Ibama diz que ONG age como grupo paramilitar no PA

Funcionários do Ibama que estão encaminhando processo de criação de duas reservas na Terra do Meio (PA) acusam ONG ligada a Cecílio Rego de Almeida, maior latifundiário do país, de usar meios paramilitares, como fardas parecidas com as da PF, para intimidar comunidades e desautorizar o órgão
Por Verena Glass
 18/01/2006

A intromissão de membros de uma ONG “ambientalista” de Altamira (PA) no processo de consulta pública para a criação de reservas extrativistas (Resex) que o Centro Nacional de Populações Tradicionais (CNTP) do Ibama está encaminhando na região da Terra do Meio, no Pará, está preocupando técnicos do órgão. Segundo eles, com explicita ligação com o latifundiário Cecílio Rego de Almeida, acusado de grilar grandes extensões de terra na região, a ONG Bio Ambiente estaria intimidando e confundindo as comunidades para que se posicionem contrárias às Resex.

Parte integrante do grande mosaico de áreas protegidas na Amazônia, criado pelo governo como medida para minimizar os conflitos agrários e a devastação na Terra do Meio, região mais violenta do Pará, o Ministério do Meio Ambiente pretende criar duas novas Resex às margens dos rios Xingu e Irerê para completar o corredor de áreas de preservação. Esta iniciativa teria como objetivo, além de proteger uma das últimas reservas de mogno na região, oferecer às comunidades alternativas sustentáveis de renda.

O primeiro passo deste processo, explica Alexandre Cordeiro, chefe do CNPT-Ibama, são as audiências públicas com a comunidade para fazer um levantamento da situação e das demandas dos moradores locais. Depois, seguiriam estudos biológicos, sócio-econômicos e fundiários da área prevista para que seja possível definir a extensão da resex de acordo com os usos tradicionais da floresta, para que o processo seja encaminhado ao MMA para finalização do projeto da reserva.

No inicio desta semana, data marcada para a primeira consulta no rio Xingu, a presença de membros da Bio Ambiente criou um clima tão tenso que, segundo os técnicos do Ibama, houve apenas uma conversa e a consulta teve que ser adiada.

“As pessoas dessa ONG ligada à empresa CR Almeida (de Cecílio Rego de Almeida) costumam andar fardadas com roupas praticamente idênticas às da Polícia Federal, e agem como verdadeiro grupo paramilitar, vigiando as comunidades e procurando confundir os ribeirinhos com mentiras, dizendo que a Resex trará a proibição da pesca, da caça e da extração de madeira. Eles, às vezes, se identificam como funcionários do Ibama, às vezes como da polícia. Me senti seguro apenas porque estava com seis agentes armados como segurança. O objetivo desta ONG é claramente desconstruir o trabalho do Ibama”, diz Cordeiro.

De acordo com um relato de participantes da reunião ligados ao Grupo de Trabalho Amazônico (GTA, maior rede de movimentos sociais da região), o clima foi muito tenso em função da presença no local de três advogados da CR Almeida, “todos com colete e com ações de intimidação junto aos moradores e desafiando os representantes do Governo responsáveis pela condução do processo. Estava no local também a ONG Bio-Ambiente com homens fardados e com forte intimidação aos moradores. O grupo tem muitos homens na mata, fator que esta causando muita preocupação em todos. Existe a preocupação de que possam estar armados”.

Segundo Ary Cavalcante, presidente da Bio Ambiente, a princípio a ONG não é contra a criação de reservas extrativistas, mas a falta de investimentos do governo nas Resex já existentes permite que “a ação de madeireiros e grileiros continue a devastar a floresta”.

No caso específico da área do rio Xingu, explica Cavalcante, a ONG defende que a gestão da floresta seja feita pela empresa CR Almeida, “que já tem mais de dez anos de investimento na região e é a maior combatente do desmatamento. Por isso agradecemos à CR Almeida, que demonstrou que está mais preocupada com a preservação do que o governo”.

Ilegalidades
Para Mauricio Mercadante, diretor do Programa Nacional de Áreas Protegidas do MMA, o argumento de Cavalcante é comumente utilizado pela iniciativa privada para justificar a privatização de áreas de floresta, “é a mesma coisa que ouvimos em relação aos projetos na Mata Atlântica, e com essa conversa sobram apenas 7% deste bioma”.

Mercadante credita, porém, que faz falta uma maior presença do Estado na região para coibir a ação de madeireiros e grileiros, e para apoiar as comunidades locais contra grupos ligados ao grande latifúndio. De acordo com os levantamentos feitos no início de 2005 pelo Ibama e por membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) e da ONG WWF em uma expedição na região de Altamira, nos últimos anos mais de 60 famílias foram expulsas por grileiros de suas terras, localizadas nas margens dos rios Xingu e Iriri.

Segundo Tarcisio Feitosa, coordenador da CPT no Xingu, é exatamente o temor de que ocorra uma contestação legal da titulação das terras e que esta deixe de tramitar na esfera estadual e passe para a federal, com o processo de criação das Resex, que está preocupando Cecílio Almeida.

Já considerado o maior latifundiário (e grileiro) do país – afirma possuir mais de 4 milhões de hectares na Terra do Meio –, Almeida, que se diz dono de 1,4 milhões de hectares às margens do Xingu, estaria temendo a repetição de uma ação que o levou à Justiça Federal como grileiro em agosto do ano passado.

Na época, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará impetrou uma Ação Civil Pública que evitasse que o Ibama indenizasse Almeida pela desapropriação da área da Resex Riozinho do Anfrísio, acatada pala Justiça Federal de Santarém. O questionamento da titularidade da terra que, segundo a ONG Instituto Socioambiental (Isa), incidia sobre mais de 50% da Resex Riozinho do Anfrísio e sobre as Terras Indígenas Xypaia e Curuaya, a área da Floresta Nacional de Altamira, 82% da Terra Indígena Baú, do povo Kayapó, e toda a gleba de dois assentamentos do Incra, segue tramitando na Justiça Federal.

De acordo com o Isa, um levantamento da CPT mostra que a região da Terra do Meio é disputada por três grandes grupos de grileiros: a CR Almeida, um grupo formado por empresários de São Félix do Xingu e madeireiros vindos do estado do Tocantins. Sem falar naqueles que disputam a posse das terras centrais do território”, completa Silva, da CPT.

Da Agência Carta Maior

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