Incra reconhece terras de comunidade no litoral paulista

Depois de uma ampla mobilização social, a comunidade quilombola de Caçandoca, em Ubatuba, conseguiu o reconhecimento de suas terras por parte do Incra. No entanto, a ameaça de expulsão, que já dura sete anos, ainda não terminou em definitivo
Por Fernanda Sucupira
 08/06/2005

A comunidade quilombola de Caçandoca, localizada em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, está em festa. Ameaçadas de despejo, as sessenta famílias que vivem ali conseguiram duas vitórias na semana passada: a cassação da liminar de reintegração de posse e o reconhecimento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de que a área pertence à comunidade, que vinha sendo tratada como invasora pelos supostos proprietários. Neste domingo (05), foi realizada uma grande reunião festiva na praia paulista para comemorar essas conquistas e apresentar as reivindicações dos quilombolas, com a presença de deputados estaduais, organizações do movimento negro e de outros movimentos sociais, de representantes da polícia militar, do governo federal e estadual, incluindo o atual secretário de Justiça, Hédio Silva Jr.

Após muita pressão e uma grande mobilização de diversos setores da sociedade e do governo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suspendeu, na quarta-feira passada (1o), a liminar de reintegração de posse em favor da imobiliária Urbanizadora Continental, que se diz dona de parte do terreno. Até então, os quilombolas, que vivem lá há cerca de 150 anos, poderiam ser removidos a qualquer momento, e o clima era de grande tensão. “Provavelmente a imobiliária vai recorrer da decisão, mas agora os habitantes de Caçandoca têm mais tempo para permanecer na terra. Eles estavam com a corda no pescoço, mas conseguiram um fôlego”, afirma Edgar Aparecido Moura, coordenador estadual dos Agentes Pastorais Negros do Brasil (APNS), que vem acompanhando a história.

A disputa judicial já dura mais de sete anos e essa é a sexta liminar que os quilombolas, descendentes dos escravos de uma antiga fazenda de café, precisam vencer para continuar ali, sob constante pressão, numa das mais valorizadas regiões do litoral norte paulista. Eles têm sido vítimas constantes de intimidações violentas e ameaças de expulsão por causa da disputa pela terra onde a imobiliária quer construir um condomínio residencial.

A liminar alivia a situação imediata, mas não resolve o problema definitivamente. Por isso, o reconhecimento do território quilombola foi a conquista mais comemorada. Com a portaria publicada pelo Incra, também na quarta-feira (1o), o órgão governamental deu mais um passo no processo de titulação das terras, que pode passar pela desapropriação do terreno, como prevê o decreto do governo federal 4887, de 2003. Na portaria o Incra afirma que a área de 890 hectares pertence à comunidade de Caçandoca e que os interessados têm noventa dias para apresentar recursos contra essa decisão. Na verdade, a disputa com a Urbanizadora Continental diz respeito a apenas 210 hectares; no restante do terreno existem outros supostos proprietários.

Durante o ato público festivo, foram apresentadas algumas reivindicações da comunidade, que pretende conseguir uma reunião ampliada com a câmara municipal e a prefeitura de Ubatuba. Eles querem que as escolas existentes na área, fechadas há alguns anos, voltem a funcionar. Atualmente, as crianças precisam do transporte escolar para percorrer os sete quilômetros até a instituição mais próxima. Nos dias de chuva, freqüentes no litoral norte paulista, as crianças não estudam porque os ônibus não conseguem passar pelas estradas de terra que dão acesso à comunidade. Muitas famílias já tiveram que se mudar para garantir a continuidade da educação de seus filhos. Os quilombolas atribuem essa situação à pressão dos grileiros que querem expulsá-los de lá.

Outro problema grave são os bois que, segundo os quilombolas, foram soltos no território étnico pela imobiliária. “Colocaram bois que comem tudo o que a gente planta, devastam a área de preservação ambiental. Eles não recebem nenhum tratamento e muitos acabam morrendo”, denuncia Antonio dos Santos, presidente da associação quilombola de Caçandoca. Além de destruírem as plantações e as matas, ainda colocam em risco a vida das crianças que transitam pela área. Eles também querem que o Incra e os deputados estaduais intervenham junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e ao Ministério do Meio Ambiente pelo fim dos desmatamentos realizados pelos grileiros na área.

As vitórias recentes só foram possíveis graças à ampla mobilização em torno da causa nas últimas semanas, por parte de diversos setores da sociedade civil e dos governos federal e estadual. “O Brasil todo se comoveu com a situação. Pessoas de Brasília, do movimento negro, deputados estaduais, e câmaras de outros municípios, e até o próprio secretário de Justiça nos ajudaram”, reconhece Santos. Em parceria com a Fundação Cultural Palmares, a comunidade vai organizar um encontro nacional de quilombos, em Caçandoca, nos dias 23 a 25 de julho desse ano para discutir a situação pela qual passam.

Da Agência Carta Maior

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