Fazendeiros britânicos pedem fim das importações de carnes brasileiras

Segundo eles, a indústria da pecuária no Brasil contribui com o aumento do desmatamento na Amazônia e se beneficiaria de mão-de-obra escrava
Rodrigo Coelho
 15/11/2005

Pouco mais de cem criadores de gado britânicos realizaram uma manifestação nessa terça-feira na cidade portuária de Tilbery, na Grã-Bretanha, pedindo a suspensão total das importações de carne brasileira pelo país.

"Estamos preocupados porque continuamos a comprar de um país onde existe a febre aftosa", diz Jane Basset, criadora de gado e uma das organizadoras do protesto.

Ela, assim como outros fazendeiros, teme que a carne brasileira possa voltar a contaminar os rebanhos britânicos com a doença.

Em outubro, a União Européia decretou a proibição da importação da carne produzida nos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo, devido à descoberta de focos de aftosa no Mato Grosso do Sul.

Trauma
"Não existem formas confiáveis de se traçar os caminhos do gado dentro do Brasil. Um animal infectado pode ser transportado de um Estado para o outro e ser exportado", disse Jane Basset.

"Se o Brasil utilizasse os mesmos mecanismos para a certificação da proveniência do gado que usamos na Grã-Bretanha, não teríamos nenhum problema."

Henry Rowntree, outro fazendeiro do país, disse que "o tema da febre aftosa é muito delicado para os britânicos". Em 2001, um surto da doença fez o governo britânico sacrificar milhões de animais e representou outro duro golpe para a já debilitada indústria pecuária do país, que apenas começava a se recuperar dos prejuízos causados pelo mal da vaca louca.

"Tivemos dez anos de catástrofes e, se a aftosa voltar, seria o último prego no caixão da indústria", diz Basset.

Ética
Além de pressionar o governo para expandir a proibição para todo o território nacional, os fazendeiros britânicos querem influenciar o público local a boicotar a carne brasileira por questões éticas.

Eles usam dados que mostrariam que a expansão da indústria pecuária no Brasil é causa de um grande desmatamento da região da floresta amazônica, além de aumentar as violações dos direitos humanos no país.

"Estamos aqui também por causa do uso de trabalho escravo e da destruição da Amazônia. É inaceitável que continuemos a compactuar com isso", diz Rowntree. "Acredito que vários brasileiros também não concordam com isso."

Ele cita pesquisas que apontam que, apenas no ano passado, uma área de 26 mil quilômetros quadrados de florestas foi derrubada para criar novas pastagens. Além disso, organizações internacionais apontam para o uso do trabalho escravo nesta região.

Em um artigo publicado no jornal britânico The Guardian no dia 26 de outubro, o embaixador brasileiro na Grã-Bretanha, José Maurício Bustani, defendeu o gado brasileiro dessas acusações.

Segundo Bustani, o gado do Brasil é conhecido como "gado verde", porque, ao contrário do britânico, não é confinado e nem alimentado com produtos de origem animal.

O embaixador também afirmou que o Brasil eliminou o gado em áreas afetadas pela febre aftosa, está combatendo o trabalho escravo e, quanto à devastação da Amazônia, o embaixador lembrou que apenas um dos seis principais Estados produtores de gado de corte no Brasil, o Mato Grosso, fica na região.

Impacto no mercado
Além da febre aftosa e a suposta falta de ética de produtores no Brasil, existe também uma preocupação entre fazendeiros britânicos com o impacto das importações brasileiras no mercado interno.

O Brasil se transformou, no ano passado, no maior exportador de carne mundial, e a Grã-Bretanha é o quarto maior comprador desta produção.

De 2003 para 2005, as importações de carne bovina brasileira pelo país deram um salto, subindo 73% quando se comparam informações de janeiro a junho, segundo dados do governo britânico.

"Os fazendeiros britânicos temem perder mais mercado para a carne brasileira, que é mais barata do que a nacional", disse à BBC Brasil um importador.

A aftosa poderia estar sendo usada como desculpa para pressionar o governo a fechar o mercado britânico para essa "ameaça", segundo ele.

"É lógico que é uma ameaça, principalmente por causa do preço, não da qualidade", diz Rowntree. "Mas não é por isso que estamos aqui."

O surgimento de 22 focos da doença no Mato Grosso do Sul foi o argumento usado, por exemplo, pela rede britânica de supermercados Tesco para cancelar a venda de carne brasileira.

O surto no Brasil levou 49 países a suspenderem parcial ou integralmente as importações de carne do Brasil.

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