Nova escravidão é mais vantajosa para patrão que a da época colonial

Em tempos de desemprego recorde, "pessoas descartáveis" são numeroso contingente de reserva para a exploração ilegal da mão-de-obra. No Brasil-colônia, o negro era um investimento dispendioso, a que poucas pessoas tinham acesso. Hoje, o custo de um trabalhador é quase zero, paga-se apenas o transporte e, no máximo, sua dívida em um hotel
Por Leonardo Sakamoto
 01/12/2003
Trabalhador libertado na fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Goianésia (PA)

A escravidão contemporânea é diferente daquela que existia até fins do século XIX, quando o Estado garantia que comprar, vender e usar gente era uma atividade legal. Mas é tão perversa quanto, por roubar do ser humano sua liberdade e dignidade. Ela não se resume à terra de ninguém que é a região de expansão agrícola amazônica. Está presente nas carvoarias do Cerrado, nos laranjais e canaviais do interior paulista, em fazendas de frutas e algodão do Nordeste, nas pequenas tecelagens do Brás e Bom Retiro, em pleno centro da cidade de São Paulo.

A nova escravidão é mais vantajosa para os empresários que a da época do Brasil Colônia e do Império, pelo menos do ponto de vista financeiro e operacional. O sociólogo norte-americano Kevin Bales, considerado um dos maiores especialistas no tema, traça paralelos entre esses dois sistemas em seu livro “Disposable People: New Slavery in the Global Economy” (Gente Descartável: A Nova Escravidão na Economia Mundial).

No sistema antigo, a propriedade legal era permitida, hoje não. Mas, era muito mais caro comprar e manter um escravo do que hoje. O negro africano era um investimento dispendioso, a que poucas pessoas tinham acesso. Hoje, o custo é quase zero, paga-se apenas o transporte e, no máximo, a dívida que o sujeito tinha em algum comércio ou hotel. Se o trabalhador fica doente, é só largá-lo na estrada mais próxima e aliciar outra pessoa. O desemprego generalizado proporciona mão-de-obra farta.

“Cadernos” com anotações de dívidas, encontrados na fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Goianésia (PA)

Na escravidão contemporânea, não faz diferença se a pessoa é negra, amarela ou branca. Os escravos são miseráveis, sem distinção de cor ou credo. Porém, tanto na escravidão imperial como na do Brasil de hoje, mantém-se a ordem por meio de ameaças, terror psicológico, coerção física, punições e assassinatos. Ossadas têm sido encontradas em propriedades durante ações de fiscalização, como na fazenda de Gilberto Andrade, família influente da região Sul do Pará.

Não há estatística exata para o número de trabalhadores em situação de escravidão no país. Estima-se que sejam entre 25 mil e 40 mil, de acordo com número da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – órgão, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e a mais importante entidade não-governamental que atua nessa área – e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A forma de trabalho forçado mais encontrada no país é a da servidão, ou “peonagem”, por dívida. Nela, a pessoa empenha sua própria capacidade de trabalho ou a de pessoas sob sua responsabilidade (esposa, filhos, pais) para saldar uma conta. E isso acontece sem que o valor do serviço executado seja aplicado no abatimento da conta de forma razoável, ou que a duração e a natureza do serviço estejam claramente definidas.

Barracão em área de desmatamento na fazenda Nossa Senhora Aparecida

Além do cerceamento da liberdade que configura o trabalho escravo, há uma série de outras etapas. Segundo Ela Wiecko de Castilho, subprocuradora-geral da República e professora de direito penal na Universidade de Brasília e na Universidade Federal de Santa Catarina, o processo inclui: recrutamento, transporte, alojamento, alimentação e vigilância. E cada qual com a existência de maus-tratos, fraudes, ameaças e violências física ou psicológica.

As primeiras denúncias de formas contemporâneas de escravidão no Brasil foram feitas em 1971 por dom Pedro Casaldáliga, na Amazônia. Sete anos depois, a CPT denunciou a fazenda Vale do Rio Cristalino, pertencente à montadora de veículos Volkswagen e localizada no sul do Pará. O depoimento dos peões que conseguiram fugir a pé da propriedade deu visibilidade internacional ao problema.

Outro exemplo de envolvimento de grandes empresas é o das fazendas reunidas Taina Recan, em Santa Rita do Araguaia, e Alto Rio Capim, em Paragominas, ambas no Pará, pertencentes ao grupo Bradesco. Ali, entre as décadas de 70 e 80, foram encontrados trabalhadores reduzidos à condição de escravidão. O governo acaba envolvido indiretamente com o trabalho forçado quando financia empresas que se utilizam da prática.

A Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), por exemplo, bancou a Companhia Real Agroindústria e as fazendas Agropalma, também no Pará, pertencentes ao Banco Real. Ali foram encontradas irregularidades no início da década de 90. Tudo isso é fruto da política de desenvolvimento adotada durante o período da ditadura militar pós-64. Para incentivar grandes empreendimentos na região amazônica, o governo fechou o olho para os direitos humanos e trabalhistas. Quem protestava ou reivindicava era preso e torturado.

Apesar das convenções internacionais de 1926 e de 1956, que proibiam a servidão por dívida, entrarem em vigor no Brasil em janeiro de 1966, o país demorou para criar um mecanismo para combatê-la. Isso aconteceu apenas em 1995, quando foram instituídos os grupos móveis de fiscalização. Essas equipes, coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego, respondem diretamente a Brasília e são acompanhadas de policiais federais. Elas contam com o suporte do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho.

O Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, lançado no início de 2003, reúne 76 medidas de combate à prática. Entre elas, projetos de lei como os que expropriam terras em que for encontrado trabalho escravo e transferem para a esfera federal os crimes contra os direitos humanos, limitando assim as influências locais nos processos. A implantação do plano tem sido lenta e muitas vezes esbarra na falta de verbas, na pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional e na incapacidade do governo federal de liberar recursos para aumentar e aparelhar a fiscalização.

Nos últimos meses, mudanças na legislação tornaram mais duras as penas para quem for pego n
a exploração de trabalho escravo. Outros instrumentos foram a suspensão no crédito agrícola de quem foi condenado pela prática e a criação de 269 novas Varas do Trabalho, a primeira delas a ser instalada em Redenção, Sul do Pará. Vale ressaltar que o combate ao trabalho escravo avançou graças à dedicação pessoal dos auditores do grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, mesmo com falta de recursos financeiros, equipamentos, veículos que não quebrem em serviço e telefones que funcionem na imensidão verde da Amazônia.

Fiscalização, multas, prisão dos envolvidos e cortes em linhas de crédito atacam as conseqüências, mas deixam a causa em aberto. O trabalhador resgatado não vê opções para a sobrevivência e cai de novo na armadilha. “Com terra para plantar, não teria ido embora da minha terra. Além disso, pessoa bem estudada não precisa sair, arruma emprego. Os outros têm de ir para o machado mesmo”, afirma um trabalhador libertado. Escravidão no Brasil é sintoma de algo maior: desigualdade.

“Os trabalhadores que vêm para cá são de locais onde a situação de pobreza é terrível. Se não houver uma política de fundo para gerar emprego e renda e fixar a população nos seus estados de origem, nada vai adiantar”, afirma José Batista Afonso, coordenador da CPT em Marabá. Como receita para resolver a situação, ele recomenda uma efetiva política de reforma agrária, acompanhada de juros baixos para o crédito rural e transferência de conhecimento. “Infelizmente, o que vemos hoje é uma grande quantidade de desempregados, reserva de contingente para o trabalho forçado nas regiões de fronteira agrícola”. lamenta.

O trabalhador Uexlei (com as mãos na cintura) recebe seus direitos trabalhistas diante dos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho

Como alguém se torna escravo

"Quando eu cheguei aqui, a coisa era muito diferente do que havia sido prometido”, conta Uexlei Pereira. Nos últimos tempos, uma praga atingira as fazendas de cacau onde ele trabalhava, no Sul da Bahia. Muita gente ficou sem serviço. Aliciado por um “gato”, ele saiu de sua cidade, Ibirapitanga, com a oferta de um bom salário, alimentação e condições dignas de alojamento.

No Sul do Pará, Uexlei percebeu que havia sido enganado. Quando foi resgatado, já fazia dois meses que só recebia comida. Não tinha idéia de quanto devia ao gato, conhecido como Baiano, e nem quando iria receber. A sua história não é diferente da dos demais trabalhadores que fogem do desemprego para cair na rede da escravidão.

Abaixo, estão detalhados oito passos que transformam um homem livre em um escravo:

1 – Devido à seca, à falta de terra ou de técnicas adequadas para plantar, à impossibilidade de acesso ao crédito agrícola, ao desemprego nas pequenas cidades do interior, o trabalhador deixa sua casa em busca de sustento para a família.

