Fórum de Tuberculose promete mobilizar a população em SP

Associação Brasileira de ONGs, em parceria com o poder público, criará o Fórum porque considera a mobilização da população fundamental para combater uma doença que avança em áreas de desigualdade social. A distribuição dos 7,5 mil casos novos por ano na capital paulista segue o mapa da exclusão social no município
Por Fernanda Sucupira
 06/08/2005

O Brasil está entre os 22 países com o maior número de casos de tuberculose no mundo. Juntas, essas nações concentram 80% do total dos doentes, apresentando em média 80 mil novos casos e 5 mil óbitos a cada ano. Há anos esses números preocupam as autoridades. Em 2000, o país se comprometeu junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) a dar prioridade ao controle da doença.

Agora é a vez da sociedade civil se mobilizar. A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), em parceria com as secretarias estadual e municipal de Saúde, está articulando diversas entidades com o propósito de criar, em setembro, o Fórum Tuberculose em São Paulo.

O Estado não foi escolhido ao acaso. Em termos absolutos, São Paulo é o Estado brasileiro com o maior número de infectados, com 18 mil novos casos e 1 mil mortes por ano. Isso se deve não apenas ao fato de ser o mais populoso do país, mas também pelas imensas desigualdades sociais encontradas nas cidades paulistas. A mobilização social é considerada fundamental para combater a tuberculose já que é uma doença que atinge principalmente os grupos mais desfavorecidos.

A importância da participação social se explica, entre outros fatores, pela dificuldade de identificação precoce dos casos, já que é grande a falta de informação sobre a doença e a estigmatização dos portadores dela. Muitos não sabem que de duas a três semanas após o início do tratamento, o doente não precisa mais ficar isolado do convívio social porque deixa de transmitir a doença. O Fórum pretende estimular que a população se mobilize e se informe sobre os sintomas da tuberculose, as formas de transmissão e tome conhecimento sobre a existência de tratamento eficaz e gratuito.

“O objetivo é que organizações e grupos façam o controle e a mobilização social e divulguem informações sobre a doença, que é curável, mas se não for tratada pode matar”, explica Nadja Alves Faraone coordenadora regional da Abong e coordenadora geral da ONG Ação da Cidadania. Num primeiro encontro para organizar o Fórum Tuberculose paulista, compareceram 122 organizações sociais, principalmente aquelas que trabalham diretamente com a comunidade, como as associações de moradores e as pastorais, entre elas a da saúde e a carcerária. O Fórum quer estimular a participação nos conselhos de saúde e nos conselhos dos postos de saúde.

Outro obstáculo para o combate à tuberculose que pode ser superado por meio da mobilização é o tratamento da doença. A cura completa requer que ele seja regular e diário, por, no mínimo, seis meses. No entanto, após os primeiros vinte dias, o doente já se sente bem melhor e muitas vezes acaba abandonando os medicamentos. “Eles precisam ser insistentemente orientados para cumprir o tratamento até o fim. Senão, depois voltam a adoecer, destroem ainda mais os pulmões, a doença fica mais grave e há o risco do bacilo se tornar mais resistente”, afirma Vera Galesi, coordenadora do Programa de Controle de Tuberculose (PCT) no Estado de São Paulo.

Para evitar esse problema, a OMS recomenda a adoção do Tratamento Diretamente Observado (DOT, em inglês). Ele consiste simplesmente em que o profissional de saúde acompanhe a ingestão do remédio pelo paciente, partindo do princípio de que não basta o doente ser o único responsável pela cura, já que é uma doença com raízes sociais e impacto coletivo. Ou o doente se dirige diariamente ao serviço de saúde ou recebe em casa o agente comunitário, no caso do Programa de Saúde da Família (PSF).

A faixa etária mais atingida é a dos adultos jovens, homens de 25 a 40 anos, que trabalham e não têm costume de freqüentar as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Há uma grande dificuldade de fazer o tratamento supervisionado com eles, que muitas vezes trabalham e não querem comunicar à empresa, com medo de serem despedidos. Como isso costuma acontecer por falta de conhecimento da parte de patrões e empregados, o PCT de São Paulo pretende conscientizar as empresas para que seja possível até mesmo tomar o remédio no ambulatório médico do local de trabalho.

Moradores de rua e bolivianos
O maior desafio é a cidade de São Paulo, em que a incidência de tuberculose está intimamente ligada às más condições de vida e moradia de grande parte da população. A distribuição dos cerca de 7,5 mil casos novos por ano na capital segue o mapa da exclusão social no município, atingindo em especial a periferia. Além disso, a falta de ventilação, em ambientes fechados ou com grande aglomeração, favorece a transmissão da doença, que se dá pelas vias respiratórias.

Por isso, ônibus e metrôs cheios, presídios lotados, ou pequenos barracos onde vivem muitas pessoas, situações bastante freqüentes em São Paulo, são ambientes propícios para a transmissão do bacilo da tuberculose. As populações mais marginalizadas, portanto, são as que mais sofrem com o problema, com destaque para os moradores de rua e os imigrantes latino-americanos, em especial os bolivianos que vêm trabalhar em tecelagens em São Paulo. “É um ciclo vicioso porque atinge os mais pobres, que acabam sendo excluídos do trabalho. Desempregados, ficam ainda mais pobres. Isso perpetua a pobreza”, acredita Nadja.

Estima-se que mais de 10 mil pessoas vivam nas ruas da capital, grande parte concentrada no centro da cidade. Muitos não têm sequer onde guardar os remédios e podem ficar, no máximo, três meses nos albergues, tempo inferior ao do tratamento, o que dificulta sua supervisão. Outros fatores como o alcoolismo, as drogas, a desnutrição ou a presença do vírus HIV ainda aumentam as chances de contrair tuberculose. “É uma situação grave porque é uma doença que não se resolve apenas com ações da área de saúde. É preciso resolver a questão social antes”, diz Vera.

As precárias condições em que vivem os imigrantes bolivianos aumentam a incidência da tuberculose entre esse grupo. O Centro Pastoral do Migrante estima que existam hoje, na capital paulista, de 600 mil a 700 mil latino-americanos, dos quais 40% estão em situação irregular. Só os bolivianos seriam 400 mil pessoas, sendo que 12 mil estariam em condição de escravidão.

Grande parte deles trabalha clandestinamente em tecelagens, muitas vezes em condições análogas à escravidão. “Eles trabalham muitas horas por dia, em ambientes lotados, com pouca ventilação, sob constante estresse, dormem pouco e se alimentam precariamente. Tudo isso aumenta as chances de contrair tuberculose”, Rosângela Magalhães Gaeta, da Pastoral do Migrante.

Da Agência Carta Maior

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