Como se não bastassem as inúmeras polêmicas que permeiam a área ambiental do governo Lula, uma nova discussão ganhou as páginas dos jornais nos últimos dias, colocando em lados opostos do ringue o Ministério do Meio Ambiente (MMA), comandado pela ministra petista Marina Silva, e o governo do Mato Grosso do Sul, chefiado por José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT. O motivo da briga foi a nova tentativa do governador de realizar um antigo sonho: permitir a construção de usinas de álcool na bacia do Alto Paraguai, em região próxima ao Pantanal. Condenado por ambientalistas e qualificado como “inconstitucional” por Marina, o projeto agora corre o risco de ser rejeitado na Assembléia Legislativa, o que causou a ira de Zeca. Muito pior que tudo isso, a disputa em torno das usinas do Pantanal provocou a morte do ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, mais conhecido como Francelmo, que se suicidou no último domingo (13) após atear fogo ao próprio corpo durante um protesto.
Não fosse o ato extremo de Francelmo, talvez o governador, que tem maioria na Assembléia, já tivesse conseguido aprovar o Projeto de Lei 170/05, que atualmente se encontra sob análise da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR). Depois do acontecido, de sua grande repercussão na mídia e da manifestação contrária do MMA, no entanto, a maioria dos deputados estaduais parece inclinada a deixar esse assunto pra lá: “A lei estadual tem de estar em conformidade com a Constituição Federal. Não adianta a Assembléia aprovar o projeto e depois os órgãos do governo não poderem conceder a licença ambiental. O entendimento que eu sinto na maioria da comissão é pela inconstitucionalidade”, avalia o deputado Onevan de Mattos (PDT), presidente da CCJR.
O suicídio de Francelmo causou comoção nos movimentos sociais e imediatamente chamou a atenção do MMA. Na nota em que lamentava a morte do ambientalista, Marina já deixara bem claro que o ministério “é contra a implantação de agroindústrias de exploração de cana-de-açúcar e seus derivados em áreas limítrofes ao Pantanal sul-mato-grossense”. Na quarta-feira (16), a ministra enviou uma carta ao presidente da Assembléia Legislativa, deputado Londres Machado (PL), pedindo que o projeto enviado por Zeca do PT não fosse aprovado: “Sou contra a implantação de empreendimentos sucroalcooleiros na planície pantaneira e adjacências. Isso é inconstitucional, e por isso enviei ao presidente da Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul uma carta pedindo seu apoio para que ajude a reprovar o projeto do governador”, disse Marina.
Irritado com o que considerou uma ingerência da ministra nos assuntos estaduais, o governador Zeca do PT foi longe nas críticas: “A ministra não entende nada de Pantanal, pois tem uma visão muito amazônica do meio ambiente, por isso está falando besteira. É lamentável que ela venha interferir num assunto que não conhece apenas para fazer média com os ambientalistas”, disse. O governador argumenta que as usinas previstas no projeto de lei serão construídas na região norte do Estado e não ameaçam o Pantanal: “O local [da construção das usinas] fica num altiplano e é bem distante da planície pantaneira, quem conhece o Mato Grosso do Sul sabe disso”, disse.
Desrespeito ao Conama
Em viagem oficial ao Uruguai, Marina aproveitou os ares diplomáticos que a cercavam e evitou também utilizar palavras de confronto para responder a Zeca do PT: “Eu respeito a posição do governador e de alguns deputados que defendem o projeto, respeito a posição das autoridades estaduais. No entanto, prefiro me ater ao mérito das questões e, nesse caso, a construção das usinas não é ambientalmente sustentável como pede a lei”, disse. A Constituição Federal determina que o Pantanal é patrimônio nacional e qualquer assunto relativo a esse bioma deve ser tratado em âmbito federal. Partindo daí, a ministra afirma que o projeto do governo estadual é ilegal por não respeitar uma decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), tomada em março de 1985, que determina a suspensão de qualquer nova concessão para a instalação de usinas nas bacias hidrográficas do Pantanal.
Além da questão legal, os ambientalistas denunciam o impacto ambiental do projeto. O argumento do governo estadual de que as usinas seriam construídas numa área alta e não diretamente colada ao Pantanal, apesar de verdadeiro, não é suficiente para evitar o temor de danos ecológicos. O problema é que todos os pequenos e médios rios da região de altiplano deságuam nas bacias de dois grandes rios – o Paraná e o Paraguai – o que faz com que qualquer eventual contaminação das águas pelas usinas seja potencialmente perigosa para todo o Pantanal. A preocupação dos ambientalistas é quanto a um possível derramamento de um subproduto da industrialização da cana que é extremamente poluente: o vinhoto. Sobretudo no rio Paraguai, que tem correnteza fraca, qualquer contaminação poderia significar a mortandade de várias espécies.
“Morte lenta”
Secretário-executivo da coalizão de ONGs Rios Vivos, Alcides Faria alerta que o perigo vai além do vinhoto, pois Zeca do PT já anunciou que a intenção do governo estadual é dobrar a área plantada de cana-de-açúcar no Estado: “A construção dessas usinas será acompanhada pelo aumento das queimadas, pelo alastramento das lavouras de cana e pelo aumento na utilização de herbicidas. Isso representará a morte lenta, segura e gradual do Pantanal”, disse. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o secretário-executivo do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), Temístocles Marcelos, afirmou que as organizações devem se reunir até o fm deste mês para discutir a necessidade de intervenção do governo federal na discussão: “Esse debate não pode ficar somente sobre o ponto de vista do desenvolvimentismo que caracteriza o governo Zeca do PT”, disse.
Na nota divulgada, o MMA também deixa clara sua posição contrária ao argumento de que as usinas ficariam suficientemente distantes do Pantanal: “O ministério entende que a preservação da planície pode não se concretizar, apesar dos limites geográficos e físicos propostos pelo projeto de lei, uma vez que existe a possibilidade de contaminação dos rios que correm do planalto para o pantanal”, afirma o documento. Essa batalha, no entanto, ainda não tem vencedor, pois o governador Zeca do PT promete lutar pela aprovação do projeto até o fim. Entre os deputados favoráveis à construção das usinas de álcool, houve quem chorasse no microfone do plená
rio da Assembléia Legislativa ao dizer que “a ministra Marina está querendo matar o sonho do desenvolvimento econômico do Mato Grosso do Sul”.
Da Agência Carta Maior