2 – Ao ouvir rumores de que existe serviço farto em fazendas, mesmo em terras distantes, ele ruma para esses locais. O Tocantins e a região Nordeste, tendo à frente os estados de Maranhão e Piauí, são grandes fornecedores de escravos.

3 – Alguns seguem espontaneamente. Outros são aliciados por “gatos” (contratadores de mão-de-obra que fazem a ponte entre o empregador e o peão). Estes, muitas vezes, vêm buscá-lo de ônibus ou caminhão – o velho pau-de-arara.

4 – O destino principal é a região de expansão agrícola, onde a floresta amazônica tomba diariamente para dar lugar a pastos e plantações. Pará e Mato Grosso são campeões em denúncias e resgates de trabalhadores pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

5 – Há os “trecheiros” ou “peões do trecho” que deixaram sua terra um dia e, sem residência fixa, vão de trecho em trecho, de um canto a outro em busca de trabalho. Nos chamados “hotéis peoneiros”, onde se hospedam à espera de trabalho, são encontrados pelos gatos, que “compram” suas dívidas e os levam às fazendas. A partir daí, os peões tornam-se seus credores e devem trabalhar para abater o saldo. Alguns seguem contrariados, por estarem sendo negociados. Mas, há os que vão felizes, pois acreditam ter conseguido um emprego que possibilitará honrar seus compromissos e ganhar dinheiro.

6 – Já na chegada, o peão vê que a realidade é bem diferente. A dívida que tem por conta do transporte aumentará em um ritmo constante, uma vez que o material de trabalho pessoal, como as botas, é comprado na cantina do próprio gato, do dono da fazenda ou de alguém indicado por eles. Os gastos com refeições, remédios, pilhas ou cigarros vão para um “caderninho”, e o que é cobrado por um produto dificilmente será o seu preço normal. Um par de chinelos pode custar o triplo. Além disso, é costume do gato não informar o montante, só anotar. Pedro conta que um par de botas sai por R$ 25 na cantina da fazenda Nossa Senhora Aparecida. Uma rede custa R$ 16, e uma foice, R$ 12. Esse material de trabalho deveria ser entregue gratuitamente, junto com o equipamento mínimo de segurança, que também não costuma existir.

7 – Após meses de serviço, o trabalhador não vê nada de dinheiro. Sob a promessa de que vai receber tudo no final, o trabalhador continua a derrubar a mata, aplicar veneno, erguer cercas e outras atividades degradantes e insalubres. Cobra-se pelo uso de alojamentos sem condições de higiene.

8 – No dia do pagamento, a dívida do trabalhador é maior do que o total que ele teria a receber. O acordo verbal com o gato também costuma ser quebrado, e o peão ganha direito a um valor bem menor que o combinado inicialmente. Ao final, quem trabalhou meses sem receber nada acaba devedor do gato e do dono da fazenda, e tem de continuar a suar para quitar a dívida. Força física e armas também podem ser usadas para mantê-lo no serviço.

Como alguém é libertado

Fiscalização atravessa a floresta amazônica

Para impedir que isso aconteça, grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho realizam vistorias de surpresa. Eles aplicam multas e libertam pessoas quando são constatadas irregularidades. De acordo com levantamento real
izado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), Pará e Mato Grosso são estados com maior incidência de utilização de trabalho escravo. E, neste ano, a Bahia entrou no rol de grandes usuários. A fiscalização do Ministério do Trabalho já libertou em 2003 quase 5 mil pessoas.

Uexlei Pereira foi encontrado pelo grupo móvel de fiscalização no dia 25 de novembro em um sítio próximo à cidade de Sapucaia (PA). Nesse dia, completava 24 anos. Se não fosse a ação do MTE, ele comemoraria o aniversário na derrubada da mata e na limpeza de uma área para plantio de pasto.

A denúncia surgiu de um trabalhador espancado pelo gato Baiano, que fugiu antes de a Polícia Federal chegar. Uexlei fez uma carteira de trabalho provisória e recebeu seus direitos trabalhistas diante dos auditores. Diz que, se tudo der certo, pretende voltar para casa em algum caminhão que tocar para as bandas do Sul da Bahia.

Como funciona uma ação de fiscalização:

1 – Pessoas que conseguem fugir dessas fazendas – muitas vezes andam dias até chegar a alguma cidade – ou que são liberados após o fim do serviço denunciam os maus-tratos. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Polícia Federal e as Delegacias Regionais do Trabalho, Sindicatos, Cooperativas de Trabalhadores, entre outros, recebem as denúncias e as encaminham ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Muitos trabalhadores têm medo de prestar queixa à polícia e autoridades locais, pois há pessoas ligadas com os fazendeiros.

