Brejo da Madre de Deus, PE

Depois de 8 anos preso injustamente, líder do MST é assassinado – e ninguém é preso

Por Joana Suarez

Uma família que já conhecia de perto o pavor das ameaças de homens armados que rondavam o assentamento onde viviam; mesmo depois de deixarem o local, a violência os acompanhou – Aluciano foi assassinado e sua viúva conta com a ajuda da Igreja para sobreviver com os filhos

Quando pergunta pelo pai, a filha de Aluciano Ferreira dos Santos escuta da mãe a mesma resposta. "Eu explico a situação, o que aconteceu. Aí ela bota a camisa dele do lado do rosto e vai dormir", contou Elizangela Raimunda da Silva Santos, que foi companheira do líder sem-terra por 19 anos.

Aluciano foi morto aos 41 anos, em Brejo da Madre de Deus, agreste de Pernambuco, e a maior angústia de Elizangela é ainda não ter pistas de quem fez isso. "Tem mais de 1 ano que ele foi assassinado e não foi descoberto nada ainda. Me machuca muito. Isso faz com que o ser humano não acredite mais na Justiça." Em contradição a essa impunidade, Aluciano ficou 8 anos preso sem ser julgado, por um crime que não cometeu – conforme a Justiça reconheceu anos depois.

Quando Aluciano saiu dessa prisão injusta, Elizangela acreditou que finalmente o pai participaria de perto da criação das duas filhas pequenas, Alecia e Alane. Isso porque ele não pôde acompanhar o crescimento do filho mais velho, Alan dos Santos, de 17 anos, já que estava no presídio. A felicidade da família durou dois anos – até o assassinato do pastor em maio de 2019. O adolescente precisou de consultas com psicóloga para superar a morte do pai. A mãe o vê chorando pelos cantos, oscilando entre estar uns dias calmo, outros, mais nervoso.

Se não fosse isso, o rapazinho dela, como Elizangela o chama carinhosamente, poderia trabalhar para ajudá-la em casa, pois eles têm passado dificuldades financeiras desde a morte de Aluciano. "Faço faxina e o pessoal da igreja me ajuda muito para eu conseguir o alimento dos meus filhos. Não tem sido fácil trabalhar com uma criança de 3 anos, e ela era muito apegada com o pai, chora no meu colo chamando por ele até dormir". Noites e dias duros pra Elizangela, que vai "tapeando" [fingindo] que está bem.

É uma injustiça terrível. Vai ficar por isso mesmo? Eu fiquei com meus filhos, numa luta

Elizangela, viúva do trabalhador rural

Ela já era acostumada a passar madrugadas em claro apavorada com ameaças de homens armados no assentamento do Movimento Sem Terra (MST) em que morava com Aluciano em São Joaquim do Monte (PE). "A gente não dormia direito. Ligávamos para a polícia quando chegava alguém e os policiais só apareciam mais de 4 horas depois. Passamos muita situação complicada dentro de casa [no acampamento], mas nada foi igual a ver meu esposo morto". Ela foi avisada e o encontrou na rua caído, já sem vida. "Vi a pior cena que um ser humano pode ver. Dói, dói demais."

Aluciano era líder de um acampamento do MST em São Joaquim do Monte, onde o movimento atuava desde 2001. Em 2009, homens armados invadiram o local, onde viviam cerca de 70 famílias. Houve conflito entre os integrantes do MST e seguranças armados da fazenda, que chegaram para reivindicar as terras ocupadas. Quatro morreram, mas nenhum do movimento. "Esse foi um caso inédito porque, geralmente, quem morre são os trabalhadores [do MST]", destacou o advogado do movimento, Edgar Menezes Mota.

Quatro trabalhadores, entre eles Aluciano, foram detidos na ocasião, acusados de homicídio. Ficaram em prisão temporária por anos. Aluciano foi julgado pelo Tribunal do Júri em 2017 e inocentado. Mudou-se então para Brejo da Madre de Deus, afastou-se do MST, fundou uma igreja e virou pastor na cidade. Aderiu à religião dentro do presídio, onde era chamado de “pai” por muitos presos. Em 2019, foi assassinado com quatro tiros. Investigadores, inicialmente, suspeitaram que o crime tivesse relação com o conflito de 2009.

O Ministério Público Federal (MPF) de Pernambuco instaurou inquérito para acompanhar o caso, por suspeitar que a morte estivesse relacionada com o conflito fundiário. O promotor agrário do Estado, Edson Guerra, pediu à Polícia Civil para investigar os familiares dos seguranças que morreram no acampamento em 2009, para saber se havia envolvimento deles no crime.

"As investigações não avançaram, ninguém quis falar por medo. Foi uma coisa planejada, bem arquitetada, porque não tinha prova nenhuma, as câmeras não pegaram nada. É um caso muito difícil", afirmou Guerra à Repórter Brasil. Ele continua acompanhando as investigações, mas disse que o caso não é considerado um conflito agrário, por ter ocorrido na área urbana e não haver provas da relação de vingança. A Polícia Civil de Pernambuco foi procurada pela reportagem por e-mail e afirmou que não tem conhecimento do caso.

Sem justiça feita, Elizangela mudou de cidade, de telefone, com medo de ameaças. Antes disso tinha visto um carro suspeito rondando a antiga casa da família, assim que Santos foi morto. "É uma vida angustiante, a gente não tem paz dentro dessa situação. É uma injustiça terrível. Vai ficar por isso mesmo? Eu fiquei com meus filhos, numa luta". A eles, Elizangela vai contar que o pai lutava para ajudar as pessoas. "Sempre conversava com calma, explicava que não queria guerra, mas lutar pelos nossos direitos."

Rio Maria, PA

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