Artigo – Polícia destrincha o crime dos fiscais de Unaí, mas ainda falta o mandante

Apesar das prisões de seis envolvidos nos assassinatos dos três fiscais e do motorista do Ministério do Trabalho durante o último fim-de-semana, falta ainda o principal para encerrar o caso que chocou o país: identificar e punir o autor intelectual
Por Maurício Hashizume
 27/07/2004

Brasília – A Polícia Federal (PF) reuniu autoridades, delegados e imprensa, nesta terça-feira (27), para anunciar que mais um crime que abalou o país foi quase desvendado. Apesar das prisões de seis envolvidos nos assassinatos dos fiscais Nelson José da Silva, João Batista Lages, Erastótenes de Almeida Gonçalves e do motorista Ailton Pereira de Oliveira do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) durante o último fim-de-semana, falta ainda o principal: apontar com suficiência de provas quem é o autor intelectual dos homicídios que ocorreram há exatos seis meses, no dia 28 de janeiro deste ano, em Unaí-MG.

Segundo o chefe da Delegacia de Homicídios de Belo Horizonte, Wagner Pinto, que acompanha o caso de perto, a linha de investigação “mais consistente e robusta até o momento” acerca do mandante dos crimes converge para o fazendeiro Norberto Mânica, um dos maiores produtores de feijão do país. O valor das multas aplicadas pelo falecido fiscal Nelson José da Silva a Mânica acumula cerca de R$ 2 milhões. Ele é o fazendeiro cujas multas alcança mais altas cifras na região. E a grande maioria de autuações com o seu nome resultaram da violação de leis trabalhistas. De acordo com o delegado, as investigações e as confissões dos executores confirmam que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas e o alvo principal era Nelson.

“Tudo leva a crer que foi um crime de mando”, completou Antônio Celso dos Santos, delegado da PF que acompanha o caso das morte dos fiscais do trabalho em Unaí. Seis pessoas foram presas nos últimos dias. Dois dos três pistoleiros – Erinaldo de Vasconcelos Silva (vulgo “Júnior”) e Rogério Alan Rocha Rios –, bem como o acusado de ser o contratar os matadores Francisco Élder Pinheiro, mais conhecido como "Chico Pinheiro", foram presos em Formosa-GO, município do entorno do Distrito Federal. Segundo os delegados, eles fazem parte de uma quadrilha de roubo de cargas, assaltos e pistolagem que já vinha atuando na região. O terceiro contratado para executar o crime, William Gomes de Miranda, foi detido no Paranoá, cidade-satélite do Distrito Federal.

Os outros dois presos que formam a cadeia “superior” do crime são José Alberto de Castro (vulgo “Zezinho”) e o empresário de comércio de cereais Hugo Alves Pimenta, de quem Castro é empregado. Apenas estes últimos não confessaram o crime e devem dar novos depoimentos para a Justiça de Minas Gerais. Todos os presos serão transferidos para Belo Horizonte nesta quarta-feira (28). "Apesar das prisões, alguns pontos precisam ser esclarecidos para se chegar aos mandantes", prometeu o delegado Santos, que confirmou novos depoimentos e diligências para alcançar a outra extremidade do crime que ainda não foi desvendado por completo.

Existe ainda um sétimo envolvido no crime que já estava preso na Polícia Civil do Distrito Federal. Trata-se de Humberto Ribeiro dos Santos, cuja participação se restringiu à adulteração de um livro de registro de hóspedes do Hotel Athos, em Unaí, onde os acusados se hospedaram no dia 27 de janeiro deste ano para cometer o crime na manhã seguinte. Alan, um dos pistoleiros, preenchera as lacunas com o seu nome verdadeiro.

Os delegados informaram que o suspeito Chico Pinheiro, em seu depimento, afirmou que o “patrão” (Hugo Pimenta) – por ele mesmo apontado – não informou qual seria o motivo do “serviço”. Pimenta teria apenas dito ao contratador que o fiscal Nelson “era muito rigoroso e que estava multando demais os fazendeiros da região”.

Empresário e não fazendeiro, Pimenta aluga um imóvel de propriedade de Norberto Mânica e, segundo a PF, demonstra cultivar laços de amizade com o latifundiário de Unaí. Em depoimento, o empresário assumiu que deve R$ 180 mil a Mânica. Ouvido pelos investigadores, Norberto Mânica negou qualquer envolvimento com o crime e disse que o acúmulo de multas não seria motivo para o assassinato o fiscal. Ele vai ser convocado para depor mais uma vez.