2 – A Secretaria de Inspeção do Trabalho recebe e faz uma triagem dos casos. Um grupo móvel de fiscalização é acionado e se dirige à região para averiguar as condições a que estão expostos trabalhadores. Quando encontram irregularidades, como superexploração, trabalho escravo ou infantil, aplicam autos de infração que geram multas, além de garantir que os direitos sejam pagos aos empregados. Funcionários do MTE de diversos estados integram esses grupos, que possuem especialistas em áreas como saúde e assistência jurídica. Também participam da ação procuradores do Ministério Público do Trabalho e o Ministério da Justiça, por meio de juízes e de efetivo da Polícia Federal.

3 – O grupo se encontra com o trabalhador ou a entidade que fez a denúncia e planeja a ação, que deve ser realizada em total sigilo. A rede de informações de fazendeiros é extensa e, quando há rumores da presença de um grupo móvel na região, eles escondem os peões.

4 – Quanto mais distante das cidades, menor a efetividade da lei na Amazônia e maior o desrespeito aos direitos humanos. Por isso, mesmo os veículos com tração do MTE podem levar um dia inteiro para chegar até a fazenda. Infelizmente, os grupos não dispõem de helicópteros ou aviões, como os fazendeiros.

5 – A fazenda é visitada por vários dias até que todos os locais de trabalho sejam vistoriados. Constatadas irregularidades, o dono da fazenda é obrigado a pagar todos os direitos trabalhistas aos peões no ato. Em maio deste ano, na fazenda Ponta da Serra, município de Marabá, Francisco Moreira recebeu, de acordo com o grupo móvel, o maior valor já pago em direitos trabalhistas a um único trabalhador resgatado. Pelos seus 19 anos como carpinteiro da fazenda sem direito nenhum e com a audição comprometida por causa do serviço, recebeu R$ 40 mil, descontados os impostos. Aos 64 anos, já tinha passado da idade de se aposentar, mas temia parar de trabalhar por não ter a carteira de trabalho assinada.

6 – O dono é obrigado a garantir transporte aos trabalhadores para fora da fazenda e hospedagem em local decente, caso o pagamento leve mais de um dia. O grupo móvel só vai embora depois que todos forem pagos e os autos de infração forem lavrados. O dono da propriedade ainda responderá a processo na Justiça. Uma ação completa pode levar quase 15 dias, a depender da gravidade da situação.

7 – Se a situação encontrada for muito grave, se o proprietário se negar a realizar o pagamento ou criar problemas ao trabalho do grupo móvel, o Ministério Público do Trabalho pode acionar a Justiça do Trabalho e a Procuradoria da República pedindo o congelamento das contas bancárias dos sócios no empreendimento e a prisão dos envolvidos. Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso do empresário Augusto Farias, irmão do finado Paulo César Farias, no início deste ano. Hoje, ele responde a processo em liberdade.

8 – O trabalhador volta ao trecho, ou para sua casa e sua família. Pelo menos, até o dinheiro da indenização acabar. E voltarem a seca, o desemprego, a falta de terra, irrigação e crédito agrícola.

Protestos de ruralistas

O aumento na fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego tem preocupado ruralistas. No dia 24 de novembro, foi lançada em Redenção, Sul do Pará, a campanha estadual para a erradicação do trabalho escravo no Pará. Coordenada pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT), em parceria com mais 27 organizações da sociedade civil e do governo, ela vai ao encontro da campanha lançada pelo governo federal.

De acordo com Socorro Gomes, chefe da DRT do Pará, o objetivo principal da ação é a conscientização da sociedade civil com relação à existência do trabalho escravo no Brasil, aliada à repressão aos empregadores que usam esse tipo de mão-de-obra. Até outubro, dos 4779 trabalhadores libertados em todo o país este ano, 1746 foram soltos no Pará.

Presente ao lançamento da campanha no Pará, o secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, diz que todo combate ao trabalho escravo será feito democraticamente e proporcionará diálogo entre as partes envolvidas, sejam fazendeiros ou trabalhadores. Segundo ele, a imensa maioria dos empresários do Pará repudia essa prática e apenas uma minoria a utiliza.

Na chegada a Redenção, a comitiva formada por ministros, secretários, juízes, representantes da Organização Internacional do Trabalho e da Ordem dos Advogados do Brasil e demais entidades que participariam do lançamento da campanha foi recebida por faixas que diziam: “Nosso maior patrimônio: a dignidade”, “Por que perseguem nossa região?”, “Somos a favor de Redenção”. As faixas estavam penduradas em pontos estratégicos da passagem da comitiva ou eram seguradas por jovens vestidos de preto. O protesto foi organizado pelo Sindicato Rural de Redenção, que reúne proprietários de terra.

