Plano contra escravidão avança, mas obstáculos políticos permanecem

Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) envia balanço dos 18 meses do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo ao presidente Lula. Escravocratas estão mais pressionados, mas governo tem “abacaxis” políticos pela frente
Por Maurício Hashizume
 17/08/2004

Brasília – O ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), apresentou, nesta segunda-feira (16), um balanço ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva dos primeiros 18 meses do plano federal voltado para a erradicação de uma chaga nacional: o trabalho escravo. A divulgação foi feita na abertura de mais uma reunião da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) – que reúne, além de membros do Poder Executivo e do Judiciário, integrantes de entidades representativas e organizações nacionais e internacionais da sociedade civil.

Os números e as providências contidas no balanço apresentado pelo ministro revelam avanços concretos: pelo menos 65 das 76 ações contidas no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo lançado em 11 de março de 2003 já foram concluídas ou estão sendo implementadas. Houve incrementos materiais (veículos, computadores portáteis e outros equipamentos de comunicação) e de recursos humanos (concurso público foi realizado para contratar 225 auditores fiscais do Trabalho; 116 já foram nomeados). Em 18 meses, 99 operações fiscalizaram 387 propriedades. Foram libertados 6.465 trabalhadores, 3.633 autos de infração foram lavrados e a soma dos direitos trabalhistas pagos chegou a R$ 8,7 milhões.

De março de 2003 a agosto de 2004, foram ajuizadas, pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadãos (PFDC), 26 denúncias de natureza criminal contra 118 pessoas envolvidas na prática do trabalho escravo, em seis diferentes Estados.

Tudo o que foi enumerado pelo ministro na carta ao presidente não resulta, porém, apenas do esforço do governo federal. Tampouco da SEDH. A cooperação de diversos órgãos do poder público e não-governamentais consistiu e permanecendo consistindo no elemento-chave para as conquistas no combate ao trabalho escravo. Para se ter uma idéia, além das pastas ligadas ao tema, são citadas nominalmente no documento os governos estaduais do Piauí, Maranhão e Mato Grosso, a Polícia Federal, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 15 das maiores empresas do setor siderúrgico da região Norte do Brasil, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Radiobrás e a organização não-governamental (ONG) Repórter Brasil, entre outras entidades.

Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sublinhou o ganho na agilidade do processo desde a denúncia e apuração até a investigação pelos poderes competentes e o aumento de quatro para sete coordenações de equipes de combate ao trabalho escravo sob responsabilidade do MTE. “Em 2003 e 2004, demos um salto que não conseguimos dar em uma década”, salientou aos membros da Conatrae. “ Saímos do binômio Pará-Mato Grosso e chegamos a regiões como o Oeste da Bahia e Tocantins. E a formalização de vínculo empregatício no campo aumentou muito”.

Tensão no ar
A despeito do balanço largamente positivo do que já foi realizado nos últimos 18 meses, permanece ainda uma tensão acerca do empenho político do alto escalão do Executivo com relação a dois itens de relevância para o conjunto de 76 ações do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.

A principal preocupação manifestada pelos membros da Conatrae recai sobre a proposta de emenda constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras nas quais forem constatadas a exploração de trabalho escravo. Fruto de um acordo de Plenário na Câmara dos Deputados, uma emenda aglutinativa modificando a redação da matéria foi aprovada em 1º turno na semana passada. Com a alteração, a PEC deverá, depois de ser submetida mais uma vez a voto na deputados e deputadas federais, voltar ao Senado.

Segundo o ministro Nilmário Miranda, as modificações que ampliaram a jornada de tramitação da emenda foi resultado do descumprimento por parte da bancada ruralista de um acordo anterior firmado na comissão especial que analisou a proposta. Na avaliação dele, se a votação não fosse realizada no esforço concentrado da semana passada, o risco de aprovação da PEC seria ainda maior. “O menor problema é a volta ao Senado. A matéria já passou por lá uma vez. A bancada ruralista é forte na Câmara”, disse, confirmando que as alterações contaram com a sua anuência e a do ministro Ricardo Berzoini (Trabalho e Emprego). “Lei boa no Congresso é a que passa. O acordo não foi lesivo à emenda”.

Outro item que provoca ressalvas entre os integrantes da comissão é a remissão dos crimes referentes a direitos humanos à Justiça federal. A IX Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada há dois meses, a medida foi derrotada em votação final de delegados e delegadas. Para os representantes do Ministério Público que fazem parte da Conatrae, a proposta que está presente na Reforma do Judiciário que tramita no Congresso é de extrema importância para combater a impunidade dos escravocratas.

Para imprimir a dinâmica de “identificar e remover obstáculos” que defende, o ministro e o Poder Executivo precisarão, portanto, mostrar pulso firme para os desafios espinhosos que se colocam no horizonte da erradicação do trabalho escravo. A lista é extensa: desde o enfrentamento político da exploração da mão-de-obra escrava em fazendas-modelo do agronegócio até o julgamento do 1º vice-presidente da Câmara, Inocêncio de Oliveira (PFL-PE) por prática de trabalho escravo no Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Maranhão.

Sem esquecer da polêmica à vista com a resolução que está pronta para ser votada no CMN. A norma impede não só a liberação de crédito de bancos públicos como veta também o empréstimo de instituições privadas para as pessoas físicas e jurídicas que constarem da “lista suja” do trabalho escravo, que já soma 101 casos em que já houve condenação administrativa. “Essa medida está dentro da lógica estrita do capitalismo. Emprestar dinheiro para escravocata é um grande risco. Ele pode ser preso, perder a terra depois que a PEC for aprovada, etc. É um criminoso”.

Da Agência Carta Maior

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