187 mil telefonemas e um relógio
As prisões realizadas até agora foram resultado de um cruzamento de dois rastros importantes deixados pelos criminosos. O primeiro deles foram os telefonemas. Os investigadores partiram de um universo de 187 mil registros de ligações telefônicas da região próxima a Unaí no período do crime para chegar a 2 mil suspeitos. As investigações chegaram, há cerca de três meses, a um grupo menor ligado ao contratador Chico Pinheiro. Bastou analisar alguns registros de hotéis da região de Paracatu, onde Júnior se hospedara uma semana antes do crime para acompanhar a passagem da equipe de fiscalização do MTE pela cidade, para fechar a teia. Algumas ligações de telefones públicos próximos à residência de Chico em Formosa confirmaram ainda mais as suspeitas.

Depois de serem encarcerados, porém, a prova mais evidente do envolvimento dos pistoleiros foi um relógio dourado, subtraído do fiscal Erastótenes na abordagem que antecedeu o crime. Pouco antes de fazer os disparos fatais, Júnior recolheu o objeto, imaginando que poderia lucrar com a oferta, feita pela própria vítima acuada pela ameaça de uma arma de fogo. Depois da execução, Junior confessou aos investigadores que jogou o relógio dentro do vaso sanitário de sua casa e deu descarga. Resultado de uma operação de cavação da fossa séptica da residência do acusado que durou seis horas no último domingo (25), os peritos encontraram o relógio de Erastótenes. A mulher do falecido fiscal já havia entregue a nota fiscal e uma foto da vítima com o relógio no pulso e essa era uma das informações-chave que a PF e a Polícia de Minas estavam mantendo emsigilo para não atrapalhar mais as investigações.

O crime
Os fiscais saíram do hotel no centro de Unaí às 7h05 do dia 28 de janeiro de 2004, hora em que Zezinho ligou a Júnior para informá-los. Três minutos depois, Zezinho liga mais uma vez para o pistoleiro para fazer um alerta de que os fiscais estavam próximos ao bando que, na ocasião, estava composto apenas por Júnior e Alan. William, o terceiro elemento, seguiria as vítimas em um outro carro. Às 7h10, Júnior retorna ligação para Zezinho para confirmar que já estavam seguindo o carro dos fiscais.

Os funcionários do MTE seguiram primeiro para a estrada que liga Unaí a Bonfinópolis, mas provavelmente por causa das condições desfavoráveis do percurso, resolveram dar meia volta. Quando estavam seguindo para a estrada de terra onde seriam abordados, erraram a entrada. Os bandidos, então, mesmo sem William (que seguia para o local do crime mas se atrasou por causa de pneu furado) pegaram o caminho certo e acabaram ficando à frente dos fiscais. Em um dado trecho da estrada muito ermo, os pistoleiros pararam o carro e desceram para pedir inform
ações aos fiscais. Foi aí que eles anunciaram um assalto e Erastótenes, o mais desesperado, logo cedeu o relógio a Júnior. Após o recolhimento dos telefones celulares, Júnior acertou dois tiros com sua pistola 380 na cabeça do motorista Ailton, três em João Batista e dois em Erastótenes, ambos sentados no banco de trás do veículo. Alan atingiu o principal alvo, o fiscal Nelson, com dois tiros de um revólver 38 na cabeça.

O crime ocorreu por volta de 8h30 a 8h40. Às 9h15, Júnior, já a caminho de Brasília, faz nova ligação para Zezinho para comunicar que o serviço estava feito. Segundo os acusados, no próprio dia dos assassinatos, os executores entraram em contato com o contratante Chico Pinheiro para informar que Nelson – cuja morte já tinha sido “orçada” em R$ 25 mil – estava acompanhado de mais três pessoas. Depois de ter contactado o “patrão” (Hugo), Chico Pinheiro teria autorizado os pistoleiros a matarem todos os quatro. “Pode matar todos que a gente dobra o preço”, teria dito Hugo, conforme relato do próprio Chico Pinheiro.

O carro Fiat Fiorino utilizado por Júnior e Alan para o crime foi jogado no Lago Paranoá, em Brasília e foi encontrado no dia 3 de fevereiro pela Polícia Civil do DF. A arma do crime, relatou Júnior, também foi jogada no Paranoá. A PF está organizando diligências nos próximos dias para procurar a pistola.

Cinco ou seis dias depois do crime, Zezinho foi até Formosa entregar o dinheiro para Chico Pinheiro. Com a grana em espécie (algo em torno de R$ 50 mil), Chico Pinheiro chamou Júnior para que ele ficasse responsável de distribuir a parte dos executores. Júnior teria ficado com R$ 17 mil (com os quais comprou um carro), R$ 9 mil foram para Alan e William pegou R$ 5 mil. Outros R$ 3 mil acabaram com Humberto só para que ele arrancasse a folha de registro de hóspedes do Hotel Athos em que Alan escreveu o seu nome verdadeiro. Chico Pinheiro, o intermediador, recebeu aproximadamente o restante, aproximadamente R$ 16 mil. A mesma quadrilha, de acordo com investigações da PF, já chegou a matar por apenas R$ 3 mil.

Da Agência Carta Maior

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