 mil toneladas de carbono foram vendidas. Metade, praticamente, em 2013 para a Natura e a outra metade em 2014 para a Fifa, que almejava compensar uma parcela das emissões da Copa do Mundo no Brasil.
O que aconteceu depois da segunda venda, de acordo com Almir, não foi coincidência. Uma frente de garimpo, algo então inédito nas terras Suruí, devastou 635 hectares de floresta, justamente a área que deveria ser protegida de acordo com o compromisso assumido no projeto.

Almir, que já foi ameaçado de morte diversas vezes pelas denúncias que faz contra os invasores, passou a denunciar o próprio primo. Segundo Almir, o primo e os outros Suruí estão em conluio com os madeireiros e garimpeiros. Outras duas entidades confirmam a relação de interesse entre o grupo crítico ao programa e os criminosos, entre eles a ONG Kanindé e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam). Depois das denúncias sobre o envolvimento de Henrique com os criminosos, até o Cimi se afastou do atual cacique.

Procurado, Henrique nega envolvimento atual nas atividades criminosas. Ao ser perguntado sobre o que está fazendo para proteger o território, o cacique cita a venda de castanhas. Ano passado, os indígenas venderam 200 quilos do fruto.
A desunião, porém, enfraqueceu a comunidade, o que refletiu diretamente no aumento da destruição da floresta dentro do território. O avanço da destruição se alastra pelo Corredor Tupí-Mondé", um agrupamento de sete territórios indígenas em área contínua de 3,5 milhões de hectares que fica entre o Mato Grosso e Rondônia. Entre janeiro e julho de 2017, 1.221 hectares foram devastados - quase metade dentro da Sete de Setembro, de acordo com dados da Agência Espacial Europeia levantados pela Global Forest Watch em parceria com o Idesam.
A perspectiva não é encorajadora. Segundo o delegado da polícia federal Everton Manso, que sobrevoou a terra indígena em janeiro deste ano, há pelo menos 50 garimpeiros, equipados com maquinário pesado, explorando o solo à procura de diamantes dentro da terra Suruí.