A mulher tem condições éticas e morais de decidir sobre seu próprio corpo e de controlar sua capacidade reprodutiva. Nesse sentido, o aborto não é um pecado, nem uma ofensa à moral, mas sim uma questão de saúde pública e de cumprimento dos direitos das mulheres. Sem essa liberdade de escolha não é possível a justiça social. Essa é a idéia central da campanha Católicas pela Legalização do Aborto no Brasil lançada, nesta quinta-feira (27), pela ONG feminista Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), durante atividade do quinto Fórum Social Mundial. Elas consideram que se a mulher não tem condições físicas, psicológicas ou econômicas de enfrentar a gravidez, tem o direito de interrompê-la.
“Não somos animais, somos seres pensantes, de desejos e de escolhas”, afirma Maria José Rosado, coordenadora da entidade que promove a campanha. A vida humana é considerada por elas sagrada, e por isso merecedora de um respeito profundo. “Muitas pessoas pensam que nós, feministas favoráveis à legalização do aborto, somos contra a maternidade, mas não é nada disso. A decisão livre das mulheres sobre ter ou não filhos humaniza a maternidade”, completa. Ela lembra que na própria religião católica há mulheres que escolhem não serem mães – as freiras – e tal decisão é louvada.
Essa questão não faz parte dos dogmas da igreja católica e nem todos os cristãos são contrários à interrupção da gravidez. Segundo as católicas feministas, muitos deles, inclusive alguns teólogos católicos, defendem a legalização desse procedimento, por considerarem que as mulheres são capazes de tomar decisões éticas recorrendo à consciência, recurso indicado pela igreja católica desde os primórdios. Elas acreditam que essas divergências não deveriam ser escondidas num silêncio profundo, mas sim divulgadas aos fiéis, que têm o direito de saber o pensamento sobre o aborto dentro do catolicismo.
A campanha Católicas pela Legalização do Aborto no Brasil faz parte das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro e tem o objetivo de abordar a questão a partir das particularidades religiosas, enfocando suas implicações na vida da mulher cristã e na sociedade. A campanha prevê a realização de oficinas sobre as questões éticas e religiosas do aborto em diversas cidades do país, junto a movimentos sociais, sindicais e feministas, para estimular a reflexão e sensibilizar a sociedade sobre o tema. A iniciativa também inclui uma coleta de assinaturas, de forma qualitativa e não quantitativa, com a finalidade de alcançar pessoas conscientes da importância de discutir o assunto. “Queremos ajudar as católicas a serem a favor do aborto não apesar da fé, mas em nome da fé”, afirma Maria José. As jornadas são uma articulação do movimento de mulheres e movimento feminista, criada em 2003, para estimular e organizar a mobilização nacional pelo direito ao aborto legal e seguro, apoiar projetos de lei que ampliem os permissivos legais para o aborto, contrapor-se aos projetos de lei contrários a essa prática.
Revisão da legislação punitiva
Estima-se que a cada ano ocorram de 750 mil a 1 milhão de abortos clandestinos no Brasil. Em média, 250 mil mulheres são internadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) vítimas de abortos inseguros. Delas, cerca de 10% morrem, influindo significativamente nos índices de mortalidade materna, e 20% ficam com seqüelas. O aborto inseguro é praticado principalmente por mulheres negras e pobres, que não podem pagar pelo procedimento seguro em clínicas particulares. Segundo a ministra da Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Matilde Ribeiro, esse não é um tema fácil para a sociedade, nem para a igreja e nem para o governo. “Como mulher negra brasileira sou favorável à legalização do aborto. Entendo que o estado tem que ser laico, não pode ser neutro nem cego ao problema. Mas não é fácil reverter posturas históricas, rígidas e elitistas”, diz.
Em julho de 2004, as cerca de duas mil participantes da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres aprovaram a legalização do aborto, como diretriz do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, apresentado em dezembro pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM). Atualmente, a interrupção da gravidez é permitida apenas em caso de estupro ou de risco para a vida da mãe. Outra diretriz do plano é a revisão da legislação punitiva brasileira acerca do aborto, que está sendo realizada por uma comissão criada pelo governo federal. Em fevereiro, deve ser concluído o trabalho da comissão, que resultará num projeto de lei que será enviado ao Congresso Nacional.
A oposição dos setores religiosos mais conservadores contra essas decisões da conferência é muito forte. “Eles querem impor sua moral e seus valores para todo o conjunto da sociedade”, lamenta Gilberta Soares, coordenadora das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro. Segundo ela, a campanha das católicas mostra que as mulheres podem ser a favor do aborto sem precisar negar sua fé. Mesmo aquelas contrárias a esse procedimento não podem deixar que suas convicções religiosas resultem na negação dos direitos das pessoas que não seguem determinada religião, ou que seguem, mas não concordam com alguns preceitos dela.
Da Agência Carta Maior