Segundo Luciano Guedes, ex-presidente do Sindicato de Redenção e vice-presidente da Federação de Agricultura do Estado do Pará (Faepa), Redenção está “sendo rotulada” como foco de trabalho escravo pelo governo federal. &
ldquo;Estamos perdendo emprego, e a criminalidade na cidade está aumentando”, afirma Guedes. Para ele, há um exagero por parte do Ministério do Trabalho e Emprego e violência por parte da Polícia Federal. Por essa razão, a cidade estaria "de luto", explica Guedes.

Os fazendeiros mandaram fechar o Country Clube da cidade, onde outro evento seria realizado na ocasião do lançamento da campanha. A atividade foi transferida para a Associação Atlética do Banco do Brasil, onde um grupo de mulheres e filhas de fazendeiros, auto-intituladas “Mulheres de Raça”, também tentou impedir a realização do evento. O novo protesto foi coordenado por Talita Andrade, filha do falecido Jairo Andrade, dono da fazenda Forkilha – que está na "Lista Suja do Trabalho Escravo", publicada pelo governo.

Questionados sobre o fato de a cidade estar de luto, os moradores que observavam a manifestação negaram o protesto. “Isso é coisa dos fazendeiros com o prefeito”, afirmou um deles. Já os jovens que seguravam as faixas nem sequer sabiam o porquê do protesto. Cada um recebeu R$ 15 por dia para se vestir de preto e segurar as faixas. “Se me dessem R$ 15,50 para eu ir embora, eu ia”, disse um deles. Os jovens confirmaram apenas que é difícil encontrar emprego na cidade.

Para a Comissão Pastoral da Terra, o combate à nova escravidão vai além de libertar trabalhadores. Aplaudido de pé no evento de lançamento da campanha, frei Henri de Roziers, um dos nomes mais importantes na luta contra a violência no campo, afirmou que o trabalho escravo não será erradicado pela repressão, mas pela conscientização do trabalhador e da sociedade e pela mobilização. Para ele, o fundamental é dar emprego e terra para a população plantar. E fez um apelo às autoridades presentes ao lançamento da campanha: “Façam um sinal concreto para a região: que dêem solução aos acampamentos de sem-terra dando terra a centenas de pessoas”.

Lista Suja do Trabalho Escravo no Brasil

A Secretaria Especial de Direitos Humanos e o Ministério do Trabalho e Emprego divulgaram uma lista com 52 pessoas e empresas, condenados pela Justiça por trabalho escravo. De acordo com o governo, eles vão perder a concessão de créditos e financiamentos em instituições estatais, como o Banco do Brasil, a Caixa EconômicaFederal, BNDES, Banco do Nordeste, entre outros. Um exemplo é a fazenda Santa Ana, em Santana do Araguaia, de Augusto e Eleusa Farias. Entre 1991 e 1997, a propriedade recebeu R$ 852 mil em financiamentos da Sudam, órgão do governo federal. Poderia sacar mais R$ 755 mil, se a fiscalização não tivesse ocorrido. De acordo com Ubiratan Cazetta, procurador da República no Pará, foi solicitada a devolução desse valor repassado, com correção monetária e multa de 10%. A ordem de cobrança deve sair até o final do ano.

Outro dos nomes ilustres na Lista Suja é o do deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE), condenado em duas ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho por manter trabalhadores escravos em sua fazenda Caraíba, em Gonçalves Dias (MA). Na operação, foram encontrados 53 trabalhadores que, segundo o Ministério Público do Trabalho, encontravam-se “submetidos a condições subumanas, sem alojamento adequado, sem alimentação suficiente e adequada, sem qualquer cuidado em relação às condições de higiene e saúde no trabalho, sem sequer água potável e material de primeiros socorros e, pior, sem direito de ir e vir, quando assim quisessem”.

De acordo com o Ministro Nilmário Miranda, a lista vai ser atualizada a cada seis meses, com a saída de proprietários que tenham regularizado a sua situação e a entrada de mais pessoas condenadas pela Justiça.

