Senador denunciado quer complacência com fazendeiros

João Ribeiro (PFL-TO) considera que a fiscalização tem sido muito rigorosa com os “homens rudes do campo” e sugere que esteja ocorrendo uma indústria das denúncias para obter indenizações
Por Nelson Breve/Agência Carta Maior
 19/06/2004

Brasília – Denunciado pela Procuradoria-Geral da República, o senador João Ribeiro (PFL-TO) vem adotando a estratégia de não comentar diretamente o fato de terem sido encontrados em uma fazenda de sua propriedade 38 trabalhadores rurais vivendo em condições consideradas pelos fiscais do Ministério do Trabalho como análogas à de escravos. Em sua defesa, apresenta o requerimento encaminhado em maio ao procurador-geral, Cláudio Fonteles, no qual pede que o inquérito policial seja arquivado ou suspenso até que seja concluído o processo administrativo da Delegacia Regional do Trabalho do Pará, no qual questiona atitudes dos agentes que fiscalizaram sua propriedade.

Há uma semana, no entanto, Ribeiro abordou indiretamente o caso em um discurso na tribuna do Senado. Ao fazer o registro do funeral de “um grande amigo, João Batista Lopes, o conhecido João Rosa", levantou uma advertência e um apelo “às autoridades brasileiras encarregadas de fazer implementar a legislação que coíbe a prática do insidioso trabalho escravo no Brasil”. O senador afirmou que estão ocorrendo registros equivocados de trabalho escravo em centenas de propriedades rurais que ainda não modernizaram suas relações trabalhistas. E deveriam ser orientadas e não expostas a constrangimentos, como foi o caso de seu amigo de Xambioá (TO), levado ao suicídio por não suportar a humilhação de ser tratado nas ruas da cidade e pela imprensa como escravagista.

“Que as autoridades responsáveis pelo cumprimento das leis que elaboramos e defendemos intransigentemente no Senado da República, sobre o ótimo relacionamento entre capital e trabalho, se questionem sobre a postura que seus agentes têm adotado na apuração de supostas denúncias sobre a prática de trabalho escravo, para que não se repitam atos desesperados que, por fim, tirem a vida de homens trabalhadores”, pediu Ribeiro. “Senhores fiscais do trabalho, complacência para com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos”, apelou o senador, concluindo que o governo, na figura do Ministério do Trabalho, precisa tomar providências urgentes para evitar futuras tragédias. “Que se multe, que se execute o que estiver errado, mas não da forma agressiva como estão fazendo, humilhando sorrateiramente os que trabalham. O setor que deu certo neste País”.

No requerimento enviado à PGR, Ribeiro alega em sua defesa que as condições de higiene precária encontradas nos alojamentos de sua fazenda não são diferentes da realidade do município de Piçarra (PA), onde está localizada. Dos 2.846 domicílios particulares, segundo a defesa do senador, apenas um possui banheiro ou sanitário com esgotamento. Em 1.606 há banheiro ou sanitário, porém sem esgotamento. E em 1.239 não foram encontrados sanitários ou banheiros. Ele acrescenta que a rede geral de abastecimento de água atende apenas 14 domicílios particulares e só 55 recebem coleta de lixo.

Ribeiro contesta cada aspecto da denúncia usando os depoimentos dos próprios trabalhadores. Sustenta que nenhum fala sobre armas na fazenda que poderiam ser usadas para coagir os trabalhadores. Diz que eles não eram obrigados a pernoitar e poderiam ir e voltar à pé da cidade, que fica 6 km distante. Aponta que os depoimentos indicam uma jornada de trabalho normal, consideradas as horas extras legalmente permitidas. Garantem que a comida fornecida gratuitamente não era ruim e os trabalhadores não eram obrigados a comprar na venda, tanto que as despesas pendentes eram menores que o salário diário dos trabalhadores. Afirma também que os preços das botinas na venda, mais altos que os pagos na cidade, não podem ser levados em consideração porque variam de R$ 10 a R$ 100 conforme a marca e o modelo.

O requerimento sugere ainda que há uma indústria da denúncia de trabalho escravo beneficiando trabalhadores com indenizações e seguro desemprego. Cita os casos dos trabalhadores de sua fazenda, entre eles um que recebeu mais de R$ 4 mil entre seguro desemprego, verbas indenizatórias e salários atrasados, mesmo tendo declaro no processo que seu pagamento estava em dia. Acrescenta que o Grupo de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho demonstrou “certa dose de má-fé ou de ausência de conhecimento” ao não descontar das pendências de pagamento os valores dos adiantamentos feitos na contratação. “As declarações dos trabalhadores qualificados com escravos pelo Ministério do Trabalho, quando contrárias ao empregador, devem ser analisadas com moderação e cautela redobrada, porque uma sutil mudança em suas declarações (espontânea ou provocada por alguém) poderá colocá-los numa situação financeira extremamente vantajosa, ainda que isso represente a incriminação do empregador”, afirma o senador.

Ele acrescenta ainda no requerimento que a prisão e condenação pública de fazendeiros sob a pecha de escravocratas não combatem irregularidades trabalhistas no meio rural e não asseguram os direitos trabalhistas ao homem do campo. “Esses direitos devem ser precedidos de campanhas que visem esclarecer, ensinar e conscientizar o povo, por meio de campanhas educativas, similares àquelas feitas em Brasília, com relação ao uso obrigatório de cinto de segurança. Na verdade, iniciativas desse tipo, durante muito tempo, destinaram-se basicamente ao empregador e ao trabalhador urbano, deixando o meio rural sem informação e à deriva”, conclui.

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