Destilaria Gameleira – Fazenda Gameleira, MT – 318 pessoas
Açaí Florestal Ltda – Fazenda Medalha, MA – 265 pessoas
Agropecuária Carajás Ltda – Fazenda Primavera, PA – 248 pessoas
Agro Industrial Nova Aurora Ltda – Fazenda Nova Aurora, MA – 203 pessoas
Agropec São Pedro S.A – Fazenda São Pedro, PA – 186 pessoas
André Mitsuo Igarashi – Fazenda Igarashi, MA – 168 pessoas
Fernando Luiz Quagliato – Fazenda Rio Vermelho, PA – 167 pessoas
Senor Ltda – Fazenda Senor, PA – 153 pessoas
José Coelho Vitor – Fazenda Santa Lúcia, PA – 133 pessoas
Sebastião Doujas Xavier – Fazenda Santa Luzia, MT – 129 pessoas
ATS Serviços Ltda ME – Fazenda Tuerê, PA – 127 pessoas
Agropecuária Umuarama Ltda – Fazenda Santa Fé, PA – 118 pessoas
Edmilson José Cesílio – Agropecuária Progresso Agropol, MT – 98 pessoas
Jairo de Andrade – Fazenda Forkilha, PA – 97 pessoas
Márcio Carvalho Ribeiro – Fazenda Primavera, PA – 97 pessoas
José Vaz da Costa – Fazenda N.S.Aparecida, PA – 90 pessoas
Vale Bonito Agro Pecuária S.A, PA – 88 pessoas
Florestal Maracaçumé Ltda – Fazenda Entre Rios, MA – 86 pessoas
Roque Quagliato – Fazenda Colorado, PA – 81 pessoas
Ediones Bannach – Fazenda 5 Irmãos, PA – 77 pessoas
Marcus Ribeiro de Carvalho – Fazenda Taguará, PA – 77 pessoas
Pedro Lopes Lima – Fazenda Pai Eterno, PA – 77 pessoas
Wellington Francisco Rosa – Fazenda Maranata, PA – 76 pessoas
Reinaldo José Zucatelli – Fazenda Sol Nascente, PA – 71 pessoas
Miguel de Souza Rezende – Fazenda Zonga, MA – 70 pessoas
Antônio das Graças Almeida Murta – Fazenda Lagoinha, MA – 65 pessoas
Newton Cunha Lemos & Outros – Fazenda Marapaí, PA – 64 pessoas
Carmo Guimarães Giffone – Fazenda Acapulco, PA – 62 pessoas
Francisco Donato Linhares de Araújo, PA – 60 pessoas
Lima Araújo Agropecuária Ltda – Fazenda Estrela de Alagoas, AL – 59 pessoas
Inocêncio Gomes de Oliveira – Fazenda Caraíbas, MA – 56 pessoas
Romualdo Alves Coleho – Fazenda São Paulo, PA – 55 pessoas
Divino Andrade Vieira – Fazenda Santa Luzia Tuerê II, PA – 52 pessoas
Aziz Mutran Neto – Fazenda Mutamba, PA – 48 pessoas
Jorge Multran Exportação e Imp. – Fazenda Castanhal Cabaceiras, PA – 47 pessoas
Humberto Rubens Cansanção Filho Fazenda Ouro Verde, PA – 43 pessoas
Eutimo Lippaus – Fazenda 1200 (Fazenda Boa Fé), PA – 36 pessoas
Gilberto Andrade – MA – 36 pessoas
Sebastião Vieira – Fazenda Gleba Porta do Amazonas, MT – 35 pessoas
Josemar da Costa Filho – Fazenda Marcélia IV e V, MT – 30 pessoas
Jairo Carlos Borges – Fazenda Ouro Preto, PA –
27 pessoas
Sandra Nancy de Souza Cunha – Fazenda Buriti II, PA – 27 pessoas
Wilson Moreira Torres – Fazenda Rio Lages, PA – 27 pessoas
Iolandes Bannach – Fazenda e Irmãos, PA – 26 pessoas
Milton Alonso Fazenda Dona Francisca, PA – 25 pessoas
Constantino de Oliveira Guimarães – Fazenda Colorado, PA – 23 pessoas
Pedro Castanheira de Oliveia Silva – Fazenda Ribeirão Bonito, PA – 23 pessoas
José Humberto de Oliveira – Fazenda Palmar, PA – 20 pessoas
Eurélio Piazza – Faz. Diadema IV ou Faz. Surucucu, PA – 18 pessoas
José Gilberto Borges de Freitas – Faz. Stº André Agropec. Fischer, MT – 17 pessoas
Miguel Vieira Messias – Fazenda Boca Quente, PA – 13 pessoas

São Paulo, dezembro de 2003

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